O consenso científico pode ser explicado como o conjunto de teorias ou teoria que a maioria de cientistas de uma determinada área suporta como sendo as melhores nessa mesma área, num dado momento. É aquilo em que quase todos os especialistas de um determinado assunto acredita. Como a ciência evolui, também o consenso científico evolui.
O consenso científico não faz no entanto parte do método, e não é um critério usado dentro do meio especializado para concluir sobre a validade ou não de uma questão. A ciência procura substanciar-se nos factos e se por vezes a interpretação obriga a debate intenso, não se procura chegar a um veredicto por meio de votação, mas sim através de revisão dos factos, argumentação racional, revisão de artigos e metodologia, procura de novos factos, reprodução de experiências anteriores, etc., dependendo do caso particular em questão. Apesar de haver cada vez mais critérios objectivos para determinar o sentido que a ciência esta a levar e do que é que corresponde ao consenso, tais como sondagens, revisão de artigos, a elaboração de rankings das publicações e de artigos, assim como dos próprios autores (um Físico por exemplo, sobe no ranking de acordo com o numero de citações que os seus artigos têm), o valor do consenso cientifico não é consensual.
É na divulgação e educação que o consenso científico ganha uma importância fundamental. A ciência cresceu de tal maneira que requer dedicação exclusiva para conhecimento profundo e compreensão clara de muitos conceitos. Em quase todas as áreas, para além de um conhecimento de base multidisciplinar, ao aproximarmo-nos dos desenvolvimentos mais recentes, a complexidade e quantidade de informação podem ser simplesmente avassaladoras. Não quero dizer que uma pessoa qualquer não tenha oportunidade de se interessar por um tema e compreende-lo, na realidade eu acredito na divulgação científica, mas dificilmente terá qualquer coisa importante a dizer sobre esse assunto se não pertencer ao meio. Acontece que uma pessoa que se tenha especializado ao longo de 30 anos num determinado assunto, podendo até ser muito bem informada, não passar de um leigo quando começa a comparar a sua “expertise” em outras áreas, com aqueles que a ela dedicam todos os seus esforços. E vice-versa. O meio cientifico reconhece isto, por isso surgiu a pratica do “peer-review”, - a revisão dos artigos a publicar pelos pares (da mesma área) e não por qualquer um só porque trabalha em ciência. Mas tal não é de surpreender. Como o povo diz: “cada macaco no seu galho”. Qual é a probabilidade de uma equipa amadora de futebol ganhar ao Benfica ou ao Sporting? Ou a de um iniciado ganhar a um grande mestre de xadrez? Ou de um piloto de formula 1 ganhar os 100 metros nos jogos olímpicos?
Existem sempre vozes discordantes na ciência, e “consenso científico” não é “unanimidade científica”, mas para quem está de fora e é um leigo em determinada matéria, tem mais probabilidade de acertar se se guiar pelo que pensam a maioria das pessoas que se dedicam a essa matéria do que se seguir as vozes discordantes. Se uma determinada revisão de artigos (meta estudo) leva a uma conclusão e depois vem outra independente e chega à mesma conclusão, e depois outra, sucessivamente convergindo num resultado, é mais provável que esta esteja correcta do que a hipótese a ela contrária. Já para não falar que é possível comprar, pressionar, etc., alguns cientistas e estudos, mas é muito mais difícil forçar uma maioria a chegar a um consenso predeterminado.
Claro que ao longo da história da ciência houve muitas ocasiões em que o consenso científico se provou errado, mas voltas de 180º e reversões totais são raras. Um bom exemplo será a teoria da deriva dos continentes que quando foi proposta foi muito mal recebida. Demorou cerca de 50 anos até ser aceite que os continentes se estavam a mover e que América, Ásia e Europa tinham sido um único continente, denominado actualmente Pangeia. Também não ajudou que o proponente desta teoria tivesse tentado explicar este movimento como consequência da força centrífuga proveniente da rotação da Terra. O conceito de placas tectónicas viria muito mais tarde. O que se passa na prática é que quando há uma mudança muito radical na visão do mundo, podemos ter de esperar que uma geração nova de cientistas substitua a anterior para o novo conceito pertencer ao consenso. Estas mudanças de paradigma, como têm sido chamadas, não são de qualquer modo o dia-a-dia da ciência. E não é razoável o observador comum esperar que estejamos sempre à beira de um.
(Um pequeno aparte: Para este blogue é uma das directivas que sigo, fundamentar-me no consenso científico, pois numa ciência que cada vez menos se baseia na autoridade, se realmente esta existe, só pode ser a representada pelo consenso. Em jeito de brincadeira pensei por o seguinte aviso no cabeçalho: “As opiniões manifestadas neste blogue não são, de um modo geral, responsabilidade do autor. Essa responsabilidade é dos cientistas das áreas em questão.”)
Isto não quer dizer que mesmo para a divulgação ao publico mais geral não se devam apresentar teorias concorrentes. Não pode é ser o ponto de partida. Para cada argumento ou teoria, como os tribunais americanos descobriram há luas atrás, existe sempre um especialista disposto a defende-la. Apresentar teorias alternativas, sobretudo emergentes, é uma mostra da dinâmica da ciência, e não representa dano em nenhum sentido se for mantida dentro de contexto. De qualquer modo, pelas razões acima referidas, explicar o que é consensual tem muito mais valor, e acerca disso posso dizer que há consenso. Como disse antes é na divulgação e educação que o consenso cientifico mais tem importância.
Também não quero dizer que se deva abdicar do sentido critico. Existem mesmo casos em que o sentido crítico pode colocar um alerta razoável em cima do consenso científico. Neste sentido há algumas questões que podem ser consideradas como por exemplo: Qual é a força desse consenso? A maioria é por uma pequena margem? Existe um “quase consenso” acerca da teoria oposta? Houve uma declaração de consenso obviamente prematura, antes de se saber exactamente a opinião da maioria? O consenso é um facto ou não (baseia-se em que? Sondagens, revisão sistemática de artigos ou declarações unilaterais à procura de reconhecimento)? E se não houver consenso? Bem, nesses casos eu direi que a probabilidade de se ter uma opinião correcta sendo divergente do consenso aumenta, sobretudo no último caso, mas a constatação de que estamos num destes cenários deve ser abordada com cautela e muita pesquisa. E a verificar-se não vejo outra solução que não seja deixar a comunidade específica a resolve-la, e acompanhar o processo. Claro que opiniões podemos sempre tê-las, mas podem não passar disso.
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