segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Crêr versus conhecer.

Acreditar, a palavra "acreditar", tem significados opostos em ciência e em crenças como "acreditar" em bruxas.

Concedo que superficialmente sejam a mesma coisa. Mas só superficialmente. Se ambos os significados se referem à identificação de algo como sendo verdade, as semelhanças acabam aí.

Porque um se refere a uma crença pessoal e o outro se refere àquilo que podemos provar que é universalmente verdade, usando os meios mais adequados possíveis para o fazer. Um "acreditar" é acreditar porque parece que sim, e o outro "acreditar" significa conhecer. A palavra é a mesma, mas os seus significados são tão distintos como isso - como acreditar simplesmente, é diferente de conhecer.

Crença na ciência, não é crença como em "crença em espíritos"

Se por exemplo um céptico acredita em ciência, não é por ter uma memória enciclopédica de todo o conhecimento cientifico. É porque conhece o que significa uma afirmação cientifica. Porque sabe o trabalho sistemático e aberto a critica que está por traz. É dai que parte a crença. Na crendice, a própria crença é a base do conhecimento. É óbvio que uma pessoa não pode verificar todas as evidencias experimentais que corroboram uma teoria, é preciso acreditar que quem o fez foi honesto (pelo menos durante os primeiros tempos após uma publicação). Mas isso é longe de ser algo baseado na crença simples. Essa crença é apoiada em conhecimento. De que determinada coisa foi obtida através do melhor meio possível de obter conhecimento que chegou à humanidade. E existem meios para se por isso em causa. E é posto em causa! As mentiras mais tarde ou mais cedo são descobertas.

Pôr esse tipo de crença articulada e inteligente ao nível de uma "crença pela crença" (ou ao nível do conhecimento baseado na crença), em que a ordem do processo cognitivo é inversa, é um disparate. Não são exactamente a mesma coisa.

Se me disserem que é preciso pelo menos acreditar em alguns pressupostos (para fazer ciência), pois claro que é, mas são muito simples. São pressupostos tão básicos que se forem falsos, nenhuma outra forma de conhecimento é possível. Pressupostos com acreditar que a realidade existe e que é inteligível. Se há uma crença em ciência é a de que a realidade pode ser explicada. Mas se não pode ser explicada, isso afecta qualquer outra forma de pensamento que faça qualquer tipo de afirmações. Porque se o real não existe ou é incompreensivel, não há maneira de validar afirmações. Sejam elas quais forem. É como aceitar que é verdade que a verdade não existe. Não leva a lado nenhum.

Por outro lado se o que se poe em causa é a confirmação das afirmações e saber se determinado estudo existe ou não, se é fraude ou não, isso também é absurdo quando feita a acusação de um modo generalizado. Porque para alem de existirem estudos falsos, e maus artigos, e "peer review" insuficiente, a regra é que o processo de auto-questionamento da ciência os encontre. Acreditar que a ciência só é autocrítica na nossa própria área de conhecimento é ilógico.

Também podemos sempre ver o ranking da revista em que foi publicado, se teve "peer-review", seguir as citações para ver os pressupostos em que o artigo se baseia, ler sobre as críticas que tenham sido publicadas (há sempre ou quase), ver como os autores conseguiram fazer o estudo (que meios tiveram, quem pagou, quem orientou, que interesses têm) etc. Em resumo, podemos em pouco tempo verificar se está a ser feita ciencia ou não. Mesmo que não consigamos perceber nada sobre o que estamos a ler, acreditar numa conclusão de um artigo cientifico porque podemos confirmar que foram cientistas a fazer ciencia, é uma constatação de que o conhecimento em causa é científico. É diferente de acreditar numa afirmação que nós não sabemos que processo cognitivo lhe deu origem, ou que sabemos não ter origem em investigação sistematica e metódica. Mais uma vez, este "acreditar" é mais "conhecer" ou "aprender".

E depois, existe outra coisa, que é a articulação do que está em causa, dessa afirmação hipotetica que queremos validar, com as coisas que nós conhecemos cientificamente em primeira mão. A ciência articula os seus conhecimentos como se fosse um puzzle da realidade. E a realidade, se pudémos aprender alguma coisa, é só uma.

Este texto todo é para dizer que crença em ciência tem um significado totalmente diferente de crença em outra coisa. É mesmo o inverso. Uma é acreditar porque existem evidencias e depois raciocínio que o suporta - outra é fazer o raciocínio e procurar as evidencias porque temos a crença. Não é a mesma coisa. E a confusão é perigosa.Quanto às dissonancias na ciência, existem claro, é a natureza do bicho, mas não são assim tão graves. É deixar para os especialistas em cada matéria a afinação das coisas mais complicadas. Não serve para invalidar a ciencia como o corpo de conhecimentos mais consistente que a humanidade tem. É um exagero falacioso esta linha de argumentação. Tipo argumento das lacunas. Pelas razões ja exploradas anteriormente.

Este "post" segue a linha iniciada em "Fé em ciência":

http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/09/fe-em-ciencia.html

A minha defesa do consenso cientifico, que aqui faço implicitamente, descrevi-a com exaustão aqui:

http://cronicadaciencia.blogspot.com/search/label/consenso%20cient%C3%ADfico

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Emergência do código genético.

Os aminoácidos formam polimeros que se chamam proteinas. Para isso, o RNA de transferencia liga-se a um aminoacido especifico e transporta-o até ao ribossoma onde está o RNA mensageiro com o codigo da proteina a sintetizar.

A razão pela qual uma sequencia de 3 nucleotideos especifica no RNA corresponde a um aminoacido especifico ainda não está bem elucidada quanto à origem. É uma questão fundamental para compreender a origem da vida.

Sabe-se que sintetases são as enzimas cruciais para ligar cada aminoacido a um RNA de transferencia (RNAt) especifico - que depois segue para a síntese proteica no ribossoma, (quando o anticodão de 3 bases do RNAt se liga ao codão de 3 bases complementares do RNA).

O problema está em explicar como surgiu a afinidade de certos RNAt com os aminoacidos que sabemos lhe correspondem - e isso é a isso que se chama de código - e que é catalizado pelas sintetases.

O que um estudo recente vem mostrar, é que a emergencia do código é expontanea em determinadas condições que podem ter ocorrido na Terra primordial, com poucos aminoacidos e sequencias de RNA muito simples, em que a concentração relativa de cada aminoácido pode ter sido crucial.

Este tipo de tradução (nome que se sá quando se "traduz" o RNA em proteinas feitas de aminoácidos), é muito simples e pode ter sido o ponto de partida para mais tarde, evolutivamente, termos uma tradução tão sofisticada como a que observamos hoje.

Longe de mostrar como surgiu o código genético passo a passo até aos dias de hoje, este estudo mostra a plausibilidade de o código ter surgido a partir de uma forma muito simples e com menos passos que os que se conhecem hoje. E abre a porta para a investigação cientifica de uma parte importante da origem da vida, mostrando talvez qual o caminho que devemos procurar.

Ja tinha escrito sobre como o RNA pode ter surgido na Terra primitiva, e até de como duas enzimas RNA, sozinhas, iniciam um processo evolutivo muito simples. Este artigo vem agora sugerir como o RNA terá começado a dar origem a proteinas, talvez até inicialmente sem utilidade.

Essas proteinas, as que emergiam de uma tradução primitiva, terão começado a estar em maiores concentrações, pelo que um replicador primitivo, (seja ele RNA ou não), que tenha começado a tirar proveito delas, terá ganho uma vantagem sobre os replicadores que não tiravam proveito destas proteinas.

Ver o artigo aqui:

http://www.plosone.org/article/info:doi/10.1371/journal.pone.0005773

Como de costume aqui fica a tradução do abstract:

"Considerando um sistema sem enzimas, no qual o RNAt não é carregado selectivamente com aminoácidos, nós mostramos que uma tradução elementar governada por uma cinética do tipo de Michaelis-Mentem pode seguir diferentes regimes de polimerização. Aleatória, homogénea, ou polimerização codificada. O regime seguido sob o qual o sistema corre é dado pelas relativas concentrações de aminoácidos e pelas constantes cinéticas envolvidas. Gera proteínas parcialmente codificadas, através de um mecanismo que é notóriamente robusto contra interações não especificas entre os adaptadores e o "template" de RNA"

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Reconhecer vida é inato.

A discussão entre o que é inato e adquirido é um antigo debate filosófico que está a cair a passos largos no domínio da ciência. Processos de imagiologia por  ressonância magnética funcional (fMRI) ou a tomografia por emissão de positrões (Pet scan), são capazes de mostrar com relativa precisão que area do cerebro esta a funcionar em cada momento. 

Num artigo mais ou menos recente, mas que não vi ainda mencionado na blogosfera em português, investigadores de várias universidades, incluindo Harvard e Cambridge, concluiem que a capacidade para distinguir entre seres vivos e inanimados é inata. Ou seja, não depende de aprendizagem, já nascemos a saber faze-lo. 

Press release aqui:

http://www.eurekalert.org/pub_releases/2009-08/cp-ner080709.php

Para além das implicações no já referido debate "inato vs adquirido" -(em que sugere que "haja partes significativas do cérebro humano que estão inatamente estruturadas em volta de nucleos de conhecimento que foram importantes durante o processo evolutivo) -  mas há outras coisas onde esta decoberta permite considerações interessantes.

É bem plausível considerar  que este sistema neurológico esteja implicado em ilusões de aparições subrenaturais. Coisas que parecem vivas, se despoletarem a resposta positiva deste processo, vão ser indentificadas como tal, sem que qualquer duvida seja colocada nessa interpretação. Sombras, manchas, padrões acidentais, etc. Muito duende e extraterrestre pode ter surgido assim. 

Que o cerebro humano funciona identificando padrões, ja tinha aqui escrito. Como o cérebro se pode enganar ao avaliar esses padrões tambem já tinha explicado, sobretudo porque tende a tentar encontra-los (padrões) em todo o lado. E como preenche as falhas da imagem que reconstroi a partir da realidade, (sem que nós tenhamos consciência), acabamos por ver coisas que não existem nas nuvens, nos nós da madeira, nas manchas de muros, etc. Tinha escrito sobre isto quando escrivi sobre o desígnio inteligente.

O que há de novo, e que vem dar ainda mais força a esta explicação,  é que existe um mecanismo que serve para identificar como "vivo" certos padrões. 

Eu diria, que o argumento do desígnio inteligente se apoia fortemente neste processo antigo do cérebro humano. Leva-nos a crer que, aquilo que sentimos quando vemos vida, a identificação expontanea e imediata do que é vivo, é nada mais que a prova imediata de que estes seres vivos têm um criador inteligente.

Mas talvez também por isso, quando aparecem as comparações de seres vivos com relógios e com outros objectos artificiais, não possamos deixar de considerar que apesar de tudo, nunca confundiriamos uns com os outros. Mesmo sem pensar muito, a diferença é imediata. Sabemos identificar o padrão orgânico em apenas alguns instantes. A tentativa de fazer confundior isso com desígnio inteligente é uma esperteza.

Saloia, claro.

Via Neurologica do Steven Novella:

http://www.theness.com/neurologicablog/?p=768

Sobre o reconhecimento de um padrão orgânico como sendo o argumento de desígnio inteligente tinha escrito isto:

http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/06/designio-inteligente-e-o-cunho-pessoal.html

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Fé em ciência.

Se dermos a fé o sentido de ser apenas acreditar fortemente numa coisa, podemos dizer que o cientista tem fé. Tem de ter. Quando faz pesquisa, procura evidencias, tem de acreditar fortemente naquilo que está a fazer, para que o motive a continuar e o leve a defender arduamente as suas ideias, mesmo quando a coisa está aparentemente a correr mal.

Defender o que se acredita vigorosamente é importante para o cientista. Mas isso é fé como em "Fé em Deus"? Eu penso que não, que são coisas distintas. O fervor religioso e intenso associado a manifestações de Fé em Deus não existe na ciência. Einstein dizia que devia estar perto, que um bom cientista teria que ter uma fervor quase religioso pelo universo e pela realidade, que o levasse a procurar respostas e a isso dedicar os seus melhores esforços. Mas isto não é exactamente o mesmo que a devoção a um Deus pai todo-poderoso. Em relação à Fé, dizia que o mais perto que o homem de ciência tinha, o mais parecido com isso, era acreditar que era possível encontrar explicações simples para as coisas. Einstein não acreditava em Deus.

Mas aparte da intensidade do sentimento, a diferença entre a fé do cientista e da Fé do crente religioso é enorme na questão da formação do conhecimento. É aí que as duas se separam em categorias diferentes.

Enquanto o crente religioso parte da Fé para depois procurar as razões pela qual ele tem essa fé, o cientista tem fé nas suas hipoteses e teorias porque tem suporte cientifico para elas. Mesmo quando formula hipoteses que estão longe de poderem ser testadas, é porque tem uma granda carga teorica por trás que o leva nessa direcção. E nessa carga teorica está o esforço honesto de milhares de homens, e a descrição de teorias e relatos de evidências.

Enquanto para o teólogo a Fé é o ponto de partida para começar a formar conhecimento, para o homem de ciência, a fé na ciência é uma consequência do conhecimento.

A enciclopaedia Britânica diz assim:

" É distinguida da filosofia (a teologia) por estar dedicada a explicar e a justificar a fé, em vez de questionar os pressupostos subjacentes a tal fé, mas muitas vezes emprega métodos quase filosóficos " (1)

Em relação à ciência a questão é semelhante, embora a ciência tenha a filosofia a questionar os seus pressupostos. Mas as teorias cientificas sofrem uma grande abuso de duvida até se considerarem um facto. Que é de onde a fé parte. A ordem, é outra.

A Fé em Deus é acreditar que se encontrou. A fé na ciência é muito mais acreditar que se pode encontrar.

Dá origem a visões distintas do mundo. Há quem consiga manter ambas as visões em simultâneo, mas este post não é sobre isso - não é sobre poder ter-se Fé em Deus e ser-se cientista ao mesmo tempo. É sobre a diferença entre os tipos de Fé.

Para elas serem iguais, era preciso que houvesse uma prova inequivoca da existência de Deus e uma forma objectiva de O poder estudar. A ultima vez que me debrucei sobre o assunto, essa prova não era inequivoca e final. E como diz na E. Britanica, o procedimento é quase filosófico. Falta o quase. Outra vez.

(1) "theology."Encyclopædia Britannica.
2009. Encyclopædia Britannica 2006 CD.

OMS passa recomendação contra recurso a homeopatia.

Um grupo de cientistas e jovens médicos do Reino Unido e Africa escreveu uma carta aberta(1) à Organisação Mundial de Saúde a pedir que tomasse uma posição sobre o  aconselhamento de tratamentos homeopáticos para doenças como a malária ou a tuberulose em paises em desenvolvimento.

A resposta da OMS foi uma condenação severa acerca da utilização da homeopatia. (2) Vale a pena ler o que cada membro em cada direcção da OMS escreveu como resposta, traduzido pelo site "cepticismo aberto" - na referencia (3)

Agora essa recomendação está a ser comunicada aos ministros da saude de todos os paises  para chamar a atenção sobre o problema que é a homeopatia. 

Em Portugal a homeopatia é uma das terapias alternativas com enquadramento legal e a sua falta de suporte cientifico é assustadora. Um medicamento homeopata é só agua. E é vendida em farmácias o que para muita gente é um sinal de credibilidade.

Notas e referências:

Mais uma vez, obrigado à Fernanda por me indicar a notícia. 

(1)http://www.senseaboutscience.org.uk/index.php/site/project/331/

(2)http://www.senseaboutscience.org.uk/index.php/site/project/392/

(3)http://www.ceticismoaberto.com/ceticismo/2543/oms-adverte-contra-o-uso-da-homeopatia

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

BE quer implementar as medicinas alternativas e complementares

O bloco de esquerda mantém no seu programa eleitoral a já aqui discutida intenção de abrir o debate em torno das medicinas alternativas "abrindo espaço para a sua implementação e complementaridade."

Para um crítico das MAC (Medicinas alternativas e complementares) activo como eu, poderia dizer que isto equivalerá à maioria das pessoas ler num programa eleitoral algo do género: "abrir o debate acerca da caça ao gambuzino, abrindo espaço para a sua implementação e complementaridade". Na melhor das versões.

Mas qualquer dúvida que houvesse acerca da intenção do Bloco de esquerda acerca das MAC ficou desfeita quando descobri que nas suas fileiras está o Pedro Choy (2), que dá cursos em Portugal - licenciaturas aliás -de medicina tradicional chinesa, através de pólos em nosso país da Universidade de Chengdu(3)!

Não sendo este um blogue sobre politica, não gosto de me debruçar sobre como deviam ser implementadas as medidas de combate à fraude ou se isto ou aquilo devia ser proibido. Gosto mais de me debruçar sobre o que é ou não verdade, sobre o que é ou não ciência e sobre o que é ou não matéria de facto.

Mas infelizmente, não estou a ver como é que a lei não tem nada dizer sobre este assunto.

Porque eu acho que permitir a confusão das MAC com medicina cientifica verdadeira é um problema de segurança. Quando eu vou ao hospital, não quero ter de estar a preocupar-me se o que me estão a fazer é suportado por evidências cientificas ou não. Esse não devia ser um problema meu. E quem diz um hospital diz outro serviço de saúde qualquer. E a confusão começa logo pelos nomes.

Frequentemente, distinguir ciencia de pseudociencia é um berbicacho e essa devia ser a ultima das preocupações do doente. E com tantos nomes de um lado e de outro e com tanta mistura, a coisa começa a ficar complicada. Nos Estados Unidos já há um serviço de urgência em que se usam MACs. Por cá, clínicas e consultórios de terapias e medicinas alternativas com nomes para todos os gostos não faltam. E para todas as doenças, maleitas e lesões. Até me tenho deparado com pessoas que pensavam que determinada medicina alternativa era uma especialidade médica. Mais que uma vez. Pessoas inteligentes e cultas. Mas não médicas, claro.

Por isso, eu acho que deve ser dado um claro sinal de que é preciso evitar a mistura de umas com as outras, e manter como medicina apenas a medicina cientifica. Porque quando uma coisa funciona, ela passa a ser tão cientifica como outra qualquer.

Vender serviços que não existem é apenas uma pequena parte do problema. A parte grande são os atrasos de diagnóstico e tratamento adequado a que uma pessoa mal informada se pode submeter. A juntar a possíveis complicações, que possam surgir directamente destas práticas. O que acontece.

Mas é sobretudo por causa de atrasos ao inicio de um tratamento adequado, que eu digo que isto é um problema de segurança acima de tudo. As pessoas tem de ser protegidas daquilo que requer conhecimentos de especialista, ou quase, para compreender. Se querem ir a um praticante das MAC, pois até pode ser que seja legitimo deixa-las ir, desde que haja a garantia que elas sabem que não há suporte experimental para determinadas alegações destas práticas.

Tal como é obrigatório o uso de cinto de segurança ou capacete, no minimo estas práticas não deviam poder chamar-se medicinas, alegar serem terapêuticas ou incluir a pratica de diagnósticos. Fazer um diagnóstico requer saber usar o método de diagnóstico além de conhecer bem a semiologia e patologia médica.

Jorge Sampaio enquanto Presidente da Républica foi contra a Ordem dos Médicos e vetou a lei que definia o que é o acto médico (4). As medicinas alternativas têm uma lei que as defende dizendo que funciona com uma filosofia diferente, desde 2003 (5). O bloco quer abrir espaço para a sua implementação e complementaridade.

Mesmo sem admitir que isto envolve riscos com a saúde das pessoas (e que a lei deve proteger as pessoas logo devia pronunciar-se), é tarde demais para dizer que este debate se deve manter apenas no âmbito da ciência.

Por outro lado a ciência diz-nos que estas coisas são pouco mais que "Wishfull Thinking" e elaborados placebos. Esse debate está quase fechado, por falta de evidências pelos proponentes das CAM (6).

Por outro lado, há ainda quem defenda as CAM usando o facto de os médicos e a farmacologia convêncional cometerem muitos erros. Isso é uma falácia, a saber, falácia do duplo erro que significa que um erro não justifica outro erro. Porque se se quiser apertar com os médicos, e exigir mais deles, não podemos deixar que outros se proponham fazer medicina sem provas de eficácia. Só os médicos e farmaceuticas convencionais é que são obrigados a dar provas, serem escrutinados quanto à eficacia das suas praticas?

Este post vem a propósito de uma discussão recorrente que eu tenho com o Prof. Ludwig Krippahl do blogue "Que treta". Somos ambos defensores de que o que o bloco de esquerda quer fazer está errado. Mas ele defende que a lei não tem nada a ver com isto e que este argumento é o suficiente para não dar muita importância à proposta do Bloco de Esquerda. Eu digo que se a lei não tem nada a ver com isto, então que não se façam leis a implementar. E que isso é uma questão importante.

Ligações

(1) Para o programa: http://www.bloco.org/index.php?option=com_content&task=blogcategory&id=65&Itemid=63

(2)http://santarem.bloco.org/index.php?option=com_content&task=view&id=98&Itemid=1

(3)http://www.pedrochoy-chengdutcm.eu/univ/pt/apresentacao_curso.asp Neste site pode-se ler que :"O Pólo da Universidade de MTC de Chengdu é a única instituição reconhecida pelo Ministério da Educação da República Popular da China fora do território chinês."

(4)http://saude.sapo.pt/artigos/?id=79254

(5)http://www.imt.pt/lei_medicina_452003.php

(6)http://cronicadaciencia.blogspot.com/search/label/medicinas%20alternativas%20e%20complementares





quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A ciência não se corrige III

O Luciano Henrique insiste que a ciência não se corrige. Desta feita diz que eu incorro na falácia da composição. Copy-paste do blogue dele:

"

Falácia da Composição
A falácia da composição consiste em afirmar que o todo possui a mesma propriedade de suas partes ou de uma de suas partes.
Exemplos:
  • “As células não têm consciência. Portanto, o cérebro, que é feito de células, não tem consciência.”
  • “Cada tijolo tem três polegadas de altura, portanto a parede de tijolo tem três polegadas de altura. “

A questão está, em que a falácia da composição é uma falácia informal. Depende do conteúdo. Ou seja, não é uma falácia sempre que eu disser que o comportamento ou propriedades do todo depende de uma parte. O que a ciência diz, como um todo, depende do que dizem as suas teorias, os cientistas ou como elas são resolvidas. Aqui deixo o copy-paste da minha resposta:

"Não esta inválida, Luciano. Porque nesta argumentação ao substituir uma teoria por outra eu não estou a corrigir só a teoria que pus de lado. Estou de facto a corrigir toda a ciência. Existem muitas coisas que se podem corrigir por abordagem reducionista. Se voce está doente, o médico procura a parte de voce que não esta bem, e corrige ou ajuda a corrigir. Voce fica bem quando a parte ruim deixou de estar ruim.

Será que vê a analogia? Existem coisas em que a abordagem recucionista é valida. Lamento, mas além disso, e como já disse, há muita teoria que entra e sai daquele corpo (da ciência). Deixando-o ora mais estável ora mais completo, etc.

A propria metodologia evolui, quem faz a ciencia evolui, a definição de ciencia evolui (e ainda não se chegou a uma forma final). Não há parte da ciência que não se corrija e frequentemente o resultado é a ciencia como um todo significar diferentes resultados para o mesmo objecto. Isto é, diz coisas diferentes conforme as teorias de que a compôem.

Se voce substitui o tijolo rachado no muro, pode dizer que consertou o muro."

Nota:

O Pedro Couto do "Crêr para ver" fez o seu habitual trabalho exaustivo de refutação implacavel, acerca desta treta do Luciano aqui:

http://crerparaver.blogspot.com/2009/09/re-neo-ateismo-um-delirio-ciencia-x.html

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Teorias da Conspiração.

Este é um blogue sobre ciência. Porque é que havia de perder tempo a escrever sobre teorias da conspiração? Penso que há duas boas razões. Primeiro, uma teoria da conspiração é muitas vezes o oposto de uma teoria cientifica no que respeita aos principios de simplicidade e lógica. A segunda, é que começam a haver teorias da conspiração que se dirigem directamente à ciencia, como há acerca do aquecimento global ou do materialismo.

Em resumo, uma teoria da conspiração, é uma teoria que explica algo baseado numa conspiração. Portanto, quem conhece minimamente a história da nossa civilização, sabe que elas explicam milhentas coisas. Conspirar tornou-se uma coisa tão vulgar que há uma tendencia para acreditar numa explicação só porque ela pressupõe uma conspiração.

Mas estas teorias da conspiração que estou a falar têm vulgarmente uma caracteristica que as denuncia. Que é a falta de simplicidade. Têm uma data de pressupostos incriveis que as tornam implausiveis. Normamente pressupoem uma quantidade anormal de gente envolvida ( o que é uma maneira má de conspirar), têm todas as evidencias conhecidas contra elas, são extremamente intrincadas para conseguir por lógica nos factos conhecidos (o que normalmente não conseguem), e finalmente... Não são testaveis.

Por exemplo no 11 de Setembro. Será que é mais plausivel acreditar que as torres cairam por causa do impacto e da explosão do combustivel ou que um grupo de homens, altamente especializado, conseguiu colocar milhares de cargas em locais extremamente estratégicos das torres, com milhares de fios à mistura e depois mascarar tudo atirando dois aviões comerciais para cima delas? Sim, não fosse alguem suspeitar de alguma coisa. Atira-se um avião lá para cima e ninguem vai perceber que foi tudo combinado. 


segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Wedge Document

O Wedge Document é o documento onde o Discovery Institute delinea a estratégia de acabar com o materialismo na ciência. E onde se vê que não há nada de cientifico acerca do Discovery Institute.

Descobri via wikipédia um PDF do original:

http://www.antievolution.org/features/wedge.pdf

Sobre o Tempo

Penso que uma das questões mais dificeis,  de toda a ciência e da filosofia, é a resposta à questão:

O que é o tempo? 

A enciclopédia Britannica (*) diz assim:

"Tempo:

Periodo medido ou que se pode medir.

Mais vagamente, é um continuum a que faltam dimensões espaciais.

Os filósofos têm procurado uma compreensão do tempo, focando-se em grandes questões, como a relação entre o tempo e o mundo fisico e a relação entre o tempo e a consciência. Aqueles que adotam uma teoria absolutista do tempo, olham-no como um tipo de contentor dentro do qual o universo existe e a mudança tem lugar e acreditam que a sua existência e propriedades são independentes do universo físico. Para a teoria rival, relacionista,  o tempo não é nada sobre e acima da mudança do mundo físico. Sobretudo por causa de Einstein, o tempo é agora tido como sendo algo que não pode ser separado do espaço. (espaço-tempo). Alguns argumentam que a teoria da relatividade suporta os absolutistas outros argumentam que suporta o relacionistas."

De facto a explicação do que é o tempo, (pela ciência) é nos dada fundamentalmente pela teoria da relatividade (1). Segundo ela, o tempo é parte de algo maior que é o espaço-tempo. Não existe separadamente. De tal modo, que nós nos estamos sempre a mover no  espaço-tempo, e o que tiramos do movimento num vai ser acrescentado ao movimento no outro. Confuso?

Se eu me começo a deslocar no espaço a 20 km/hora, essa velocidade vai ser descontada na velocidade com que eu me desloco no tempo. Se eu acelerar algo até à velocidade máxima possivel, a velocidade da luz, só vai sobrar movimento no espaço. Por isso, a luz não tem uma componente da deslocação no espaço-tempo que seja só no tempo. "A luz não envelhece".

Por outro lado, se eu estiver rigorosamente parado, só me estou a mover no tempo. Por isso, a sincronicidade, ou a percepção de que fenómenos ocorreram ao mesmo tempo, não é a mesma para quem se desloque a velocidades diferentes. Porque ao tratar do tempo e do espaço separadamente, eles são relativos. O absoluto é a entidade espaço-tempo. Não dá para separar, se o tentarmos passamos então a falar de um em relação ao outro.

Um problema que nasce da descrição da relatividade para o espaço-tempo, é que não dá nenhuma explicação acerca de porque é que andamos num sentido e não no outro.  E além disso, ao acabar com a noção de tempo absoluto, mostrando que observadores diferentes não concordam com que acontecimentos ocorreram ao mesmo tempo, destroi uma noção intuitiva que tinhamos de um tempo universal a fluir. O espaço-tempo pode ser descrito visualmente como se se tratasse de um longo solido, imagine-se um pão de cacete, com os acontecimentos a evoluirem continuamente ao longo do seu comprimento. Uma fatia desse continuum representa um momento para um observador. A passagem de um momento para o outro, aparentemente, é algo que a nossa consciencia faz. Deixando momentos do passado para trás. Isso é a nossa percepção...

...Mas a questão é que é possivel fazer fatias desse longo cacete tão obliquas que destruirão qualquer noção intuitiva de passado e futuro. Se as fatias forem feitas com velocidades como as que estamos habituados a lidar no dia a dia, elas vão sair direitinhas e paralelas a um eixo maior do cacete. Mas a velocidades relativistas, uma fatia pode ser tão obliqua que para determinadas distancias um acontecimento de uma ponta do cacete fique na mesma fatia que um acontecimento na outra ponta do cacete. Ou quase. Isto quer dizer que, dependendo do observador, acontecimentos no passado para umas pessoas, estão no futuro para outras. Acontecimentos que para uns são sincronos, estão na mesma fatia do bloco espaço-tempo, para outros são tão distantes como milhares de anos. Esta constantação ataca fortemente a ideia de um tempo absoluto a fluir pelo universo.

E se o tempo é algo que realmente flui, se existe uma seta do tempo (2) com uma direção, não é uma coisa obvia. As leis da fisica são simétricas para o tempo. São as mesmas para um lado ou para o outro do cacete de pão metafórico. Einstein diria mesmo que "os fisicos convictos como ele, sabem que o fluir do tempo é uma ilusão"

E a simetria das leis da fisica é uma propriedade considerada cada vez mais importante. Então, para além da nossa experiencia do tempo que evidencias cientificas temos que o tempo é algo que tem um sentido? E que as coisas acontecem nesse sentido. Ha uma seta do tempo ou não?

A unica resposta que encontrei a esta questão foi a da entropia. Como escrevi no post sobre a seta do tempo, a entropia é a unica lei cientifica assimetrica. Se o tempo flui, ele flui no sentido de aumentar a entropia.

Penso que depois do que escrevi posso acabar citando o resto do artigo da Britanica sobre o tempo:

"A primeira preocupação com a relação do tempo com a consciencia é a extensão com que o tempo ou aspectos do tempo dependem da existencia de seres conscientes. Acontecimentos no tempo são normalmente pensados como noções de passado presente e futuro, e alguns filósofos tratam-nos como sendo dependentes da mente; outros acreditam que o tempo é independente da percepção e defendem que passado presente e futuro são medidas objectivas do mundo."

Ou será a própria consciência uma propriedade emergente da nossa deslocação através do espaço-tempo? Ao invés de imaginar o tempo como consequência da nossa consciencia? ( como diz na E. Britannica - mas no fundo sendo a mesma coisa com uma causalidade invertida). Não faço ideia.

Notas e ligações:


(*)"time."Encyclopædia Britannica from Encyclopædia Britannica 2006 CD. .[Accessed September 7, 2009].

(1) Teoria da relatividade (partes I,II e III):

I - http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/08/sobre-teoria-da-relatividade-parte-i.html

II - http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/08/sobre-teoria-da-relatividade-ii.html

II - http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/08/sobre-teoria-da-relatividade-parte-iii.html

(2) Seta do tempo e entropia: 

http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/08/seta-do-tempo-e-entropia.html


Noutro blogue:

http://duvida-metodica.blogspot.com/2009/09/o-novo-ano-lectivo-e-o-tempo.html




Se a ciência não fosse Naturalista II

Fig 1: Einstein demorou 10 anos a concluir a Teoria da Relativida

de Geral. Foi um dos esforços mais incríveis protagonizados por um cérebro humano contra o desconhecido. Mas não, calma. A imagem ao lado é uma fraude. A teoria da relatividade tem um pouco mais de... capacidade preditiva

.

Materialismo e Naturalismo

O Materialismo explica-se melhor com uma reflexão sobre a seguinte questão:

Quando é que eu deixo de procurar uma causa natural para um fenómeno observável?

Quando não encontro a explicação?
Essa é a resposta que a humanidade deu até há umas centenas de anos atrás.

Depois disso, houve uma mudança de atitude. Talvez porque alguns homens demonstrassem ser possível explicar certas coisas através do mundo sensível, começou-se a tentar compreender esta mesma natureza sem recorrer a explicações sobrenaturais.

E as respostas começaram a vir. Alguém acabou por dizer que as entidades usadas numa explicação não devem ser multiplicadas para alem do nesseçário. Isto é, se podes explicar sem elas, porque as hás de introduzir na explicação?

Esta abordagem tem se mostrado extremamente prolifera. Embora os filósofos se debatam para tentar explicar os principios de simplicidade em termos lógicos, eles permitiram encontrar muitas explicações sobre como funciona o universo. Deu origem à tecnologia e ao corpo da ciência.

E isso, procurar as respostas para os fenómenos do mundo natural através de efeitos observáveis no mundo material é o materialismo.

E a ciência é materialista, ou naturalista, termo que eu prefiro pois a matéria não é tudo o que há no universo. E porque é que a ciência é materialista? Por causa da pergunta com que comecei este texto:

Quando é que deixamos de aceitar que a resposta está no mundo natural e aceitamos que só pode ter sido uma entidade sobrenatural?

Na pratica, esta resposta poderá vir, na melhor das hipoteses, quando se esgotar a ciência, quando se atingir a ultima gota de explicação dada pela ciência. Mas como não se sabe quando esse ponto chega ou se chegou, só resta continuar a tentar encontrar explicações materiais, que foi o que nos trouxe até aqui em termos de conhecimento cientifico.

Porque se formos pelo outro caminho, é possivel dizer que tudo é como é porque Deus quer. Chove porque Deus quer, a gravidade funciona como Deus quer, a doença é porque Deus quer. Isso até pode ser tudo verdade. Mas assim nunca vamos ter respostas que ajudem a compreender o clima, a física e a medicina. Tudo pode ser explicado como sendo milagre. Aliás isso foi a resposta aceite durante quase toda a existencia da humanidade. A ciência, sem excluir à partida a existencia de Deus, procura saber o máximo possivel sobre as coisas, funcionalmente. Mas isso só é possivel se não se recorrer à explicação sobrenatural.

Dizer que a ciência não é materialista, ou querer retirar o materialismo da ciência é errado. É uma tentativa de acabar com uma caracteristica intrinseca ao seu processo.

E é de facto uma estratégica que tem sido utilizada por defensores de pseudociencias como o desígnio inteligente ou o dualismo. Foi mesmo organizada uma estratégia para o fazer, formalizada no Wedge Document (1), proposto pelo Discovery Institute (2).

Não por terem encontrado uma resposta cientifica à questão referida. Mas, aparentemente, só porque não querem que a ciência possa encontrar soluções que não contenham Deus na equação - e porque isso é mau. Dizem eles. Para saber mais, ler o Wedge Document. Contado não é a mesma coisa...

(1)http://www.geocities.com/CapeCanaveral/hangar/2437/wedge.html Uma cópia do Wedge Document. Vale a pena ler.
(2)http://www.discovery.org/

domingo, 6 de setembro de 2009

Moderação de comentários

Recebi a visita de um bot (ou ser humano, não sei) que se manteve no meu blogue durante 2 horas e visitou cerca de 120 páginas. Deixou várias mensagens repetidas de longo e desconexo texto em vários posts. Outras eram curtas e não me pareceram automáticas. Em todo o caso tiveram origem no mesmo IP em Inglaterra e seja como for, não estou interessado nas suas preocupações sobre a orientação sexual seja de quem for - não sendo gay estou-me nas tintas para se o próximo ser humano é ou não. Isso é uma preocupação da treta e a internet está cheia de pré-adolescentes agressivos e homofóbicos que acham esperteza dificultar o dialogo com este tipo comentários. Quero lembrar no entanto, que outras observações já constituem insulto difamatório punivel por lei.

Todos os comentários que sejam pertinentes, contra ou a favor da minha opinião serão publicados. SPAM como já tinha dito antes terá de ser eliminado quer seja bem ou mal escrito.

A moderação de comentários foi a medida que achei adequada e que usarei por tempo indeterminado. São aceites sugestões.

sábado, 5 de setembro de 2009

Sobre a Auto-hemoterapia.

Através de uma dica da Fernanda Poleto do Bála Mágica (1), fiquei a conhecer mais uma pseudo-medicina, que por cá não parece ter grande penetração no mercado, mas no Brasil tem uma quantidade enorme de seguidores. Por isso, é uma questão de tempo até haver aí tasquitas a vender o tratamento de tudo e mais alguma coisa através da auto-transfusão. 

O blogue que a Fernanda me indicou, o .42*,  está a receber uma grande quantidade respostas desagradáveis  por ter feito um post a criticar a auto-hemoterapia. Há insultos, ameaças, mas poucos (ou nenhuns) links para artigos decentes. Na realidade já vai em dois post. Do primeiro cito esta parte: (AHT = auto-hemoterapia)

"E essa tal de AHT serve para o quê?
Segundo Luiz Moura, proeminente proponente da precitada prática; para tudo (incluindo câncer e HIV)! 
Segundo a Ciência Médica, para nada!

Entre centenas de anos de melhoria, milhares de estudos e milhões de profissionais pesquisadores e um indivíduo, aposto sempre no primeiro grupo.
Quer revolucionar a medicina? Prove."

E é isso mesmo. A AHT é a prática de tirar 5 a 20ml de sangue circulante e injecta-lo no musculo. Não há suporte cientifico para tal practica para tratar uma unica doença, muito menos ser a panaceia universal que se propõe ser. A lista de doenças para as quais os proponentes dizem que a sua milagrosa terapia tem indicação é enorme. Nem vale a pena começar. 

Segundo, quem faz alegações e afirmações novas é que tem o onús da prova. Porque? Precisamente como ele diz. Se não tinhamos uma revolução cientifica a cada dois dias. Não é demais nunca repetir que afirmações extraordinárias, requerem provas extraordinárias.

Para varias as provas apresentadas pelos comentadores são anedóticas, histórinhas pessoais ou de alguém conhecido que é suposto nós acreditemos pelo valor facial. Nada de amostras grandes, com dupla ocultação. 

É sempre o mesmo padrão. Evidencia anedótica, apelo à credulidade, insulto aos criticos da prática por estes exigirem provas (com normal recurso a teoria da conspiração), e apelo à ignorancia (ao tentar inverter o ónus da prova.

Fiz uma pequena pesquisa sobre hemoterapia onde passei por vários sites de proponentes. Um deles, intitulado "Institute of Cience" (2) apoia as suas afirmações em trabalhos publicados para la dos 50 anos. Os mais recentes são de 88 e 92. O artigo de 88 é publicado pela AAAS pacific division mas é um estudo não randomizado, não controlado e sem ocultação acerca de 40 pacientes com Malária. O artigo de 1992 é publicado numa revista cuja tradução é "Hipoteses Médicas". Certo.

Porque é importante ter o trabalho de escrever sobre estas coisas? Porque quando vamos ao médico não queremos andar a fazer de cobais pois não? É melhor que a nossa saúde seja tratada com a sofisticação que merece, usando o melhor que o conhecimento humano permitiu saber. É que se é para fazer de cobaia, então que avisem. Existem protocolos para isso. E antes de chegar a um ser humano uma nova terapia têm de passar por um filtro muito severo. 

Notas e referências:

(1) http://bala-magica.blogspot.com/Obrigado pela dica.

(2)http://www.angelfire.com/ca/instituteofscience/hebibnew.html - Esta é a pagina da bibliografia, mas tem ligação de volta para o artigo onde eles explicam detalhadamente as suas teorias.

* O Blogue " .42" e o artigo de nome "Auto-hemoterapia e a medicina medieval de mãoes dadas":

http://scienceblogs.com.br/uoleo/2009/08/auto-hemoterapia_e_a_medicina.php

Vale a pena ver o segundo post sobre o assunto também:

http://scienceblogs.com.br/uoleo/2009/09/auto-hemoterapia_e_a_ignoranci.php

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Aniversário

Faz hoje um ano que escrevi o primeiro post deste blogue, intitulado "Lamina de Occam e Crónicas da Ciência". Na altura queria que o blogue tivesse um nome menos pomposo, e chamei-lhe lamina de Occam, mas depois descobri que esse era o nome mais comum para sites e blogues do género. Na pressa de ter de por um nome acabei por escolher "Crónica da Ciência". Talvez haja aí alguem que merecesse mais usar este nome no seu blogue, mas afinal "what's in a name?"

Dedidi, a proposito do primeiro ano de "vida" escolher alguns posts que gostava que fossem os mais lidos.

- Breve História da Ignorância: http://cronicadaciencia.blogspot.com/2008/09/breve-histria-da-ignorncia.html

- Lamina de Occam e crónicas da ciência:http://cronicadaciencia.blogspot.com/2008/09/numa-primeira-abordagem-quero-apenas.html

- Sobre o consenso cientifico:http://cronicadaciencia.blogspot.com/2008/10/sobre-o-consenso-cientifico.html

- Porque é que a verdade é importante:http://cronicadaciencia.blogspot.com/2008/11/porque-verdade-importante.html

- Opiniões são opiniões, factos são factos:http://cronicadaciencia.blogspot.com/2008/11/porque-verdade-importante.html

- Medicinas alternativas e as outras:http://cronicadaciencia.blogspot.com/2008/10/medicinas-alternativas-e-as-outras-uma.html

-Sobre o antimaterialismo actual:http://cronicadaciencia.blogspot.com/2008/10/sobre-o-anti-materialismo-actual.html

-Mais sobre a origem da vida, bastante mais.http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/05/mais-sobre-origem-da-vida-bastante-mais.html

-Se a ciência não fosse naturalista:http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/08/se-ciencia-nao-fosse-naturalista.html

-Falsificacionismo:http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/08/falsificacionismo.html

-Occam e o silogismo criacionista:http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/01/occam-e-o-silogismo-criacionista.html

A ciência não se corrige II

O Luciano insiste que a ciência não se corrige. Que é errado dizer que a ciência se corrige. Que isso é mania de leitores de Sagan, Dawkins, etc.

Por isso, leitores de divulgação cientifica:

É errado dizer:
- que o gelo se derrete
- que a agua molha
- que o iodo volatiza-se
- que o pavio se consome
- que o Luciano se corrige.

Porque isso implica um argumento de objectivo próprio da coisa, como se o quisesse fazer. Ou tivesse intencionalidade. Chamam-lhe teleologia ou uma coisa do género.

E o gelo derrete-se por influencia externa, e a agua molha por natureza directa o pavio se consome se houver fogo e o Luciano não se corrige.E a ciência corrige-se por acção externa. Por acção dos cientistas (ou interna se eles fizerem parte da ciencia como é justo, mas não discuto isso, é secundário). Não confundir com as situações acima.

Para compreender melhor a questão, ver aqui:
http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/08/ciencia-nao-se-corrige.html

Update:
O Luciano diz que a analogia não é valida. Que ele ao corrigir-se não está a AUTOMÁTICAMENTE a corrigir a administração a que pertence.

Eu acho que isso depende do que é que ele se está a corrigir. Respondi-lhe isto:

Sim, a administração não existe. O que voce fizer e disser não tem implicações para a administração. Bravo.
Daqui a nada temos os primeiros ministros a dizer que não estão a governar o país que quem governa é o governo. E eles não são o governo, apenas fazem parte dele. O governo não erra, eles é que podem errar. Mas o governo esta bem e não erra.
Onde é que vai dar a tua argumentação? A uma dissociação total entre o todo e as partes? A que nenuma generalização seja possivel fazer? A que ninguem seja responsavel por nada?

Update 2:
Só escrevo estas coisas porque me avisaram que ele costuma apagar comentários. Mas se calhar ja chega.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A complexidade redutivel da máquina molecular mitocondriana...

...Ou mais um pontapé bem aviado no criacionismo e no designio inteligente.

A complexidade irredutivel é um conceito inventado por Behe para tentar convencer o mundo de que havia coisas que não fazia sentido terem uma versão mais simples, como o olho, por exemplo.

Se isso fosse verdade, um olho um pouco pior não teria vantagem nenhuma, ou mesmo um rudimento de olho, tambem não serviria para nada. Mas parece que não é verdade. Qualquer capacidade para percepcionar luz, desde sombras a imagens, é vantajosa.

Mas o olho, não era o unico exemplo de complexidade irredutivel. Outro era a maquinaria da mitocondria. Uma maquinaria molecular que se se tirasse uma peça, nada funcionava.

O que este estudo vem demonstrar é que as peças já estava feitas antes. Diz assim:

"As mitocondrias derivam de um simbionte (alfa)-protobacteriano e nós identificámos numa (alfa)-protobactéria as partes componentes da maquina molecular de transporte de proteinas da mitocondria"

e mais à frente:

"relativamente poucas mutações serão precisas para convertera sua função para maquinaria de transporte de proteinas."

Ou seja, lá se vai a complexidade irredutivel.

O abstract está aqui:

http://www.pnas.org/content/early/2009/08/25/0908264106.abstract

Eu tive conhecimento do artigo através do Twitter do Luiz Bento do Discutindo Ecologia que me levou a este blog, onde se pode ler mais em português e esta muito bom:

http://scienceblogs.com.br/rnam/2009/08/criacionistas_perdem_mais_um_r.php

Não sintetizar para terroristas.

Outra noticia muito interessante na Nature on-line, hoje, é o artigo sobre os padrões de segurança da industria de sintese genética.

Como saber se o pedido se refere à produção de uma toxina perigosa por exemplo? Existem procedimentos possiveis para fazer um filtro destas situações potencialmente desastrosas, mas não existe legislação. O artigo refere a possibilidade de, na competição entre elas, optarem pelo método mais fraco. 

São questôes de segurança que devem ser resolvidas antes e não depois das estruturas funcionarem a todo o vapor. Talvez mais urgentes que algumas questões éticas que dão mais barulho.

Texto aqui:

http://www.nature.com/news/2009/090828/full/news.2009.873.html

Da Academia para a Industria

Um cientista de topo na investigação de células tronco sai do seu trabalho na faculdade e passa a trabalhar para a GE Healthcare.

Stephen Minger é tambem um activo defensor da area, e dá como razão da mudança a procura de mais meios e poder levar a investigação para outro nível. Na entrevista diz que vai poder finalmente "tirar celulas tronco e fazer partes a partir delas".  O primeiro objectivo, segundo ele, é usar essa tecnologia nos ensaios toxicológicos, e permitir poupar dinheiro à industria.

Se é bom ou não cientistas de topo passarem para a industria é discutivel. Ha vantagens e desvantagens. Mas ninguem tem o monopólio da ciencia. Eu é que tenho a mania que um professor rodeado de alunos é como as coisas devem ser feitas. Talvez por acreditar que haverá uma divulgação mais rápida e uma compreensão maior do que se está a fazer. O que não é obrigatóriamente verdade. 

Este é um dos temas "quentes" da actualidade por causa das questões éticas associadas. Não obstante é uma area promissora. É muito interessante, e ele diz que o trabalho académico na area aumentou 10 vezes nos ultimos 5 anos.

Está aqui a entevista:

http://www.nature.com/news/2009/090828/full/news.2009.873.html