quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Valeriana

De todas as candidatas a medicinas alternativas ou complementares aquela que eu acho que tem mais hipóteses de êxito é sem dúvida a fitoterapia (ervanária, ou herbal, como lhe quiserem chamar). Porque lança tantas hipóteses, que algumas têm de acertar, isto é, ter sucesso terapêutico. Mesmo que moderado.

Porque ervas há muitas e que muitas contem substâncias capazes de modificar funções orgânicas já se sabe há séculos. A história da aspirina é um bom exemplo.

O que não se sabe ainda é que espécies vegetais não testadas terão algo para nos dar. Não testadas, quero dizer, de uma maneira rigorosa e sistemática, que tente reduzir a probabilidade de conclusões erradas.

Como qualquer produto que alegue ser “natural” tem entrada facilitada no mercado, não sendo obrigado a sujeitar-se aos exigentes procedimentos farmacológicos habituais de determinação de eficácia, toxicidade ou mecanismo de acção, a sua variedade e disponibilidade no comercio é enorme.

O extracto de valeriana é um dos produtos ditos "naturais" que tenho ouvido mais testemunhos pessoais a validar a sua eficácia, como ajudante do sono ou calmante. O seu registo no Infarmed, pelo que pude saber, nem é como produto natural. Portanto, para ser mais exacto nem é um produto de ervanária nem de medicina herbal. Tem um registo normal como qualquer outro medicamento.

Mas, mesmo assim, o que dizem os ensaios clínicos mais rigorosos?

Encontrei sem grande dificuldade uma revisão de artigos publicada o ano passado num jornal com “peer-review” (1) que começa assim:

uma recente revisão sistemática e meta-análise da valeriana concluiu que a evidencia a favor da sua eficácia era inconclusiva “(2)

Isto é um mau começo. Se fosse muito eficaz, provavelmente essa revisão sistemática teria sido conclusiva, ou mais correctamente teria concluído a sugerir a eficácia do extracto de valeriana (os cientistas tem este tipo de cautelas). Os autores continuam dizendo que:

por essa razão, num esforço para examinar mais de perto este assunto, uma revisão sistemática foi conduzida para examinar a evidencia acerca da eficácia da valeriana como um ajudante do sono com atenção especifica ao tipo de preparações testado e características dos sujeitos do estudo”.

Foram encontrados 36 artigos que cumpriam os critérios de inclusão num total de 592 identificados. De acordo com os autores não foram encontradas diferenças significativas entre os efeitos do placebo e dos que tomavam valeriana, quer entre as pessoas saudáveis, quer entre as que tinham algum tipo de distúrbio do sono. Mas pior ainda é verificar que:

Nenhuns dos estudos mais recentes, que eram também os mais metodologicamente rigorosos, encontraram efeitos significativos da valeriana no sono.”

O estudo acaba concluindo que a valeriana apesar de ter efeitos adversos apenas raramente, não é eficaz para a insónia e problemas do sono.

(1)http://www.ncbi.nlm.nih.gov/sites/entrez?db=journals&term=%22Sleep%20Med%20Rev%22%5BTitle%20Abbreviation%5D
(2)http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17517355?ordinalpos=1&itool=EntrezSystem2.PEntrez.Pubmed.Pubmed_ResultsPanel.Pubmed_DiscoveryPanel.Pubmed_Discovery_RA&linkpos=3&log$=relatedreviews&logdbfrom=pubmed

Acupunctura: Uma abordagem crítica (para variar).

A acupunctura é uma prática antiga chinesa que alega conseguir manipular o Qi, através da inserção de agulhas finas em pontos predeterminados do corpo. O Qi, dizem os praticantes, é a energia vital do nosso corpo, cuja perturbação é a origem da doença. Só que tal energia é uma entidade extra, desnecessária à explicação dos fenómenos fisiológicos, (contrariando o princípio de Occam).
Pode-se dizer com alguma segurança que a bioquímica e a fisiologia são mesmo opostas ao conceito do Qi. Cada vez se conhece mais sobre o funcionamento do corpo, (até ao nível molecular) e os mapas metabólicos sugerem um funcionamento perfeitamente independente de tal forma de energia na nossa vida. Por outro lado a patologia científica acumula conhecimento que identifica de forma muito mais precisa os mecanismos da doença. Espetar agulhas finas em determinados pontos para resolver problemas de saúde não tem qualquer tipo de suporte racional nas teorias vigentes da biologia humana. Nem esses pontos de acupunctura têm alguma diferença histológica ou anatómica característica que indicie a sua existência.

Mas apesar da inconsistência com os avanços da ciência e da medicina, a acupunctura goza de uma extraordinária reputação no ocidente e também em Portugal. Na crista da onda das ditas medicinas complementares e alternativas, acarinhada por alguma imprensa, parece vir ao encontro de uma tendência mística recente.

Adicionalmente e provavelmente devido a algum enaltecimento dos resultados experimentais a nível da analgésica ligeira, um critério relativamente subjectivo, faz-se um uso indiscriminado do “provado cientificamente” aquando da sua discussão. É de facto uma alegação exagerada.

Para além dos mecanismos de funcionamento serem completamente inconsistentes com a ciência, cabia de qualquer modo à experimentação sistemática clínica ter a palavra final. Às vezes descobrem-se coisas por acaso, mesmo quando aparentemente não fazem sentido. Por isso, comparam-se os resultados de eficácia do tratamento em estudo com os de um grupo placebo. Expliquei como funcionavam os ensaios clínicos com algum detalhe no artigo “medicinas alternativas e as outras” (1), por isso adiante.

O problema está em que a acupunctura não mostra evidências de ser eficaz para o tratamento de doenças, porque tem dificuldade em separar-se do efeito placebo. É o que mostram os estudos mais recentes em que se tentou simular o acto da acupunctura com pressão exercida no local mas sem espetar a agulha (2). Chama-se “sham acupuncture” em Inglês a esta solução para o efeito placebo na acupunctura. E as evidências parecem apontar para a conclusão de que a “sham” é tão boa como a real.

Exemplos de estudos com resultados promissores também existem (3) mas dificilmente escapam a uma análise metodológica. Por exemplo, no caso referido acima, sobre dores de cabeça crónicas, o estudo não é fiável porque (entre outras razões) não é cego (os médicos e os pacientes sabem quem é o grupo que recebe tratamento e quem não recebe), e igualmente grave, nem sequer usa placebo. Mas para uma análise detalhada a este estudo, (e em que se pode aprender muito), referencio o artigo dos médicos Orac (4), ou Steve Novella (5).

No livro “truque ou tratamento”(6), em que é feita uma revisão sistemática de vários estudos, a conclusão é que a Acupunctura pode ser útil no alivio da náusea ou na dor moderada… Que são áreas por natureza amigas do efeito placebo. E como se mostrou recentemente, há placebos uns melhores que os outros (7). Talvez a acupunctura seja a rainha dos placebos.

Mas, seja como for, eficácia comprovada e consensual no meio cientifico em outros problemas é tão visível como o Yeti. Contra quem eu não tenho nada. Talvez até exista. Talvez também a acupunctura seja mais que um excelente placebo, resta provar exactamente em quê.

Abaixo encontram-se os links para as paginas citadas assim como quatro estudos (8) ,(9),(10) e (11) a ilustrar a variedade de situações em que a acupunctura foi estudada (devido a haver alegações de eficácia); como vantagens na fertilização in vitro, tratamento dos “hot flashes” em pacientes com cancro da mama, insonias... Em nenhum destes estudos se mostrou mais eficácia que o placebo.

Nesta revisão de 2009, encontraram-se efeitos moderados de analgesia mas não relevantes clinicamente (12)
Nesta revisão de 2010 a eficácia para a acupunctura fica apenas atribuída a dor cervical moderada e são encontrados vários efeitos adversos (13)

Ultimo Update Out 2011


(1) http://cronicadaciencia.blogspot.com/2008/10/medicinas-alternativas-e-as-outras-uma.html

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Ginkgo biloba

O Ginkgo biloba é uma árvore cujo extracto tem sido utilizado por alegados benefícios na memoria e cognição. Mas um estudo publicado no prestigiado Journal of the American Medical Association (JAMA), vem colocar serias duvidas sobre a sua eficácia.

Foram formados dois grupos, um que tomou uma dose de 120mg de extracto de Ginkgo biloba (EGb 761) de manhã e à noite, e outro que tomou placebo. O primeiro grupo continha 1545 pessoas e o segundo 1524. O estudo foi feito entre 2000 e 2008 e cada pessoa foi acompanhada em média durante 6,1 anos. Todos os participantes tinham 75 anos ou mais.

Destes 3069 voluntários 2587 não apresentavam problemas cognitivos e 482 apresentavam uma forma ligeira de deficiencia cognitiva. Foram examinados de 6 em 6 meses durante o estudo.

523 indivíduos desenvolveram demência e destes alguns comprovadamente Alzheimer. Não houve diferenças significativas entre o grupo tratado e o que recebeu placebo. Mais concretamente a taxa de incidência foi de 3,3% por ano para os que receberam o extrato e 2,9% por ano para os que receberam placebo.

Tradução da conclusão:

"Neste estudo, G biloba a 120mg duas vezes por dia, não foi eficaz em reduzir a incidência geral de demência ou doença de Alzheimer em idosos quer em indivíduos normais, quer em indivíduos com deficiência cognitiva moderada"

Fica aqui o link para o artigo:http://jama.ama-assn.org/cgi/content/full/300/19/2253

Update (7-jan-2010):

Restam poucas dúvidas. Um estudo extremamente completo e rigoros conclui que o Gingko biloba é placebo. Via "Neurologica": http://www.sciencebasedmedicine.org/?p=3235

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Porque é que a verdade é importante?

Talvez a verdade seja algo inalcançável ao pensamento humano. Talvez, como dizem alguns filósofos, a verdade não exista. Talvez o mundo seja um engano, uma ilusão. Talvez vivamos todos dentro do universo da “matrix”. Talvez a verdade seja uma invenção humana, um conceito apenas consequente do pensamento humano, em que só existe verdade porque existem seres inteligentes para pensar sobre ela.

Seja como for, seja qual for a realidade em que se vive, tudo indica que tem regras; e que a realidade, tem pelo menos uma parcela inteligível, compreensível, a partir da qual se pode gerar conhecimento, fazer previsões, construir e planear, tudo coisas capazes de influenciar a nossa vida. E esse conhecimento corresponderá em certo modo, à verdade. Sendo a verdade a propriedade positiva de algo corresponder à realidade, no sentido mais completo e consistente que for permitido à mente humana alcançar.

A enciclopédia Britannica diz assim: (traduzido) “Verdade: Em filosofia, a propriedade de afirmações, pensamentos, ou preposições que são ditas, no discurso vulgar, de concordarem com os factos ou assertarem que esse é o caso.” (1) Depois continua dizendo que há quatro tipos principais de teorias da verdade que foram propostos.

Mas este texto não é sobre o conceito de verdade. Este é um blogue de ciência, não de filosofia, e a minha preocupação é apenas que seja claro o que escrevo. Pareceu-me no entanto relevante se ia falar sobre a verdade fazer uma pequena introdução ao conceito. Adiante:

A minha posição é simples. A verdade é importante. E é sobre isso de que se trata este "post".
Não é também sobre tolerância. Especificamente, a tolerância que devemos ter ou não ter em relação a crenças diferentes. Este ponto pode não ser muito claro, mas a explicação terá de ficar para mais tarde. Sumariamente: Tolerância - sim, é absolutamente necessária do ponto de vista social e pessoal. Substituir a verdade por qualquer crença imaginária em nome da tolerância - nem sequer é possível. Para já porque crenças há muitas e são incompatíveis umas com as outras.

Outro aparte que importa fazer, (e de que já tenho falado antes sobre diversas formas), usando uma expressão popular, é que não tenho, nem conheço quem tenha “a verdade no bolso”. Mas, mais uma vez, não é sobre isso que é o presente texto. Este é a apologia que tentar conhecer a realidade o mais possível e o melhor possível é importante.

Defender que a verdade é importante pode até parecer redundante. Pode parecer uma verdade auto-sustentada. Mas não é. Tenho visto que é possível construir um argumento acerca da validade de permitir (por "fechar os olhos") a crença de realidades imaginárias. Eu não estou de acordo.

Muitas crenças actuais criam sistemas conceptuais simples que confortam e apoiam as pessoas nas suas dificuldades do dia-a-dia. Na previsão do futuro, no tratamento das doenças, na aceitação da morte pessoal ou de entes queridos, na expectativa de riqueza, etc. De um modo geral aumentam a felicidade com base num sentimento de controlo ou protecção que é ilusório. O argumento hedonista, na minha opinião é fraco e por razões que vou tentar mostrar que são mais importantes. Mesmo sem argumentar que conhecer o mundo da melhor maneira possível e aceita-lo como ele é se pode traduzir directamente em bem estar (eu acho que sim e no fim cito Carl Sagan a este respeito), eu argumento que há coisas mais importantes que se sobrepõem ao argumento hedonista. Há muitas verdades que são dolorosas, inconvenientes, perturbadoras, preocupantes, etc, mas “meter a cabeça na areia” não é a solução. Porque a sensação de conforto é ilusória, a sensação de controlo é falsa, e as consequências podem ser lesivas para os outros ou para os próprios. Acreditar numa mentira é um caminho insustentável e fraco para o indivíduo e a sociedade. Seguir um caminho de procurar a verdade e encarar a realidade talvez requeira coragem, mas tem as suas compensações. É possível construir sobre a verdade.

Se aceitarmos que a mentira nos serve, estamos a abrir a porta à irracionalidade e à injustiça. A procura da verdade é importante porque é o garante da consistência do nosso mundo intelectual e cognitivo. Quero dizer, se a verdade não for importante e aceitarmos a mentira, então este mundo torna-se incompreensível. Não é possível construir conhecimento e tecnologia sobre a mentira porque ela é inconsistente. Só se for uma tecnologia inexistente, verdadeira apenas num universo paralelo, imaterial e inconsequente. Não é possível conhecer, porque o que se conhece é e não é, ou já foi, de acordo com os caprichos de cada um. O saber fica sinónimo de ignorância.

É possível lidar com a verdade, com a mentira não. A verdade é consistente, previsível, passível de ser estudada e compreendida (pelo menos até certo ponto). A mentira não. A mentira é mutável e imprevisível, variável conforme quem a produz e inconsistente. Resulta num mundo incontrolável e caótico. Se se aceitar a mentira, não pode haver justiça. Não pode haver ética. Porque qualquer um pode a qualquer momento inventar factos ou argumentos, sem que a sua validade seja importante.

Pode-se dizer que estes são argumentos consensuais e óbvios mas que não têm nada a ver com a argumentação contra as pseudociências e crendices variadas. Mas tem tudo a ver.

Porque a realidade é só uma e é o critério de verdade que interessa. Se vamos admitir umas mentiras e não outras, onde fica a linha divisória? Se muita gente acreditar em algo isso não torna esse algo necessariamente verdadeiro. Nem se muita gente acreditar que algo era bom que fosse verdade isso passa a ser verdade… E depois, pode-se vender uma mentira a alguém desde que essa pessoa pense que isso é verdade? Eu acho que não, porque se sim, então qual é a diferença entre vender a Lua e vender pozinhos mágicos?

E que justiça há entre uns terem de ser honestos e fazerem o melhor que podem nas suas áreas de trabalho e outros não; podem prever o futuro sem qualquer fundamento factual, apenas porque alguém acredita no processo? Porque pode um médico ser acusado de má prática quando falha, mas pode o praticante de uma qualquer medicina alternativa prometer o que não acontece? Que sentido faz tentar ensinar ciência nas escolas, se se aceita todo o lixo anti-cientifico como verdade?

Há quem argumente que algumas dessas crendices não fazem mal a ninguém. Mas eu acho que fazem. Inibem o sentido crítico e a vontade de conhecer. Resultam em confusão intelectual e em concepções enganosas do mundo. Resultam em prejuízos económicos pessoais e economias sem produção. Resultam em atrasos no tratamento de doenças, e efeitos adversos incontrolados. Resultam em manipulação de pessoas, na melhor das hipóteses não intencionalmente.

Porque não se há-de aceitar uma preocupação com a verdade e procurar quem tem provas daquilo que afirma, que baseia as suas decisões em estudos sistemáticos e fundamentados, que usa um conhecimento claro, público e acessível a qualquer um?

O ensino e a educação são das melhores ferramentas que se pode dar a alguém, tenho ouvido varias vezes. E estou de acordo. Aceitar que a verdade não é importante é ir contra a importância do ensino e ir contra a importância da ciência. É criar disfuncionalidades nessas ferramentas.

A verdade é importante no dia-a-dia, na vida, na sociedade e na ciência. Porque se não for, dificilmente algo mais é importante.

Para terminar:
"The world is so exquisite, with so much love and moral depth, that there is no reason to deceive ourselves with pretty stories for which there's little good evidence. Far better, it seems to me, in our vulnerability, is to look Death in the eye and to be grateful every day for the brief but magnificent opportunity that life provides."-- Carl Sagan, Billions and Billions, page 215

(1) “truth.” Enciclopaedia Britannica. 2008. Enciclopaedia Britannica 2006 CD. 25 Nov 2008

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Haplogrupos. O R1B.





Já que ontem entrei na conversa dos marcadores genéticos ligados ao cromossoma X e Y, vou aproveitar para continuar com outro facto interessante (acho eu).

Haplogrupos são o grupo de haplotipos similares que partilham um antepassado comum numa mutação de apenas um nucleotideo.

Haplotipos são conjuntos de alelos (genes que determinam a mesma coisa mas com características diferentes, como por exemplo o grupo sanguíneo) em múltiplos loci (locais do cromossoma que correspondem à informação sobre determinado aspecto).

Nucleotideo é a molécula mais pequena que faz parte da constituição genética. São precisos vários nucleotideos para compor um gene. O gene é a unidade genética mais simples do ponto de vista funcional.

Existem vários haplogrupos ligados ao cromossoma Y e vários ligados ao cromossoma X, que tem sido usados para estudar as migrações humanas no nosso planeta.

Cromossoma Y
O haplogrupo mais frequente na Europa Ocidental é o R1b. Existem muitos mais. Curiosamente, um dos locais onde tem frequência mais elevada é na Penisula Iberica, o que sugere uma onda de migração a partir daqui. Ou daqui perto.

Ver o gráfico acima tirado da Wikipedia em Inglês.


DNA mitocondrial:
Em relação aos haplogrupos referentes a uma herança matrilinear, na Europa a história é mais confusa porque se encontram muito homogeneamente distribuídos sendo o mais frequente o H.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Adão Y e Eva mitocondrial

Este Adão é o antepassado comum mais recente de todos os seres humanos masculinos actualmente vivos, segundo uma linha patrilinear. Terá vivido em África há cerca de 60.000 a 90.000 anos.

Existe uma parte da sequência de DNA nos cromossomas que passa praticamente intacto, ou quase, de pais para filhos. Escapa ao processo de recombinação, que nos torna de facto únicos como indivíduos, mas não escapa a uma ou outra mutação ocasional. Por isso é possível, procurando onde estão estes blocos de DNA e vendo quem é que tem quais, fazer relações de parentesco e árvores genealógicas populacionais.

O cromossoma Y, que determina o sexo masculino, escapa quase completamente à recombinação com o cromossoma X. Ou seja, transmite-se com muito pouca alteração de pais para filhos. Adicionalmente, SÓ passa de pais para filhos: Os cromossomas andam aos pares e no par de cromossomas sexuais ou temos dois X (XX = feminino) ou um X e um Y (XY= masculino). O cromossoma Y só pode ter origem no pai. Nunca na mãe.

Por isso podemos através de análise estatística, comparando as semelhanças e diferenças entre os cromossomas Y (mais diferentes, mais afastados no tempo) e usando um calculo baseado no chamado relógio molecular para avaliar a passagem do tempo (quanto tempo demora para haver determinado tipo de variação genética), fazer uma história genética desse cromossoma e chegar a um possível antepassado comum de todos os homens vivos actualmente. Patrilinearmente. Ou seja, o pai ancestral comum de todos os homens. A que se convencionou chamar Adão. Ou melhor Adão Y-cromossomal.

O nome gerou um pouco de confusão. Este Adão, não era o único homem vivo. Muitos outros viveram na mesma época. Simplesmente, a sua descendência através de uma linha só de homens não chegou aos dias de hoje. Também havia várias mulheres a viverem na mesma época, e como vou explicar em seguida, nem viveu na época da sua equivalente feminina. A Eva mitocondrial.
Eva é a mais recente ancestral comum de todas as mulheres a que podemos chegar se, como fizemos antes para o homem, seguirmos sempre as mães das mães por aí fora. Terá vivido também em África há cerca de 140.000 anos.

É a conclusão que se chega se usarmos a mesma técnica mas usando o DNA mitocondrial, que tem a particularidade de só ser herdado das mães, tal como o cromossoma y só pode ser herdado dos pais. Tal como o Adão Y esta Eva não era a única mulher do seu tempo. Muitas outras podem ter havido que tenham tido apenas filhos homens e nenhuma filha, ou não ter tido filhas que só tiveram meninos, e por aí fora.

Não confundir portanto a descoberta da existência deste Adão e Eva peculiares e que suportam uma origem africana para a espécie humana com outro achado muito interessante da genética que é o mais recente antepassado comum da humanidade. Se tirarmos as restrições de seguir apenas o cromossoma Y ou o mitocondrial, portanto seguindo uma linha nem patrilinear nem matrilinear mas mista parece que o mais recente antepassado comum viveu há cerca de 5000 a 3000 anos. Apenas. E parece que se tivermos em conta só a população Europeia ocidental que esse antepassado comum pode ter vivido há tão pouco tempo como 1000 anos. Porque afinal somos todos primos uns dos outros.

Links interessantes relacionados:

1 - Antepassado recente mais comum:
http://en.wikipedia.org/wiki/Most_recent_common_ancestor#MRCA_of_all_living_humans
2 -Genographic Project:
https://www3.nationalgeographic.com/genographic/atlas.html

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Is it Peer-Reviewed?

Num site de divulgação científica em Inglês (1), achei muito interessante a simplicidade com que eles lidaram com uma questão pertinente que qualquer pessoa honesta e interessada se pode debater que é: “Não sei em que acreditar.”

A resposta que eles dão, (e no título de um livro, que infelizmente não li), é simples e satisfatoriamente eficaz. À boa maneira cientifica, eles substituem uma duvida por outra, e propõem que a questão que se deve por é: “Is it peer-reviewed?”

De facto, a questão de se (determinada alegação ou teoria) vem de uma publicação com revisão pelos pares é a pergunta mais pertinente que se pode fazer. Talvez não uma condição suficiente para garantir veracidade e rigor cientificos, como demonstrado pelo caso dos irmão Bogdanov (2) mas sem duvida uma condição necessária.

Quando escrevi sobre o consenso científico e argumentei que esse consenso devia seguir de guia de opinião a todos os que estão fora do meio, não insisti o suficiente na importância desta questão para avaliar exactamente para onde aponta o conhecimento científico quando uns dizem que é para um lado e outros dizem que é para o outro.

Mesmo que não possamos ter acesso ao conteúdo completo dos artigos de melhor qualidade, sem pagar uma assinatura, podemos muitas vezes (quase sempre) ver um resumo (abstract) e saber responder à questão de o que é que diz e se é “Peer-reviewed”. Se pudermos aceder a um artigo de revisão de artigos “peer-reviewed” ainda melhor.

Sobre o “Peer-Review” propriamente dito, falei a propósito do método cientifico na entrada com o mesmo nome, mas resumidamente é processo de avaliação sistemática e correcção por cientistas da mesma área de um trabalho em questão, antes da publicação deste.

(1) http://www.senseaboutscience.org.uk/
(2) http://en.wikipedia.org/wiki/Bogdanov_Affair

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Terraplanísmo

A Terra é Plana.

Quero dar conta do ridículo que neste e outros blogues existem defensores ocultos de que a Terra é redonda e de como eles se comportam na sua defesa. Porque:

1) Recusam aceitar que cientificamente a gravidade puxa as coisas para baixo e não para cima pelo que se prova que se vivesse gente do lado de baixo caía.

2) Argumentam que a sombra na lua mostra que a Terra é redonda como um esfera e não aceitam os estudos científicos feitos com origami sobre sombrasque demonstram que a terra é redonda sim, mas plana como a superfície do Mar.

3) Mostram a sua falta de espírito científico ao deturparem a realidade com aquilo que acreditam só porque nunca andaram de avião. Eu já andei e posso dizer que a Terra é plana até onde a vista chega.

4) Aceitam a existência de entidades supranumerárias, os satélites, que imagine-se, tiram fotografias que provam que a Terra é redonda. É uma fraude demonstrada pelo facto de que a Terra é realmente plana, como se pode ver ao nível do mar e na forma do horizonte. Que é, espante-se, horizontal.

5) Ignoram que a Terra redonda teve origem numa conspiração iniciada por Colombo para justificar os seus passeios de barco. Toda a gente sabe que Colombo não chegou à Índia como prometeu.

6) Basta olhar para um mapa para ver que a Terra é plana. Se fosse redonda tínhamos de ir por baixo do chão para irmos de um ponto distante para outro.

7) A ciência não explica tudo, tal como demonstrado pela existência de baratas no meu microondas.

8) Os próprios cientistas não se entendem. Há uns a dizer que a terra é redonda, e outros a dizer que não, que é achatada nos pólos.

9) Quase todos os ateus, mais de 90%, acredita que a Terra é redonda, donde se conclui que não só o esfericísmo radical é a causa da actual crise financeira como do nascimento de famosos assassinos de massas como Hitler, Ghengis Khan e Estaline.

10) Para que serve a crença que a Terra surgiu redonda por acaso? Que diferença faz isso nas nossas vidas?

11) Basta uma única prova de que a Terra é redonda para eu me calar. Uma única.

PS: Para ver o contexto em que este texto surgiu, (e dar crédito a todos o que deram sugestões), por favor ver a caixa de comentários do seguinte post do "Que Treta" em:
http://ktreta.blogspot.com/2008/11/miscelnea-criacionista-cincia.html

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Opiniões são opiniões, factos são factos.

A preocupação da ciência, aquilo que é o seu objecto são os factos. Sejam eles quais forem. Se acontece, então é passível de ser cientificamente estudado. E como nunca é demais referir, os cientistas são ávidos por factos. Sobretudo se forem novos e trouxerem novas hipóteses a considerar. A crença de que a ciência nega factos à partida é falsa. E tem sido um argumento abusivo por parte de quem defende fenómenos sobrenaturais e outros tipos de bruxaria. Não existem fenómenos sobrenaturais. Se esses fenómenos existirem, sejam quais forem, então são tão naturais como o orvalho matinal ou a evolução das espécies.

Não estou a dizer que não existem anomalias na investigação científica, ou seja resultados que não correram como o esperado e não têm aparente explicação. Mas essas anomalias são quase sempre interpretadas como erros de metodologia e as experiências são repetidas e normalmente a anomalia não. Se se repete, deixa de ser uma anomalia e passa a ser um facto que carece explicação, o que vai deixar a comunidade cientifica excitadíssima e em cerrada competição para encontrar primeiro a explicação. As histórias de cientistas que abdicam em grande parte da vida pessoal em busca de explicações não são fantasia. Einstein era em muitos aspectos um exemplo.

O problema dos alegados fenómenos sobrenaturais ou paranormais, e a razão pela qual continuam a sê-lo (sobrenaturais) é porque não se repetem quando existem condições de os descrever rigorosamente. Nunca passam da narrativa pessoal com apelo incondicional da credulidade do leitor ou ouvinte. E essa narrativa nunca é rigorosa e está sempre marcada por interpretações individuais, em muitos casos até, por pessoas que são elas próprias crédulas, não estando a tentar enganar ninguém conscientemente, mas estando elas próprias enganadas.

Apesar de haver defensores que esses fenómenos se repetem sempre em determinadas condições (se não, não era possível haver consultas espíritas, leituras de aura, energias inteligentes, medicinas “alternativas”, etc.), as tentativas efectuadas para o verificar cientificamente dão sempre para dois lados. Ou fraude ou nada de novo.

Alguns defensores do paranormal, cuja honestidade até é de registar, alegam que a ciência não os pode verificar porque eles ocorrem com uma frequência inferior ao acaso. Mas isto é o mesmo que dizer que esses fenómenos são coincidências mal interpretadas. Se eu adivinhar em 50% das vezes de que lado uma moeda vai cair, com que lógica posso argumentar que em essas 50% das vezes o sucesso foi devido a conseguir prever o futuro?
O exemplo que eu dei foi óbvio, mas algumas alegações de médium tiveram de ser submetidas a análise matemática para se explicar a realidade, ou não realidade. Resumidamente, quando se começam a lidar com muitas hipóteses e com muitos factos simultaneamente, a percepção humana é levada a reter as hipóteses correctas e esquecer as falsas. As hipóteses são também formuladas com um fraco grau de especificidade para poderem ser consideradas certas numa variedade de cenários diferentes. Diminuir a especificidade aumenta sempre a sensibilidade, ou seja a probabilidade de ter um positivo (Diz-se que aumenta a quantidade de falsos positivos).

Por exemplo, isto é o que é feito na astrologia e naqueles programas de televisão em que um médium procura na audiência alguém que tenha um familiar que tinha um colar vermelho. E depois o colar passa a pulseira, depois a lenço, depois a relógio. E depois diz que o nome dessa pessoa é algo como Lara. E depois passa a Clara e depois a Mara e finalmente entre as 50 pessoas alguém conhece uma Sara. Em relação à nossa vida pessoal, além do truque de debitar muitas hipóteses inespecíficas por unidade de tempo ainda há a ter em conta aquilo que é chamado na língua Inglesa de “cold reading”. Que resumidamente é a capacidade que algumas pessoas têm de tirar conclusões a partir de pequenos detalhes. E aqui não há nada de sobrenatural. Trata-se de se conhecer bem a espécie humana, o mundo e de se ser um bom observador. As histórias do Sherlock Holmes ilustram esta noção, ainda que com um personagem fictício.

Isso ajuda a debitar menos hipóteses, mas graças à riqueza da nossa vida pessoal o mesmo método de “adivinhação” pode ser usado. Experimente-se, usar um horóscopo da semana anterior e pedir a alguém que o leia, de Janeiro a Dezembro, sem dizer o título, para ver se consegue acertar qual era o correspondente ao seu signo. Se pelo menos metade deles não for razoavelmente adequado, o astrólogo em questão devia ter umas aulas de psicologia.

Isto tudo para dizer que as crenças no paranormal são isso mesmo, apenas crenças, ou na melhor das hipóteses, como eu tenho lido na sua defesa, opiniões. E as opiniões têm de ser respeitadas.

Tudo bem, as opiniões têm de ser respeitadas. Eu respeito quem me diga que a trilogia do Senhor dos Anéis é uma grande obra, mas se me disserem que aquilo tudo aconteceu realmente e eu negar estou a desrespeitar uma opinião? Não. Porque não era uma opinião, era uma afirmação de que algo era factual quando não era. Era uma refutação. E qualquer sistema cognitivo decente tem de ser aberto à refutação. É um garante da qualidade na ciência por assim dizer.

O problema é que esses alegados fenómenos bizarros não são factos. Não acontecem. E começo mesmo a achar que os cientistas mais sérios deviam deixar de gastar dinheiro com isto. Os resultados são sempre os mesmos. Já para não falar que incluem sempre uma serie de pressupostos que também não se verificam.
Por isso digo opiniões são opiniões, factos são factos. Venham eles. E a minha opinião muda. Mas sinceramente, perdi as esperanças há muito tempo.
Continuação sugerida:

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Compreender a Ciência. Selecção de Textos de Blogues Portugueses.

Hoje decidi andar pela net à procura de textos em Português que falem sobre ciência e a compreensão desta, motivado em parte pelos comentarios a um post de Palmira Silva publicado no Rerum Natura durante o fim de semana.

Escolhi estes, de entre outros possiveis:

"As máfias psíquicas" de Palmira Silva, química:
http://dererummundi.blogspot.com/2008/11/as-mafias-psquicas.html
"Ciência e excepção" de Desidério Murcho, filósofo:
http://dererummundi.blogspot.com/2008/09/cincia-e-excepo.html
"Einsten em cheque", de Nuno Crato, matemático:
http://sorumbatico-longos.blogspot.com/2008/11/einstein-em-xeque.html
"Treta da semana: ao nivel cientifico":
http://ktreta.blogspot.com/2008/09/treta-da-semana-ao-nvel-cientfico.html

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Anti-vacinação

De toda a pseudociência que tem invadido o nosso país a única que ainda não vi ganhar fortes defensores é a da teoria anti-vacinação que diz que a vacinação é causa de autismo. Os osteopatas há muito que são contra a vacinação mas nos Estados Unidos, que desde a ultima administração são um manancial de teorias da conspiração, a coisa tornou-se um fenómeno de rua, com artigos na “Rolling Stone”, campanhas com génios como a Britney Spears e uma série de outros peritos instantâneos a defender que a vacinação é ela própria uma conspiração de grandes farmacêuticas e da medicina.

É difícil exagerar nas vantagens que as campanhas de vacinação tiveram na saúde pública, e de como estas fazem ainda hoje tanta falta no terceiro mundo. Que as vacinas podem ter efeitos adversos também não é novidade, mas não é disso que se trata. Os riscos largamente compensam os benefícios, mas também não é disso de que se trata. Trata-se de um risco que não existe.
Trata-se de manipulação da opinião pública. Trata-se de mais uma onda de pseudociencia, para não variar acoplada a uma teoria da conspiração, com efeitos perto do criminoso na saúde infantil. A associação da vacinação ao autismo é tão treta como a ideia de que a terra é plana.
Numerosos estudos nos últimos anos, alguns em grande escala, tem vindo a demonstrar não existir relação de causa efeito. No entanto, esses peritos instantâneos, que dizem que sabem mais que a comunidade científica em peso, continuam a defender o impensável. Entre eles encontra-se Robert F. Kennedy Jr. ,politico notavel que começa a ser apontado como possível nomeado para a pasta do ambiente por Obama.

A comunidade científica começa a ficar inquieta com tal possibilidade, nomeadamente os médicos. A perspectiva de mais uma administração que quer transformar a ciência num assunto político é transtornante. Proponho a leitura dos blogues dos médicos americanos Steve Novella (1)e Orac(2)sobre este assunto. Ler os comentários é de extremo interesse também, sobretudo do blogue do Orac, onde a questão que se discute é o que se poderá fazer para evitar isso.

Esta pode ser mais um post com uma pitada de política, mas como tenho visto, a maior parte dos bloguistas de ciências até concorda comigo. O que se fizer na América vai ter repercussões no mundo inteiro. Espero não me ter enganado acerca da vitória de Barack Obama, não por mim, mas pelo que isso representa. A verdade é que esta possibilidade me deixa preocupado


(1) http://www.theness.com/neurologicablog/?p=414
(2)http://scienceblogs.com/insolence/2008/11/say_it_aint_so_barack_say_you_aint_serio.php
PS: As vacinas em causa são as contendo timerosal.

Certezas? Não tenho a certeza.

“ ciência é acreditar na ignorância de especialistas”(1); R. Feynman, in “what is science”, apresentação na associação nacional de professores de ciência, 1966, N.Y.

Algo que é difícil de explicar na ciência é a sua ausência total de certezas. Porque se houver um caminho rápido para a Verdade, seja ela o que for, não é a ciência. A ciência é o caminho lento e custoso para a compreensão da realidade. Se existe uma via rápida, ainda não foi descoberta. Por isso, a ciência, passo a passo, com uma humildade perante o universo única em toda a história do pensamento humano (sem assumir que temos respostas logo à partida), vai tentando encontrar maneira de conseguir colocar as suas dúvidas de modo que a Natureza possa responder. Metodicamente e sistematicamente… O método cientifico é acerca disso. E os resultados vêm chegando, como respostas, às vezes mais simples às vezes mais complexas. E consistentemente, as peças vão se encaixando como num puzzle gigantesco do conhecimento. Desse conhecimento nasce a Tecnologia como afirmação prática de que as peças de facto encaixam. Mas isso não quer dizer que sejam certezas. São apenas o que se pode considerar a melhor explicação quando se toma em conta toda a informação que esta disponível. Tem falhas e lacunas, muita coisa por descobrir e explicar, mas essa dúvida que o cientista manifesta é ela própria um motor de conhecimento.

Há quem queira no entanto perverter a situação, abusando da clareza com que a comunidade científica esclarece as suas teorias e manifesta as suas dúvidas. Vêm uma fraqueza na constante dúvida científica e pensam que por lá podem entrar, e usar todas as lacunas para encaixar as suas ideologias. Fecham os olhos que a cada passo atrás à dois para a frente e que as lacunas que se abrem foi porque um novo conhecimento surgiu, fechando muitas outras. Brinquei exactamente com este assunto quando escrevi “Breve história da ignorância”(2), mas como em outras ocasiões o humor servia para esclarecer e não para confundir. Esclarecer que há de facto progresso na ciência e que as duvidas se transformam desafios e que no passado muito se ganhou neste processo.

Para essas pessoas, que pretendem perverter a ciência, ela é como se fosse um processo estático, fossilizado, mas que pensam ser maleável a seu belo prazer, tal como muitas das teorias que propõem. Querem gozar os benefícios da tecnologia enquanto escarnecem de aspectos fundamentais do processo que lhes permitiu ter esses benefícios. Querem usar o nome da ciência, mas quando isso vai contra a sua agenda, logo acusam os cientistas de nunca ter certezas e estar sempre a actualizar o que dizem.

Por hoje fico-me por aqui. Eu acho que o Feynman tem razão. As duvidas dos experts são melhores que qualquer certeza. Porque se alguém apregoa certezas... Hum.... é de suspeitar.


Para completar este post sugiro a leitura das entradas “a ciência é a mesma?” e “ciência ou certeza” (3)(4)no Blogue Ktreta de Ludwig Krippal, acerca de debate com criacionistas. E já agora a palestra “what is science” do Feynman. Os links estão em baixo:
(1) http://www.fotuva.org/online/frameload.htm?/online/science.htm
(2) http://cronicadaciencia.blogspot.com/2008/09/breve-histria-da-ignorncia.html
(3) http://ktreta.blogspot.com/2008/11/cincia-ou-certeza.html
(4) http://ktreta.blogspot.com/2008/11/cincia-mesma.html

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Uma prova a favor da Evolução (mais uma)

Richard Lenski tem cultivado bacterias E. coli desde ha 44.000 gerações.

Em 12 colónias separadas mas com origem na mesma E. coli, 20 anos antes. Só uma das 12 populações desenvolveu a capacidade de metabolizar citrato. Mas desenvolveu.

Só se consegue que essa linhagem volte a dar origem a uma população capaz de metabolizar citrato se se repetir a experiência desde a geração 20000 até um numero proximo do atingido no primeiro resultado.

Conclusões:

As mutações que permitiram esta nova capacidade não estavam nas E. coli originais nem nas primeiras 20 mil gerações. Também podemos perceber que varias mutações têm de se acumular ao longo de gerações para que um metabolismo completo do citrato seja formado, porque não acontece de uma geração para outra. As bases que permitem essa evolução só apareceram uma vez, por isso é sempre preciso voltar à geração 20.000.

Finalmente podemos concluir que a adaptação ao citrato é extremamente rara (em termos de probabilidade de ocorrência) com origem cumulativa de acontecimentos ocasionais(mutações) e levou a existência de uma nova função com vantagem para essa linha genética, porque existia citrato no meio usado e as bactérias podiam viver dele. Isto são factos negados pelo criacionismo.

A capacidade de usar o citrato é um meio vulgarmente usado em laboratório para excluir E. coli quando se tenta identificar uma bactéria. Ou seja, é algo que a ajuda a definir

O segredo está à vista.

Os cientistas do cerne antes de terem gasto tanto dinheiro no acelerador de partículas deviam ter lido o Segredo. Pois parece que a autora conhece uma forma de energia, que até agora tem sido escondida de todos, mas que na realidade é muito fácil de utilizar. Basta desejar com muita força. E isto esteve fora da nossa compreensão durante séculos. Portanto desliguem o túnel, tragam o detector de partículas, não é preciso gastar dinheiro, vamos é estudar as forças que se usam no Segredo. Forças essas que segundo o livro são capazes de dar ordens ao universo. Hé-lá! E esta coisa está ai à venda assim sem mais nem menos? E se cai nas mãos erradas?
Mas não foi só isto que me preocupou. Já viram que toda a gente que passa fome é porque não deseja realmente comer? E todos os que morrem é porque não desejam realmente viver? Parece até difícil de acreditar.

Se eu soubesse antes tinha pego no livro mais cedo. É que aparentemente 400.000 exemplares foram vendidos e eu às cegas. Bem, mais vale tarde do que nunca, não é?

Porque é que eu sou um Empirista.

Tal como a unidade basica do cerebro é o neurónio, unidade básica do pensamento é uma estrutura real chamada sinapse. A sinapse é o espaço e a estrutura de ligação entre dois neurónios. eles comunicam pela libertação de substancias mas ao contrario do senso comum não é um tudo ou nada. Têm frequências de comunicação pelo que o cérebro humano não tem como base zeros e uns. O pensamento e a memoria são possíveis mediante a organização das sinapses formando um circuito (em que o fio são os axónios do neurónio) - e da passagem de informação através desse circuito. No entanto cada neurónio é um pequeno processador por si. Por isso lhe é possível receber inúmeros inputs e ter vários outputs e a coisa funcionar. Esta é a base fisiológica que foi herdada dos nossos pais quando nós nascemos. No entanto, esses neurónios pouco mais sabem que receber e passar sinais e estabelecer ligações. Se um ser humano crescer alimentado a ração numa jaula sem luz, mesmo que o tirem de lá aos 10 anos ele nunca vai conseguir desenvolver-se como deve. Porque? Porque a plasticidade neuronal diminui com a idade e porque os neurónios não nascem a saber que circuitos tem de ser formados e que circuitos funcionam. Um bebe tem muito mais sinapses que um adulto. Porque a teoria da selecção natural verifica-se entre as sinapses e entre os circuitos. As sinapses que não funcionam "morrem". Adicionalmente alguns circuitos novos vão sendo criados que são então sujeitos à selecção. Um dos processos que leva a "apagar circuitos" é obviamente o desuso mas outro importante pode ser a procura constante do cérebro de poupar energia usando os circuitos mais curtos e mais eficientes. Verifica-se que "experts" em determinadas matérias precisam de gastar menos energia e usar menos neuronios quando estão a trabalhar na sua area de "expertise" que os outros. Adicionalmente, nós não nascemos com um cérebro funcional. A matemática que é a formalização do pensamento humano só é possível porque essas estruturas cerebrais se vão formando com input do meio ambiente. Existe depois uma ligação com o corpo que não interessa agora aprofundar. O processo está longe de ser perfeito como qualquer um de nós reconhecerá num "errar é humano". Mas permitiu a criação de um método, regras e axiomas na matemática que funcionam (confirmação experimental). Não maneira de dizer isto poucas vezes: A matemática enquanto pensamento humano assenta em sinapses cuja formação precisou de input exterior. A ciência é só a constatação que mais input leva a mais saber. Adicionalmente, alguém pode argumentar com um pouco de razão que existem comportamentos semelhantes ao instinto dos animais e que os temos logo à nascença como o reflexo de moro, de sucção, o medo do escuro, a tendência para acreditar em superstições, etc. Sim existem uma serie de coisas que vem programadas mas são todas dependentes da evolução do cérebro anterior. Não representam na realidade uma parcela significativa da nossa capacidade cognitiva em adulto. A estrutura sim, o cérebro é fruto de uma evolução pré-ontologica. Mas o modo como a informação passa a pertencer ao património genético ao longo da evolução é na selecção natural. A pergunta que se faz à natureza é "quem esta mais apto" e a natureza responde. A mutação não representa o passo em que o código genético "aprendeu". A informação só aumenta de modo sustentado quando a natureza diz quais são as mutações que funcionam. A indução, a matemática, e até a filosofia são os produtos terminais de um longo input da natureza. Da mesma maneira que não pensadores que tenham crescido em quartos escuros e em silencio alimentados 20 anos no isolamento a pão e agua, não geração espontânea de cérebros na Terra. Por isso, mesmo o que sabemos à nascença acaba por ter origem empirica.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Parabéns ao Estados Unidos da América e a Barack Obama

Pensei muito se estaria no ambito deste blogue comentar a vitoria de Barack Obama nas eleições dos Estados Unidos, mas chego à conclusão que sim. Perfeitamente.

Os Estados Unidos foram no passado um dos maiores exportadores de ciência para o mundo e de um modo que todos puderam beneficiar. A ultima administração que governou o país teve efeitos devastadores nesta area, a um ponto que a propria ciencia esteve sobre ataque de iniciativas privadas, finaciadas por interesses individuais ou de pequenas minorias, que pretenderam impor as suas ideologias como sendo ciência "alternativa". Tal coisa não existe. Li muitas vezes verdadeiros cientistas queixarem-se da falta de meios para investigação, divulgação e desenvolvimento e de como isso estava a afectar a sua própria credibilidade. Porque não há outra maneira de explicar as coisas; a ciencia requer investimento, e sem ele, abranda. E a influencia positiva que os Estados Unidos da America sempre tiveram estava a tornar-se quase negativa, com o surgimento de uma nova onda de obscurantismo barato, que se começa a instalar também na Europa.

Barack Obama, numa entrevista à Nature (de que eu não consigo encontrar neste momento o link), convenceu-me que estava a par dos problemas científicos da actualidade e da realidade da situação. Não era apenas retórica, tinha mais substancia que muitos artigos pró-ciêntificos que tenho lido. Oxalá não me tenha enganado, mas melhor do que antes, tenho a certeza que vai ser.

Se um país como os EUA aposta em investigação, não tenho duvidas que todo o mundo beneficia.

É importante ainda referir que de certo modo, o voto em Obama, foi um voto contra o "Intelligent Design", a negação da responsabilidade do homem face ao aquecimento global, e de como ciência é ciência e crenças são crenças.

Também não quero dar a entender que Obama é um superhomem que vai salvar o mundo, mas assumo que tenho boas expectativas.

Isto tudo é suficiente para justificar deixar aqui umas palavras sobre o assunto e dar os parabéns à América e a Obama.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

4 frases que prenunciam alegações fantasticas.

Depois do título sensacionalista, a que não resisti, admito, parece-me que há algumas afirmações que são usadas e abusadas para abrir a porta ao fantástico. Não é que sejam sempre mal usadas, por exemplo consigo imaginar contextos em que um filósofo da ciência poderia fazer bom proveito delas, mas muitas vezes não é o caso. De um modo geral arrisco-me a dizer que quando são usadas contra o conhecimento cientifico vigente, estão quase sempre erradas.

São frases que são usadas fora de um contexto razoável e que por serem verdadeiras até certo ponto parece que sustentam qualquer afirmação que se faça em seguida. Quando são usadas no inicio de uma exposição quase de certeza se pode apostar que o que se segue pertence ao mundo da fantasia. Porque a lógica que pressupõem é errada:

1- “A ciência não explica tudo”

Esta frase normalmente é usada como se fosse uma implicação do género: “se a ciência não explica tudo então não explica nada” ou “A ciência não explica tudo e por isso X é verdade”. Mas este raciocínio está errado de base. O facto de a ciência não explicar tudo não quer dizer que não explique muita coisa. Muito menos significa que não possa explicar o assunto X. Não significa mesmo que X possa eventualmente ser verdade.
Em resumo, não permite nenhuma conclusão a não ser que existe pelo menos um assunto Y que a ciência não explica. Não explicar Y não implica que não explique X. Mas é usada muito frequentemente neste sentido nos dias que correm.

2- “A ciência esta sempre a contradizer-se” ou “o que é verdade hoje é mentira amanha”

Ao contrário da frase anterior, que é verdadeira embora não sirva de argumento nos contextos habituais em que eu a tenho ouvido, esta é num certo sentido falsa. Muito menos significa que o seu uso serve para derrubar qualquer teoria. É como se dissesse que se teoria B derrubou teoria A então é porque teoria X também é falsa, independentemente de que teorias sejam estas. Este raciocínio é falso. Mas voltando atrás, o mais fascinante na ciência é ver como ela progride e cresce, tijolo a tijolo como se fosse um edifício em construção em que a informação vai se sempre acumulando. Qualquer facto novo, mesmo que contradiga uma teoria em vigor, representa progresso. Muitas vezes obtido a muito custo. A história da ciência mostra que ela tem evoluído sim, mas não retrocedido. Que é o que estas frases sugerem. Newton ilustrou bem o que quero dizer quando disse: “Se vi mais longe foi porque subi nos ombros de gigantes”. Mesmo quando há uma mudança de paradigma, raramente isso significa uma refutação total do que já se sabe, e infelizmente mudanças de paradigma não acontecem a toda a hora.

3 - “É Preciso manter um espírito aberto”

Mais uma frase que é verdadeira mas que é usada erradamente. A verdade é que para se fazer ciência não se pode ter senão um espírito aberto e aceitar os factos sejam eles quais forem. A ciência é na realidade uma posição de humildade perante o universo em que tenta que seja este a dar as respostas que nós procuramos para satisfazer a nossa vontade de saber. No entanto esta frase é usada muitas vezes como um pedido de “suspension of desbelieve” como que para apreciar qualquer história fantástica. É na realidade um pedido de suspender o espírito crítico. Como se fosse uma contradição ter espírito aberto e crítico simultaneamente. Como dizia Carl Sagan, a ciência esta no equilíbrio de ambos. Espírito aberto não significa acreditar em tudo e mais alguma coisa. Mais uma vez, é raciocínio enganoso.

4 - “A ciência tem muitos casos de provas forjadas e mentiras encobertas”, falhas, mentira, etc.

Não, não tem muitos casos, tem apenas alguns se virmos no contexto de todos os que produziram conhecimento. Demasiado poucos para que isso a caracterize. Demasiado poucos para que isso tenha impedido a sua evolução. É como se alguém disser que o facto de haver criminosos em Portugal faz de qualquer Português um criminoso. Ou para levar a frase no sentido em que ela é mais usada, o facto de haver criminosos em Portugal faria da nossa sociedade uma sociedade de criminosos. Isto faz algum sentido? Não.