quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Moinhos permitem reduzir emissões de CO2

Boas noticias.

A energia produzida com o auxilio de moinhos, mesmo com o suporte de centrais convencionais para as horas de menos vento, é poupadora de emissões de CO2.

Criticas de que a necessidade de centrais de apoio para produzir energia nas horas sem vento seriam fatais nas emissões de CO2, provaram na prática estarem enganadas.

A conclusão é de uma análise dos dados da rede nacional britânica pelo "The Guardian" .

Aqui:
http://www.guardian.co.uk/environment/blog/2012/sep/26/myth-wind-turbines-carbon-emissions?CMP=twt_gu

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Este foi o Junho-Agosto mais quente em terra dos últimos 133 anos

A média global da temperatura em terra e à superfície foi a mais alta medida desde 1880 quando começou  este registo.

Para apenas o mês de Agosto passado, em termos globais, a média das temperaturas é "apenas" a segunda mais alta de que há registo em terra. No mar foi a quinta média mais alta.  Foi no entanto o Agosto mais frio na Austrália segundo o mesmo critério.

Desde Janeiro a Agosto a média das temperaturas encontra-se no 9º lugar, excepto nos E.U.A. que estão a ter o ano mais quente de sempre.

No Ártico a camada de gelo em Agosto foi a menor de sempre.

Aqui: http://www.ncdc.noaa.gov/sotc/global/2012/8

Comentário final:
Claro que um mês ou 3 apenas não são importantes. Mas então, também não se escolham arbitrariamente datas e períodos de tempo encurtados, para dizer que o aquecimento já parou. É mais complicado que isso. Andamos a bater recordes regularmente. E pelo menos para mostrar que as coias não "acalmaram" substancialmente, este dados servem.

sábado, 22 de setembro de 2012

Os melhores anjos da nossa natureza

Só por este livro, Stephen Pinker já merecia o prémio Nobel da literatura. Não que isso faça justiça ao livro já, que todos os anos alguém ganha aquilo e poucos deles escreveram algo com este valor.

Exagero?

Bem, o livro é uma análise profunda dos dados que temos sobre o declínio da violência, de como sabemos que está a diminuir e que fatores podem estar a contribuir para isso. Estamos a fazer muitas coisas mal, mas também estamos certamente a fazer muitas coisas bem. E é por isso que eu acho que este livro é tão importante.

Sabendo essas coisas, segue que ensina algo acerca de como diminuir a violência e a crueldade à face da Terra e explica-o clara e convincentemente com recurso a investigação empírica sistemática. Sabemos o que temos de continuar a fazer e o que temos de evitar. Conhecemos melhor os nossos anjos e os nossos demônios.

Não vou fazer, como tenho feito muitas vezes, um resumo do livro. Este livro tem de ser lido. É extenso (800 paginas) , bem justificado, e com uma amplitude de assuntos tão diversificado quanto o carácter humano obriga. Nenhum resumo eu conseguiria aqui fazer que conseguisse valer por si próprio.

Os melhores anjos da nossa natureza, ou seja, as nossas melhores ideias, motivações e  criações, são cada uma delas suficientes para um "post". E não vale a pena estar a referi-los sem explicar as coisas à volta. Por exemplo, a democracia é um desses anjos. O liberalismo (o clássico) é outro. Mas a vigilância do estado como garante da justiça imparcial é outro também - com "o monstro"  a ter não só o monopólio do uso da força como o seu legitimo direito. E eu podia continuar, mas sem explicar melhor os porquês, alguns vão soar a obvio outros a vão parecer inconsistentes entre si, e outros ainda a treta: O comercio é outro desses anjos, e um dos mais relevantes. Assim como a feminização da sociedade.

Naturalmente a racionalidade (e a discussão racional aberta) é outro dos mais importantes. 

Dos demônios - das causas de guerra, violência e crueldade - talvez surpreenda dizer que a pobreza não é uma causa justificada pelos dados empíricos. Só indiretamente a pobreza leva ao crime violento, se aumentar muito o numero de jovens do sexo masculino sem emprego e sem mulher. Ou se o produto per capita descer abaixo dos 1000 dollars, mas nessa altura há tanta coisa a correr mal que é difícil apontar o dedo a causas isoladas.

A desigualdade entre a qualidade de vida das pessoas é um dos piores demônios. 

Parece-me que trabalhos como este são também dos melhores anjos da nossa natureza....

"The Better Angels Of Our Nature, Why violence has declined", Stephen Pinker.


Recomendação: Leia e depois passe a outro. Por um futuro melhor.

PS: Ninguém vai traduzir isto?

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Temos mas não mostramos.

Acabei de ver o Pedro Choy na televisão (1) a dizer que os chineses têm imensos estudos de qualidade a mostrar a eficácia da acupunctura e que não os divulgam cá para fora porque não querem saber de nós.

Esta afirmação, caso o Pedro Choy não repare, não adianta nada. Porque ela própria, para se levar a sério, precisa de uma justificação forte. A justificação acrescentada é que eles são 1/3 da população da terra e não precisam de nós para nada.

Tudo bem, mas isso não justifica a eficácia da acupunctura. Muito menos justifica a enorme falta de eficacia encontrada na acupunctura nos teste realizados no ocidente.

Essa do tenho mas não mostro é uma coisa que já não via desde criança. Mas a maior parte de nós percebeu logo que podia responder na mesma moeda e eliminar esse tipo de justificação. Podia-se dizer neste caso: "e eu tenho provas de que esses estudos são uma fraude mas só as mostro quando me os mostrarem ".

No estado em que os testes cegos, controlados e aleatórios conhecidos deixaram a acupunctura, alegar que os testes bons estão todos na china e de lá não saiem é... Apenas pedir para acreditarem que nós é que sabemos porque sim.

Na minha opinião, a China até quer saber de nós, não vive fechada nas suas fronteiras e pura e simplesmente os estudos que apresenta são irreprodutíveis na presença de cépticos metódicos, que é o que lhes vai calhar na sopa se começarem a tentar publicar isso em revistas de prestigio pelo mundo fora.

Depois ainda fez um apelo à autoridade. Que a O.M.S. recomenda a acupunctura. Pois é, mas a O.M.S. também faz asneiras e nunca um apelo à autoridade é melhor que uma prova empírica metódica. Senão voltamos ao Aristotelismo e não se faz nada.

Agora vou brincar com o meu unicórnio azul, único no mundo e que não mostro a ninguém porque o quero só para mim.

(1) Na RTP2 com o Prof. Vaz Carneiro que esteve muito bem pelo que vi. Não sei o nome, eu só assisti um bocadinho e foram logo estas prendas.

Sociedades orientadas para o longo prazo.

Geert Hofstede é um dos sociólogos mais citados da atualidade.

Hofstede criou um modelo cultural com 6 dimensões (*) que permite assim fazer comparações e explicar variações entre culturas.

Uma dessas dimensões é a orientação para o curto prazo ou o longo prazo.

As culturas que estão mais orientadas para o curto prazo são aquelas que em que se alimentam valores tradicionais, empolgam-se questões de honra e "salvar a face", alimentam virtudes como "orgulho nacional" e se procuram preencher as obrigações sociais. As de longo prazo valorizam uma perspectiva pragmática, orientada para resultados futuros, pondo enfase em poupar e ter capacidade de adaptação a ambientes em mudança.

Outra dessas dimensões é o eixo  Indulgencia - Contenção.

Indulgencia refere-se à tendencia para preferir resultados do presente por recompensas melhores no futuro. E contenção ("restraint") à capacidade e tendencia de adiar a gratificação e de regular este aspecto com normas estritas.

Ambas estas dimensões estão intimamente ligadas à capacidade de auto-controlo. E aparecem fortemente correlacionadas pelos países fora. Culturas tendencialmente de longo-prazo são culturas também mais contidas. Com maior auto-controlo na sua população.

Mas não é só isto. As culturas viradas para a contenção numa dimensão e longo prazo na outra, são culturas onde a taxa de homicídios é menor.

Isto é previsto por  uma outra teoria descrita por Elias em "O Processo Civilizacional",  que prevê que o auto-controlo seja responsável pela inibição da violência e o seu decréscimo.

É caso para dizer que estas culturas de índole violenta, apegadas a valores tradicionais e questões de honra  que precisam é de controlar melhor os seus impulsos.

E que manifestações pacificas são de facto um motivo de orgulho para os povos que as praticam. Quer dizer que têm outras qualidades bem amadurecidas.


* estou a par que a Wikipédia fala em 5. Mas Hofstede acrescentou uma nova recentemente.

Via Stephen Pinker in "The Better Angels of Our Nature", o livro.

domingo, 16 de setembro de 2012

"Vejam agora os sábios na escritura que segredos são estes da natura."

Em "Os Lusíadas", Luis de Camões descreve dois fenômenos naturais que presenciou durante as viagens por mar e que o marcaram particularmente.

Segundo ele, na altura, eram sobretudo considerados relatos fantasiosos dos marinheiros, de tão incríveis que pareciam. Camões, deixando expressivamente narrado o espanto que lhe causa presenciar tais fenômenos, insiste em dois pontos. Um é que os viu com os próprios olhos - e que "não presume que os olhos o enganem". O outro é que "os sábios" procurem uma explicação. E sugere que o procurem nos livros dos filósofos antigos porque estes também o deviam ter presenciado.

Mas na altura não havia mesmo explicação. Estávamos no limiar da revolução cientifica e muita coisa estava ainda muito longe de ser compreendida.



Se não sabe a que me refiro, aqui tem o texto. Depois identificarei e explicarei esses fenômenos.

 - Canto V
"19
"Os casos vi que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pela aparência,
E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência,
Vêem do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos, ou mal entendidos.

18
"Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e coisa certo de alto espanto,
Ver as nuvens do mar com largo cano
Sorver as altas águas do Oceano.

19
"Eu o vi certamente (e não presumo
Que a vista me enganava) levantar-se
No ar um vaporzinho e subtil fumo,
E, do vento trazido, rodear-se:
Daqui levado um cano ao pólo sumo
Se via, tão delgado, que enxergar-se
Dos olhos facilmente não podia:
Da matéria das nuvens parecia.

20
"Ia-se pouco e pouco acrescentando
E mais que um largo masto se engrossava;
Aqui se estreita, aqui se alarga, quando
Os golpes grandes de água em si chupava;
Estava-se coas ondas ondeando:
Em cima dele uma nuvem se espessava,
Fazendo-se maior, mais carregada
Co'o cargo grande d'água em si tomada.

21
"Qual roxa sanguessuga se veria
Nos beiços da alimária (que imprudente,
Bebendo a recolheu na fonte fria)
Fartar co'o sangue alheio a sede ardente;
Chupando mais e mais se engrossa e cria,
Ali se enche e se alarga grandemente:
Tal a grande coluna, enchendo, aumenta
A si, e a nuvem negra que sustenta.

22
"Mas depois que de todo se fartou,
O pó que tem no mar a si recolhe,
E pelo céu chovendo enfim voou,
Porque coa água a jacente água molhe:
As ondas torna as ondas que tomou,
Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe.
Vejam agora os sábios na escritura,
Que segredos são estes de Natura. "

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Então é assim:

O primeiro é o fogo de St. Elmo. Aparece durante trovoadas, quando um forte campo eléctrico leva à formação de plasma luminoso à volta de  objectos pontiagudos, ou seja, os mastros. O plasma é feito a partir do ar ionizado com o oxigénio e o nitrogénio a serem os responsáveis pela cor azulada ou violeta. Na realidade é um efeito parecido ao que há nas luzes tipo neon. O fenómeno já vem descrito desde a Grécia Antiga, como pelos vistos Camões sabia, mas só começou a ter um principio de explicação com Benjamin Franklin em 1749. "Os Lusíadas" for concluído em 1556. Até Franklin sugerir tratar-se de um processo eléctrico foi considerado um fenômeno sobrenatural. Como muitos outros.

O segundo é uma tromba-de-água. São correntes de ar em espiral ascendente de modo a formarem uma coluna que vai desde um corpo de água até uma nuvem. O espanto de Camões neste caso, é acentuado pelo facto de que a água que depois cai da nuvem é doce. Isto acontece porque a tromba-de-água não "chupa" água. Na realidade ela aspira vapor de água a partir da superfície do mar ou do rio  que depois condensa na tromba formando gotas. Por isso é que o que depois cai é doce. O processo da formação das correntes  é semelhante ao de um tornado.


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Regular as medicinas alternativas

De acordo com uma notícia do Público, uma associação de médicos alternativos, ganhou um processo que obriga a que estas praticas sejam reguladas em 8 meses. Visitando o site deles não me foi possível saber que  medicinas alternativas eles propõem pelo que vou assumir que são todas as mais faladas.

As chamadas medicinas alternativas, que não são muito mais que elaborados placebos, são de fato práticas extremamente populares. Isso torna a sua regulação um berbicacho.

Como definir má prática quando não há procedimentos comprovados? Como permitir que se façam diagnósticos baseados em princípios pré-científicos e francamente incompatíveis (uns dizem que é o Qi, outros as subluxações, outros os miasmas, etc), quando hoje sabemos que o corpo não funciona como eles pretendem que funciona? Quem diz quem é que pode formar médicos alternativos se não podemos investigar  resultados empíricos sistematicamente? Tuff questions.

Se se proíbe isto completamente vão surgir logo as queixas do costume e as acusações de conspiração que a "Big Farma" é que quer ficar com os lucros todos... Como se eles não quisessem também dinheiro e a "Big Farma" estivesse de algum modo impedida de ganhar dinheiro com isto.

Mas para lá dos maus argumentos, a verdade é que proibir, provavelmente, não é muito democrático. Se as pessoas não estiverem a lesar ninguém não têm direito de escolher o que querem? Lá está, o problema não é impedir que as pessoas possam escolher as medicinas alternativas, elas têm de o poder fazer. Têm é o direito de não ser lesadas se não souberem o que estão a escolher.

Se se permite isto sem mais nada, então estamos a admitir que a nossa sociedade suporta que se vendam serviços e produtos que não existem ou não funcionam como anunciado. Isso é bom?

E depois, há outro problema ainda. Vai-se regular de acordo com o quê? A antiguidade? A popularidade? São falácias lógicas. Não há nada de melhor no Reiki, Quiropratica (não a parte das massagens mas alegações  de tratar subluxações que não existem) ou Homeopatia, só por serem velhos, que em qualquer pratica alternativa inventada hoje que explore o efeito placebo de igual modo. E isso de facto acontece com regularidade nos dias que correm com maior ou menor sucesso.

Médias altas para entrar em medicina? Faça a sua própria.

Então, se não devemos proibir as Medicinas Alternativas e as pessoas devem ser livres de "escolher o seu próprio veneno" (as they say), como devemos de maneira segura regular isto? De modo, claro, que se protejam ao máximo as pessoas de alegações infundadas?

Penso que, tal como acontece em muitas coisas e por variadíssimas razões, o ideal seria através de termos de responsabilidade. Ao paciente deveria ser dado a assinar um termo de responsabilidade em como este reconhecia que estava a participar de livre vontade em procedimentos sem suporte cientifico para resultados melhores que placebo e que a responsabilidade da escolha é apenas sua (pelo esposto antes penso que não pode ser de outra maneira). A pratica é regulada perante a definição e enquadramento específicos e condicionada à apresentação do termo de responsabilidade.

Penso ainda que os praticantes de medicinas alternativas não se oporiam fortemente a isto. Eles atacam frequentemente a ciência para defender as suas convicções, por isso não vejo que seja problema lá dizer que não há suporte cientifico e podiam dormir mais descansados sem estarem preocupados com tudo o que estão a deixar de fazer.

Eu por mim, como não quero forçar ninguém a nada (excepto, talvez a vacinar-se já que isso é problema de todos), ficaria satisfeito por ser proposto um texto que pelo menos alerte as pessoas acerca do que se sabe do que estão a escolher.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Acupunctura é 5% melhor que placebo. Isso chega?

Não. Não chega.

Mas é o que diz um meta-estudo recente sobre a acupunctura que conclui que ela deve ser recomendada para determinados tipos de dor crónica (o tipo de dor que devia ser raro na china há uns séculos atrás).

A diferença entre fazer a falsa acupunctura ou a verdadeira acupunctura, neste mesmo estudo, foi de 5% na redução da dor. Redução essa avaliada subjetivamente - não há outra maneira. Ou seja, a dor é sempre uma questão de percepção e logo bastante variável de acordo com outros factores que afetem os pacientes. Donde, uma redução de 5%, é bastante perto de nada. Clinicamente não é relevante, ninguém iria dar por isso.


Estatisticamente, também não chega para provar que a acupunctura é mais que placebo; embora seja neste meta-estudo estatisticamente significativo para  os valores de P usuais, é importante notar que se estamos a usar valores de P iguais aos que usamos para coisas bastante bem explicadas, então estamos a colocar um "bias" forte no sentido da acupunctura.

Alegações extraordinárias requerem provas extraordinárias, por isso não podemos aceitar um valor de P vulgar.

Porque não podemos esquecer que não há um mecanismo plausível para a acupunctura ultrapassar o efeito placebo e não há evidência que funcione para mais nada do que alguma vez se alegou que poderia funcionar - aliás como não me canso de notar, a dor cronica é desde algum tempo o ultimo reduto desta pseudociência .

De resto o "bias" dos autores é bem notável ao concluir que a acupunctura deve ser recomendada, quando o grau de melhora que teve relevância estatística foi 5%. Eles devem saber que relevância estatística e relevância clinica não são a mesma coisa, mas talvez se tenham esquecido...

Aliás, "bias" como o identificado aqui, pode bem ser a origem dos tais 5%. Ou aqui.

O que é certo é que isto se traduz agora em desinformação do público.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Crise.


Vários estudos cientificos sugerem que a receita certa para a desgraça é:

- grandes desigualdades entre as pessoas,
- elevado desemprego entre os jovens,
- falta de confiança na organisação e acção do estado.

Estava na hora de prestar atenção a estas coisas, não? Aumentar a desigualdade, ignorar o desemprego e dar o dito por não dito só vai dar buraco...


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Fitas Kinesio vão aos jogos olimpicos. Mas funcionam?

As fitas kinésio (KT; tape = fita) foram distribuidas livremente pelos atletas nos Jogos Olimpicos de Pequim e nestes ultimos jogos já  foram bastante usadas por procura direta. Estas fitas adesivas coloridas, inventados por um acupunctor e quiropratico japonês são alegadamente capazes de aliviar a dor, melhorar a performance, re-educar o sistema neuromuscular, prevenir lesões e melhorar a capacidade de regeneração e melhorar a circulação  quando aplicada na parte pertinente do nosso corpo.

Ligaduras, talas e outros suportes físicos são usados com vários fins semelhantes na medicina normal e são racionalmente explicaveis, por isso podemos admitir alguma plausibilidade nas alegações numa primeira abordagem, desde que não se aleguem também grandes e rápidas melhoras para lá do esperado por outras ligaduras. O que soa um bocado a ser o caso mas até aqui fica o beneficio da dúvida. Ser pau para toda a obra e usar linguagem vaga como "re-educar o sistema neuromuscular" também é um bocado estranho...


A coisa começa a complicar mesmo quando nos explicam que têm "a mesma elasticidade da pele e assim não têm a desvantagem de um suporte rigido", que "levantam a pele microscopicamente e assim melhora a circulação linfatica" e que este "levantamento da pele leva a uma diminuição da inflamação nas areas afectadas". Aliás o criador diz mesmo que acredita que "muita da dor muscular e articular vem deste espaço entre a derme e a epiderme". E é neste contexto que são repetidas muitas vezes as mesmas vantagens e apresentado o produto como "um tratamento de fita adesiva reabilitante definitivo".

Ok, aqui estão a precisar realmente de algo que justifique estas afirmações todas. Cada um pode dizer o que quiser, e até acreditar, mas o importante é saber como é que se sabe. Que evidências há?

É a este propósito, feita também a afirmação de que foi estudado empiricamente durante anos para sustentar todas estas alegações, mas não se encontram esses resultados publicados nos sitios adequados para ser submetidos a peer-review. Na realidade não encontrei onde ler nenhum desses estudos do desenvolvimento das fitas. Mas fica claro que estamos perante algo que pretende ser novo no modo como atua e não apenas mais um tipo de ligadura elástica. Mas isso requer novas provas. E é um bocado chato que não facilitem o acesso aos estudos que fizeram para lá chegar.

Mas há um metaestudo recente (estudo dos estudos),  indenpendente, publicado numa revista com  peer-review, feito portanto já acerca das fitas kinesio que andam por aí no mercado.

O que diz? Diz isto:

Encontrados 97 estudos, apenas 10 correspondiam aos critérios de selecção. Resultados:

Efficacia para a dor: Trivial, sem relevancia clinica.
Amplitude de movimentos: Resultados inconsistentes - Melhora pequena em dois estudos, trivial noutros dois.
Força: Positivo na maioria dos casos, (alguns negativos apenas para determinados musculos). Também alguns efeitos particulares sobre os musculos foram observados e mas sem ser claro se eram positivos ou negativos.

Conclusão : Pouca evidencia para suportar o uso de KT em vez de qualquer outra fita elástica na prevenção de lesões desportivas. KT pode ter um pequeno papel benéfico em aumentar a força e melhorar a amplitude de movimentos mas são precisos mais estudos que confirmem estes achados. A quantidade de casos em estudo e o suporte pela evidencia anedotica para o KT pedem que se façam mais estudos experimentais bem desenhados (planeados), particularmente para os casos de lesões desportivas de modo que os praticantes possam saber se o KT é benéfico ou não para os atletas.

Traduzido daqui: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22124445; estudo publicado na Sports Medicine em  Fevereiro de 2012.

Bem, é o que há. O que eu posso acrescentar? Não use estas fitas adesivas sem recorrer a um dianóstico médico convencional pois pode não ser o que precisa. Se o médico achar que uma fita elastica deste tipo de tensão é adequado parece-me que estas têm umas cores magnificas e vão dar muito sucesso na praia. 

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Acerca da aversão à crueldade.

A pretexto de alguns comentários que li acerca da defesa da tourada e estando a ler um livro sobre o declinio da violencia, o excelente "The Better Angels of Our Nature" achei apropriado escrever um post sobre  a aversão à crueldade (no ambito dos direitos dos animais), que na realidade é outra face da empatia. Mas como já há para aí um bom com esse nome, decidi dar outro titulo e outra abordagem. A matéria no fundo é a mesma.

A maioria dos defensores dos direitos dos animais reconhecem nos animais caracteristicas semelhantes às nossas  que permitem concluir que são seres capazes de sentir dor, fome, prazer, ansiedade e stress de uma forma muito semelhante à nossa. Devido às semelhanças neurologicas, e sendo de esperar que se as estruturas são as mesmas até ao nivel microscópico é de esperar que a função seja a mesma até um pormenor muito elevado, podemos dizer com alguma segurança que a ciência suporta a sensação de empatia dada por reconhecer um nosso semelhante.

O que nós chamamos, quando vemos um ser a que reconhecemos a capacidade de sentir e de saber que sente, a ser dolorosamente estimulado sem uma justificação extraordinária, é crueldade.

E a especie humana tem vindo a ganhar uma aversão benefica à crueldade. Já foi tão insensivel ao ponto de criar festas de tortura, em várias culturas diferentes, contra proprios seres humanos. Hoje em muitos paises civilizados do 1º mundo nem contra animais para abate isso é toleravel.

Um primeiro aparte: Não parece ser importante se a crueldade é dirigida a seres menos inteligentes. Nós começámos a reconhecer crueldade em acções contra cavalos há muito tempo e ninguém põe em causa que se trate  de crueldade o torturar uma criança pouco capaz de falar sequer. Ou um atrasado mental de 5 anos que tenha a inteligencia de um de 2. O que está em causa é reconhecer a dor e o sofrimento causado pela dor. E do facto de quem sofre saber que está em dor. Em maior ou menor grau. E não é preciso muita inteligencia para isso. A existencia da dor em si ou de se sentir uma emoção relacionada com a dor - a emoção é a resposta organica da qual o cerebro constroi o mapa -  é o fulcro da questão. Estará mais relacionada com a existência de algum grau de consciência.  E se a inteligencia não é a questão, então temos de reconhecer que é errado causar dor a animais só porque serão menos inteligentes. O resto, está lá tudo. Até a inteligência lá está em muitos deles, apenas menos que a nossa.

Dito isto, não penso que todos os animais tenham uma consciencia como a nossa. Existem alguns que sabemos que andam lá muito perto, como o chimpanzé e os golfinhos.

Não é só não conseguirem elaborar sobre ela. Mas provavelmente o mapa da própria mente, que é uma parte de construir a consciência, é muito mais simples, conforme vão tendo sistemas nervosos centrais menos complexos.

E isso embora não tire a dor, dá provavelmente um significado diferente ao facto de se ter dor. Começa por se dar menos valor ao facto de se estar vivo, se nem sequer se tem consciência disso. 

Isso provavelmente resume-se a um menor sofrimento e a crueldade será menor. Pelo menos o mapa mental onde o sofrimento é assinalado é muito minimalista ou inexistente.  Por isso eu não creio que valha a pena ficar a pensar muito na crueldade contra insectos por exemplo. Dos peixes tenho algumas duvidas.

Mas em relação aos mamiferos? Não tenho muitas dúvidas que em geral sentem, que sabem que sentem  e que guardam memórias e gostos das coisas. As respostas à dor são muito parecidas e a tolerância não parece ser muito diferente.

Claro que os filósofos, como não podia deixar de ser,  põem em causa a até a existência de certos zombies, que são seres humanos que fazem tudo como os outros, mas não têm consciencia. Não sabem que existem. Embora respondam até que têm consciencia. Dentro da máquina, sugerem os filosofos, não vai nenhuma alma. A dor seria apenas um ato reflexo.

Isso parece-me um disparate exatamente pela mesma razão que reconheço sofrimento nos animais. E essa é a questão toda. 

Onde quero chegar mesmo é que sentir empatia por reconhecimento de semelhança nos animais é sustentável cientificamente - e mesmo moralmente correcto, se formos honestos e tentarmos ver o que é que consideramos pertinente na aversão à crueldade. Por um lado. Por outro, se tivermos empatia até com animais, tendo em conta o que isso envolve, é quase impossivel não a ter por humanos. O contrário aparentemente pode ser verdade, mas quem tem empatia e aversão à crueldade contra coisas mais diferentes também faz sentido que a tenha para as menos diferentes. E eu penso que isso é bom para a sociedade.

Realmente não conheço nenhum atentado físico violento à saúde de ninguém em nome da defesa dos animais. Um caso recente de pelo menos uma pedra que se vê atirada a um cavaleiro tem outra causa que a defesa dos animais em geral e muito mais relacionada com um acto de retaliação direta a uma ameaça fisica.

Mas adiante. De facto, as primeiras associações de direitos das crianças nasceram a partir de pessoas que eram de associações de direitos dos animais, nestes caso o cavalo. O cão e o gato vieram muito, muito depois. Mas antes disto, a crueldade contra crianças era uma coisa natural. Abandonar crianças, matar bébes, era natural. As casas de órfãos tinham taxas perto dos 90% de mortalidade em alguns casos.

Estas pessoas que sentem empatia pelos seus semelhantes têm feito muitas coisas boas. Mas na altura não era tão obvio. Como não é hoje para muitos que o touro é um nosso semelhante e também é capaz de sentir dor e até de saber que a sente. O cerebro deles é estupidamente parecido com o nosso. Estarem lá aqueles milhões de neurónios todos a formarem as mesmas estruturas anatómicas sugere o mesmo, como já disse. Isso, ou teremos de considerar sériamente a existencia de zombies filosóficos.

E permitir esse tipo de dor, é crueldade. E nós queremos (eu quero e sei que a maioria também), caminhar no sentido da aversão à crueldade.

Por outro lado, existem também estudos que mostram que o sadismo é aprendido. Mas não penso, e não há estudos que o mostrem, que o sadismo contra animais se estenda a sadismo contra humanos. Penso que muita gente pode pura e simplesmente não sentir a tal empatia e as coisas ficam em caixotes separados  na cabeça e não são mais perigosas para outros seres humanos por torturarem animais como entretenimento. Mas penso que se o sadismo é aprendido, quem não o aprender e não o tolerar em animais mais dificilmente sequer o tolerará em humanos. De facto temos visto que o reconhecimento do "nosso semelhante" tem sido gradual, assim como a aversão à crueldade. Andaram de mãos dadas.

Outro ataque pre-emptivo que tenho ja de fazer é contra o espantalho previsto por: "estás a comparar crianças a touros/cavalos/cães/etc. , não dá para acreditar!". Sim estou. E dá para acreditar. Há muitas semelhanças. Sobre inumeros pontos de vista. E entre mim e quem faz esse comentário hipotético também. O que eu não estou a dizer é que a criança vale o mesmo que o touro. Ao fim e ao cabo se a empatia e o reconhecimento são por semelhança e reconhecimento, a criança vem primeiro. É o que me parece aliás que vale mais de tudo. Mas talvez seja por eu ser pai também -  tenho de reconhecer o bias.

Por isso o que proponho é que evitemos o sofrimento de acordo com o que esperamos que seja a capacidade de sofrer e sentir dor de cada animal.

Mais valor para os mamiferos que para os peixes, muito menos valor para os camarões que para as aves. De preferencia seriamos vegetarianos. Isso parece ser a tendencia actual, já agora. Mas como não é preciso ser-se imaculado para criticar o que está errado, senão ninguem podia criticar nada, aconselho todos os comedores de carne que não tolerem a tourada a falar na mesma. Mas se deixassem de comer mamiferos pelo menos era melhor. E já agora reduzir um pouco a carne até de aves.

Não chega dizer que "se não gostas não vás". Porque há um ser senciente envolvido em tratamentos cruéis. Um ser que não tem a inteligencia para saber sequer o que se está passar ao ponto de poder fazer uma escolha, que de qualquer modo não tem. Mas já vimos que essa não é a questão, a da inteligencia. Tal como noutras coisas em que sabemos melhor, é preciso proteger os mais fracos.

Falam em bravura...  Mas as coisas não estão nem aí.  É que todo o ambiente é controlado previamente para chacinar o touro. É uma emboscada que começa na genética do que ficam cegos para retaliar. Nem um ser humano escaparia a este tipo de emboscada como os documentos que nos falam do circo romano mostram.

Arte? Arte como em musica, pintura, literatura? Seria sempre algo mais semelhante a um desporto, mas se for isso, então usem velcro nas costas do touro ou pontas magnéticas, whatever. Continuam com a mesma arte e menos sofrimento. Se a arte está na crueldade apenas... Isso não deve ser tolerável e trata-se de um equivoco perigoso.

Existe para aí um estudo que pretende dizer que os touros não sofrem assim tanto. Mas o que mostra é que provavelmente a dor é elevadíssima, tal como sugerido pelos elevados niveis de endorfina que nele se encontram. A endorfina é libertada quando ha estimulo dolorso, até por exemplo na picada de uma agulha e serve para moderar as dor. Niveis semelhantes e mais elevados ao encontrado no touro são encontrados em mulheres durante o parto humano. E as mulheres que tiveram partos naturais narram dor a um nivel elevadíssimo. Neste estudo, as hormonas do stress como o cortisol não estão em niveis muito elevados. Mas o stress não é todo o tipo de sofrimento. O sofrimento a partir da dor deve estar lá concerteza e isso o próprio autor sabe que não pode negar.

Uma outra critica que prevejo - estou mesmo a acabar - é a do antropocentrismo. Porque na prática isto resume-se na mesma a uma forma de antropocentrismo, mas é o melhor que podemos fazer. Não temos outro ponto de vista até os animais começarem a falar e a escreve ou dialogar com extraterrestres. Temos é de ver se não estamos a chegar a conclusões porque consideramos o antropocentrismo algo a manter sem recorrer às melhores tecnicas anti-"bias" que temos. O antropocentrismo aqui emerge da analise racional da questão,  elevando alguns animais a criaturas sencientes e não como assumpção inicial cega que estipula uma hierarquia binária. No minimo é um antropocentrismo muito mais informado e aberto.

E depois há o ad antiquitatem - o apelo à tradição. Mas é uma falácia. Tradição já foi muita coisa que não presta, o que conta é o que se está a tentar manter. Evoluimos ou não?


Bibliografia (os tais ombros dos gigantes): 

Damásio - "O sentimento de si", "O livro da consciência" ; nas questões de o que é a consciência.
Pinker - "The Better Angels Of Our Nature" para as questões relacioandas com a diminuição de violencia, a empatia e de o sadismo ser algo que se aprende, e da referencia histórica dos direitos. 

O argumento de a inteligencia - não torturar só porque não é esperto - é originalmente de Singer como muitos defensores dos animais sabem, mas vem referenciado também por Pinker.