quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Espectáculo da Vida - A Prova da Evolução, de Richard Dawkins

Richard Dawkins volta ao seu melhor com este novo livro sobre a evolução. Desta vez o foco é na evolução enquanto facto e não como processo. A síntese evolutiva moderna explica como se deu a evolução, mas antes de mais a evolução é um facto que como qualquer outro requer explicação. Este livro é uma colecção de evidencias para a evolução enquanto facto. E a explicação dessas evidencias. E nisso é muito bom. Não creio que qualquer pessoa intelectualmente honesta possa dizer que não há evolução depois deste livro. Explicar como isso se deu é que não se encontra aqui.

A prosa de Dawkins para quem não conhece ainda, é despretensiosa e clara. Não usa jargão científico se o puder evitar, mas mantém uma grande simplicidade e clareza nas explicações. A aversão explícita que Dawkins tem pelas citações fora de contexto (de que é alvo frequente), tem provavelmente um papel na tentativa de fazer frases claras e objectivas, onde dificilmente se pode dar um segundo sentido (acidentalmente ou não).

Sobre os conhecimentos do autor acerca do tema não vale a pena puxar pelos galões. Basta ler. Dawkins está como peixe na água a falar da evolução e o entusiasmo com que o faz nota-se. Não só sabe muito sobre o tema como tem um enorme entusiasmo, quase juvenil, em mostrar como sabemos o que sabemos. Aliás, se o título tivesse sido traduzido à letra chamar-se-ia: "O maior espectáculo à face da terra: provas da evolução". Drama, competição, sucesso, beleza, alianças, traições. Tem tudo e Dawkins parece vibrar enquanto fala do assunto.

Como pontos negativos aponto a extensão do livro, mas sinceramente não sei onde cortaria para o encurtar. Só se fosse mesmo na parte de comentários pessoais, que estão salpicados por todo o lado, mas isso sem dúvida empobreceria o livro.

Recomendado a todos os que gostam de natureza e de saber como ela é.

Não é recomendado para quem queira saber como determinado aspecto da evolução é explicado. Para isso deve procurar outros livros, que até podem ser do mesmo autor, como por exemplo "O relojoeiro cego", onde se explica porque sabemos que a evolução não segue um plano (e que as coisas evoluem para altos níveis de complexidade pela importância que têm a cada passo e não por serem passos intermédios com um fim em vista), embora nesse livro seja dado já como facto que a vida evolui.

Penso ainda que é um livro com valor para professores de biologia que queiram fazer uma revisão ou tenham de gerir discussões sobre a evolução nas aulas.

Aqui ao lado, o autor do blogue "Biogeonorte" tem feito uma compilação de citações do "Espectáculo da Vida" que aconselho também:

http://biogeonorte.blogspot.com/

PS: Dawkins apesar de dizer que este livro não é uma critica à religião não se abstém de dar uma ou outra alfinetada. Não é de estranhar, uma vez que a evolução é apenas contrariada por aqueles que consideram que Deus nos disse o contrário.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Criação a partir do nada e radiação de Hawking

Outra das excentricidades da mecânica quântica é a previsão de que a matéria se está sempre a produzir a partir do nada. Pares de partícula e anti-partícula aparecem espontâneamente para logo a seguir colidirem e extinguirem-se de uma vez. No fim, nada se perde, nada se cria, tudo ficou como antes.

Stephen Hawking, fez a previsão teórica de que se isto acontecesse em cima  do horizonte de acontecimentos de um buraco negro, ficando as duas partículas separadas pela linha de fronteira, uma cairia no buraco e a outra poderia escapar-se. Não haveria aniquilação. Um fotão seria emitido - o resultado seria a radiação de Hawking.

Até agora não havia maneira de medir esta radiação, pois criar buracos negros no laboratório não é muito prático. Mas um grupo de cientistas conseguiu criar uma maneira de aprisionar e puxar uma das partículas para  simular a queda para dentro do buraco negro.

O que aconteceu foi que isso criou fotões dentro das frequências previstas pela teoria. Naturalmente que agora que o trabalho foi publicado vai ser analisado a pente fino. Mas em principio deu mais uma prova da capacidade predictiva da mecânica quântica e da possibilidade de criação de matéria a partir de uma flutuação quântica. Apenas da indeterminação nasce matéria.

Os crentes que estão sempre preocupados com a criação a partir do nada que "tem de ser impossível" deviam prestar atenção a estas coisas. É que o aparecimento da matéria não depende da vontade de ninguém. É ao acaso - e de acordo com as probabilidades quânticas. Literalmente nasce da indeterminação.

Via New Scientist:
http://www.newscientist.com/article/dn19508-hawking-radiation-glimpsed-in-artificial-black-hole.html

Sobre a mecanica quantica:
http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/09/sobre-mecanica-quantica.html

Propriedade emergentes II - programação procedural.

Outro exemplo muito bom para emergência é a programação procedural. Em vez de se conseguirem resultados recorrendo a descrições estáticas como jpegs, mapas de bits, etc, a programação procedural diz antes quais são as regras a seguir para se conseguir determinado efeito. A animação e a música emergem do processo descrito pelo programa em vez de estarem descritas na programação.


Isto é o modo como também na natureza muitos padrões complicados emergem a partir de regras locais mais simples. Por isso, a informação toda para fazer um animal existe em cada célula do embrião e pode descrever uma coisa tão complexa que se fosse feito um plano seria absolutamente gigantesco. Cada célula sabe o que fazer a cada momento em função do que tem à sua volta e isso chega para dar origem ao ser vivo adulto. Em seres vivos simples, algumas dessas regras estão à vista, como por exemplo: "cresce num sentido e depois divide em 2" dando origem a ramificações.

Na programação normal isto é pouco utilizado. É muito mais difícil programar o processo do que dizer: "agora cola este mapa de bits". Mas se se programar o processo, consegue-se fazer emergir de poucas linhas de código coisas absolutamente incríveis. É como se pudéssemos dizer o que queremos sem ter de por tudo no programa. Os objectos e funções só estão no código em principio, pois resultam da execução do programa. É tudo criado em tempo real.

Mas existem programadores, muitas vezes amadores, que se entretêm a ver com 64k (pode ser outro limite mas nas "intros" esta é a dimensão típica) o que é cada um consegue fazer. Existem mesmo concursos.

Por exemplo, este vídeo dos multi-premiados Farbraush designado por "fr-08: .the .product".  é o resultado  no ecrãn da execução de um programa de 64k e foi feito em 2000: (enquanto esta a ver lembre-se que são apenas 64kb! - o velho spectrum tinha 48kb, e uma pen  usb de 1gb são 1000 x 1000kb, para terem uma ideia). Os vídeos são o resultado de programas que não têm sequer a dimensão do ficheiro de texto que poe este post no ecrã:

http://www.youtube.com/watch?v=LkEsP9H2HGM  (não estou a conseguir por aqui os vídeos, por isso vão links)


Uma vencedora do Breakpoint em 2003:

 http://www.youtube.com/watch?v=pq-aLBNwpPQ&feature=related

E esta de 2009 tem nada mais nada menos que 4kb:

 http://www.youtube.com/watch?v=FWmv1ykGzis

E o jogo Kkrieger, um "first person shooter" que apesar de estar cheio de bugs (nunca foi acabado) consegue fazer coisas incríveis com 96kb. Cheguei a experimentá-lo há uns anos num XP 32 bits e funcionava razoavelmente. A pagina da Wikipédia é esta:

 http://en.wikipedia.org/wiki/.kkrieger

Será que já consegui mostrar o poder da programação procedural e ao mesmo tempo ilustrar a emergência de fenómenos na programação?

Por isso é que o nosso genoma é quase igual ao do arroz. A parte mais difícil já estava feita nessa altura. Pequenas alterações a um nível muito baixo dão origem a consequências muito abrangentes e com ramificações. A evolução consegue isto com tentativa e erro, enquanto que os programadores conseguem isto com tentativa e erro, perdão, conhecimento profundo de várias linguagens e do hardware com que estão a trabalhar, para poderem tirar partido da cascata de acontecimentos causada por poucas linhas de código.

PS. os códigos das demos são difíceis de encontrar e como requerem ser feitos à medida do hardware onde correm, tirando até por vezes partido de bugs e efeitos secundários das máquinas, é pouco provável que consiga fazer um código correr sem problemas num computador qualquer. Mas o You Tube está cheio de vídeos dos resultados. Tem demos e intros desde o tempo do Spectrum, altura em que começou a demoscene.


Para saber mais sobre a demoscene:

 http://tomaes.32x.de/text/faq.php

E a pagina dos Farbraush na Wikipédia:

 http://en.wikipedia.org/wiki/Farbrausch

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Propriedades emergentes e a mente.

Ando para escrever este post desde que iniciei este blogue. Mas fui sempre deixando para outra altura, porque queria sempre ler mais sobre o assunto, e havia sempre qualquer outra coisa a desviar-me a atenção. É a diferença de escrever por gosto e não por obrigação. Vou-me desviando de planos e deixando-me ir para onde me apetece mais.

Mas estão sempre aparecer questões em que a emergência é a melhor explicação. Só quero dar uma ideia. Antes de abordar a mente.

Um fenómeno emergente é um efeito de um sistema que não pode ser atribuído ao funcionamento em separado dos componentes desse sistema. Não será correcto dizer que o todo é maior que a soma das partes porque não estamos a falar de quantidades mas de qualidades. E é a soma das partes que faz emergir os fenómenos. A questão é que não é uma soma aritmética, mas uma somadas funções e interacções entre elas.

Por exemplo, um ser vivo como o mamífero não pode ser explicado como o conjunto de células que o formam. Pois se o coração para e ele morrer, essas células ainda la estarão todas. A diferença é o que elas estão a fazer. E como interagem entre si. A vida é a propriedade que emerge dos fenómenos celulares em que cada célula cumpre a sua função. Se separarmos as células e não as pusermos a interagir perdemos a vida. Na realidade, o que as células fazem para ter vida é manterem-se todas e o seu ambiente num equilíbrio muito preciso, a homeostasia.

Um exemplo que já dei antes neste blogue, num curto comentário a um texto de Douglas Hofstadter (ver teorema de Godel) é o das proteínas. As propriedades destas, quer estruturais quer catalíticas, emergem da forma destas e dos locais onde ficam os centros activos. Se dispusermos os aminoácidos que as compõem em filinha não temos actividade proteica. Temos de esperar que se enrole. As propriedades na proteína enrolada não estão nem em princípio na sua forma desenrolada. Porque ao enrolar-se, os aminoácidos vão colocar-se de modo que o seu resultado é o resultado da interferência e das reacções das suas propriedades enquanto ela se enrola. De tal modo difícil de prever que a melhor maneira que se arranjou foi simular a proteína a enrolar-se.

Um formigueiro também é um bom exemplo de emergência. Quase podemos considerar o formigueiro como o animal e não um conjunto de animais. Aquilo que é o formigueiro emerge da interacção de milhares de formigas e explicar o resultado do seu funcionamento é muito difícil se formos para ao nível individual.

Durante muitos anos a vida era atribuída a um sopro vital ou coisa do género. Pensava-se que não podia haver uma explicação para a vida que fosse "materialista". Hoje, conhecemos tão bem todos os passos, funções e interacções que já não se pensa na vida como algo que não esta ao alcance de ser explicado com base nas propriedades da matéria se considerarmos que as interacções  e o funcionamento, o que estão a fazer, são o mais importante.

A propósito, este caso passasse hoje com a mente e o cérebro. Muitos, normalmente crentes religiosos, acham que a mente não pode ser explicado pelos neurónios. Mas ao contrário, a maioria dos neurologistas pensam que sim. Ainda há muito para saber, mas tudo aponta que tal como a vida é mais que as células que a criam também a mente é mais que o cérebro. Mas sem nada de místico. A mente é o resultado que emerge da interacção de milhares de  sinapses por milímetro cúbico que o cérebro tem. Tal como as proteínas e o formigueiro, a descrição a um baixo nível, isto é, como soma simples de neurónios, não é possível. Mas se considerarmos que há milhares de circuitos, todos ligados uns aos outros e ao corpo, e que se criam registos e processos, e depois registos e processos sobre os registos e processos e que ainda se criam mais registos e processos sobre os registos e processos, até que lhes percamos a conta, já começamos a ter um vislumbre de uma consciência.

Como em. Eu sinto. Eu sei que sinto. Eu posso pensar sobre saber que sinto. E pensar sobre o facto de pensar que sei que sinto. Na realidade a nossa consciência é uma autoconsciência. Do fluxo de sensações que atravessava o cérebro primitivo dos nossos antepassados, nos fomos criando novos sistemas por cima, e fazendo ajustes nos que vão ficando por baixo, mas mantendo tudo a comunicar. E os sistemas mais evoluídos, as ultimas partes a desenvolverem-se com o neocortex, parecem ter todas as propriedades de serem capazes elas próprias de simularem outros sistemas acima. Ou seja, têm uma plasticidade e versatilidade tal que podem por uma parte de si a funcionar para imitar um outro sistema.

De um modo análogo ao computador que tem varias máquinas (por exemplo dois sistemas operativos) virtuais num único hardware.

Conseguimos criar imagens de nós próprios, construir planos para o futuro, testar cenários, etc.
E tudo em tempo real, interagindo umas coisas com as outras, controlado por uma corrente principal - o nosso pensamento consciente.

Sabe-se há muito tempo que o cérebro vai processando várias coisas ao mesmo tempo, tal como o nosso corpo vai fazendo varias coisas ao mesmo tempo. Ao contrário,  a maioria dos computadores de secretaria ainda são apenas sequenciais, isto é, cumprem uma ordem de cada vez. Processam uma coisa de cada vez. O cérebro não. Tal como seria de esperar em algo que permite a emergência de propriedades, há muita coisa a acontecer ao mesmo tempo. Aquela história dos 10% é um mito como o do nariz do cão estar seco. Naturalmente que a todo o vapor também não esta todo ao mesmo tempo. Se não também não conseguíamos ver que zonas é são activadas por determinadas situações.

Mas é este interagir de sistemas sobre sistemas, formados por neurónios, que se pensa hoje que é a mente.

A destruição acidental ou patológica de muitas áreas do cérebro tem permitido saber mais ou menos para que é que cada área serve particularmente. Outras coisas têm se sabido através da tomografia por emissão de positrões. Mas nada leva a crer, no conhecimento actual, que vamos precisar de trazer alguma energia sobrenatural ou entidade mística para descrever a mente.

Não está ainda de facto tão bem esclarecido como o processo a que chamamos vida. Isso é verdade. No caso da vida, para onde quer que olhemos somos capazes já de dizer o que é que aquela célula esta a fazer e porque. No caso dos neurónios não. A sinapse é a unidade básica do pensamento, é como um interruptor especial nos circuitos. Mas são milhares de interruptores por circuito, e milhares de circuitos, todos ligados uns aos outros e ao corpo e alguns ainda ao exterior. Produzem químicos, criam potenciais eléctricos e são microscópicos. E em vez de ser num plano, como numa placa de computador, é num volume a 3D. É a confusão total para saber o que se esta a passar a cada milímetro cúbico e no geral.

Mas que são aquilo que nós somos são. Destruam alguns e haverá consequências. Consequências naquilo que nós somos. A personalidade e a inteligência mudam.

Agora, descrever  o cérebro a partir do neurónio é como descrever uma musica a partir da sequência de zeros e uns do CD. É preciso por a coisa a funcionar para saber realmente como é. Ou então emular o processo. Por apenas soma das partes não chegamos la.

PS: as ideias aqui exprimidas são um apanhado de vários livro que incluem o "conscienciousness explained" do Dennett e o "Sentimento de Si" do neurologista português António Damásio. Para quem tiver tempo, claro que aconselho uma leitura do GEB do Douglas Horfstadter. É um livro sobre inteligência artificial, sobre consciência e sobre a mente, que esta preocupado em explicar da maneira mais lenta (mas mais divertida) cada pormenor implicado nestes assuntos. Poderá no entanto acabar o livro com a sensação que está mais inteligente que antes, mas que ainda sabe menos o que isso significa do que quando começou. :)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sobre a mecânica quântica

A mecânica quântica é a teoria cientifica que explica o comportamento de sistemas abaixo do nível do átomo. É uma parte do modelo padrão, a síntese de teorias para explicar o universo em pequena escala.

O nome quanta, vem de pacote, porque as trocas de energia vêm em múltiplos de uma quantidade mínima, como se viessem em pacotes e não como se fossem algo continuo. De resto o modelo padrão explica tudo como vindo em unidade mínimas discretas. O espaço, a matéria e a energia. O modelo padrão, que é o modelo que integra a mecânica quântica não explica a gravida. Tudo o resto é descrito como trocas de partículas.

Para alem dos "pacotes" em que é definida a energia, a mecânica quântica rompe com as teorias anteriores no seu tipo de formulação e previsões. Tudo é explicado em termos de probabilidades. Isto terá levado Einstein a formular a famosa frase "Deus não joga aos dados", se bem que não se sabe se ele o disse realmente.

Tudo bem. A mecânica quântica usa unidades discretas para descrever a energia, usa partículas para descrever a matéria sub-atómica, naturalmente vamos ter de ter um abordagem estatística para coisas tão difíceis de medir. Mas aqui é que as coisas deixam de se parecer com o universo de dimensões maiores que o átomo. As probabilidades quânticas interferem umas com as outras. E a probabilidade de uma partícula ter determinada propriedade, só passa a propriedade real quando a medimos. Ainda há mais coisas contra-intuitivas, mas comecemos por estas duas.

No mundo à escala da nossa visão, por exemplo, a probabilidade de o dado dar o numero 6 num lançamento, não influencia a probabilidade do dado dar 6 outra vez no lançamento seguinte. Intuitivamente consideramos que sair 6 outra vez é menor. Mas sabemos pela experiência e pela matemática que isso é errado. São acontecimentos independentes e esse erro vulgar tem o nome de "falácia do jogador". Isto é algo que penso que apesar do nome que tem, jogadores especializados ou ratos de casino conhecem perfeitamente.

No entanto em mecânica quântica não. O resultado de um evento relacionado afecta directamente outro que apenas difira no tempo.  É como se a probabilidade de sair um 6 no dado de uma vez, influencia-se algo na segunda vez que lançamos o dado. Como se algo no universo tivesse mudado por ter saído já o 6 uma vez.

Debatemo-nos com uma situação deste género logo nos principios da teoria. Se lançarmos um electrão de cada vez através de duas ranhuras numa chapa, ora por uma, ora por outra, eles vão marcar num receptor um padrão de ondas como se tivessem sido todos lançados ao mesmo tempo. Embora estejamos a disparar um de cada vez, parece que disparamos todos ao mesmo tempo. Eles interferiram uns com os outros tal como era de esperar se em vez de partículas discretas estivessemos a fazer ondas. Mas quando acertam no receptor, podemos confirmar que chegou um de cada vez. Isto não tem paralelo no mundo macroscopico. E parece que de facto o electrão só passou a ser um quando foi medido pelo receptor. E só nessa altura definiu a sua posição. Antes era... Uma onda de probabilidades.

Richard Feynman reformulou a teoria de modo a explicar o padrão de interferencia como sendo a interferencia entre si de todos os caminhos possiveis que uma particula toma de uma fonte ao seu destino. Isto resolve o facto de um acontecimento aparentemente independente interferir com outro, mas não resolve a questão similar da escolha do caminho da particula ser influenciada retroativamente pela nossa observação. De facto, se escolhermos observar a particula num dado ponto, em uma das sua possiveis trajectorias, parece que tal observação irá influenciar o percurso que a particula fez até essa medição, porque reduz o numero de trajectorias possíveis ao eliminar as que ficam fora do ponto de verificação.

No mundo macroscópico a probabilidade aparece quando existem demasiados factores a contabilizar para que possamos dizer exactamente o resultado de um acontecimento. Como por exemplo dizer que numero vai sair na roleta. Seria possivel se tivessemos acesso a uma descrição perfeita da velocidade, desenho da roleta com todas as imprecisoes, peso da bola, perfeiçãro da bola, etc. Com uma supermaquina e supermedições seria possivel. No mundo quantico não. A probabilidade é o que as coisas são. E o resultado so se forma no momento da verdade. É algo intrinseco.

De resto sabemos, por previsão da teoria, que não podemos saber simultâneamente a velocidade e a posição de uma partícula. E ao contrário do que muitas vezes vem escrito em textos simples como este, não é apenas por uma questão de tecnologia. Não há mesmo  maneira de medir velocidade e posição simultâneamente, porque só ao medirmos é que essas caracteristicas se revelam, e ao medir uma, estamos a perder a hipótese de medir a outra, porque não havia antes de medir e depois de medir ja a modificamos. A teoria prevê como disse, que as coisas so são o que são quando medimos.

De resto, esta caracteristica foi algo que levou a uma grande contestação da teoria. Einstein dizia que as caracteristicas tinham de estar la, que nós é que não conseguíamos medir. Mas a teoria previa que não. Que as caracteristicas não estavam definidas - estavam na tal nuvem de probabilidades quanticas - até nós as medirmos.

Como tinha prometido, ainda há outra coisa mais incrível a cerca da mecânica quântica. A não localidade. Os efeitos quânticos não dependem da distancia. É como se para coisas abaixo do tamanho do átomo, o local onde estão seja pouco importante e possam agir à distancia como se já estivessem no destino. Em certas condições claro. Einstein chamou-lhe "Spooky action at a distance" ou em português "acção fantasmagórica à distancia". E mais, disse que se tal fosse possível, então podíamos emparelhar duas partículas e separa-las centenas de metros que o resultado de uma influenciaria instataneamente e mais rápido que a luz o resultado da outra.

Emparelhamento de particulas é algo dificil de conseguir mas na practica é dar a duas particulas propriedades complementares. Como a mecânica quântica diz que a propriedade so é definida com a medição e se uma partícula não transmite à outra que foi medida, então quando medimos uma a outra tem de dicar exactamente e instantaneamente com o valor complementar. Instantâneo quer dizer mesmo ao mesmo tempo. Literalmente. Se demorar o tempo que a luz demora a percorrer esse espaço podemos suspeitar de uma partícula transmissora. Mas não é isso que a teoria prevê. E Einstein compreendeu isso e disse: "vejam só o que a vossa teoria prevê. Se isso fosse verdade tínhamos "spooky action at a distance".  Pois é. Mas hoje essa experiência foi feita inúmeras vezes e acontece tal qual como Einstein considerou impossível que acontecesse.

De resto, a mecânica quântica, mantém até aos dias de hoje a incompatibilidade com a teoria da relatividade. Não é apenas uma coisa de uma descrever o grande e outra o pequeno. Nos pontos de intersecção a conjunção das duas teorias dá resultados absurdos. Já para não falar que elas dizem coisas diferentes acerca da gravidade. Uma prevê que a gravidade sejam uma partícula, a outra diz que a gravidade é a distorção do espaço. De facto uma destas teorias vai cair. E a mecânica quântica tem acertado tantas previsões incríveis e permitido tantos avanços científicos que a maior parte dos teóricos considera que será a relatividade de Einstein a cair.

Uma das mais fortes pretendentes, a teoria das cordas, substitui as duas de uma só vez. Mas a teoria das cordas ainda é tem muitos buracos para tapar além de ser difícil testar algumas das suas previsões especificas. E tem uma coisa que a generalidade dos físicos parece não gostar. Precisa de 11 dimensões (já foram 22) para descrever o universo. São muitas dimensões que não são previstas por mais nada, não são observadas e para trazer mais 7 dimensões que as que se conhecem é preciso evidencias fortes. As entidades não devem ser replicadas para além do nesseçário.

Mas voltando à mecânica quântica, há algo que é preciso esclarecer. Apesar de haver algumas maneiras diferentes de interpretar a matemática da mecânica quântica, os fenómenos quânticos estão longe de acontecer em dimensões maiores. Mesmo ao nível de moléculas as coisas já se passam de outra maneira.

Aquelas teorias de terapias alternativas ou místicas do universo que alegam que se baseiam na mecânica quântica, não têm nada a ver com isto. Não são ciência. São aproveitamos da ignorância das pessoas acerca de uma teoria que é tudo menos simples. O facto de os próprios físicos debaterem como devem ser interpretadas determinadas coisas não quer dizer que cada um tem o direito de dizer que a teoria faz isto ou aquilo.

Por exemplo. A descoerencia é o nome que se dá ao fenómeno da partícula revelar o que é quando é medida. Os físicos consideram que o acto de medir é na realidade qualquer coisa que obrigue a partícula a revelar as suas propriedades. Ela não esta definida até que interaja com algo que a leve a dar um valor. E esse valor sai com a probabilidade que a teoria lhe atribuiu. Isto é uma interpertação. A dos "many-worlds" é outra. São interpretações, nãp afectam o sistema matemático da teoria. E são fundamentadas cientificamente. Mais a primeira que a segunda se me perguntarem, nas eu não tenho de dar opiniões sobre isto. Mas posso dizer que extrapolações como as que faz o Deepak Chopra são tretas. Não têm nada a ver com ciência. Nem com a parte matemática, nem como interpretações.

Por exemplo, não se conseguem emparelhar moléculas grandes e provavelmente nunca se conseguirá. Porque elas depois de emparelhadas precisavam de não interagir com mais nada para não se dar o processo de descoerencia, perdendo nesse instante o estado quântico de indeterminação e emparelhamento.

Não há maneira de fazer uma coisa a uma molécula aqui, de modo a que outra faça o que a gente quer alí. Nem hoje, nem provavelmente nunca. Estamos limitados pela dimensão que os objectos emparelhados podem ter e pelas propriedades que se lhes pode atribuir.

Mas este post já está demasiado longo. Mas tinha de ser. A mecânica quântica é muito complicada. Eu só acredito que tenha um grau de verdade elevado porque anos após anos aquilo, aquela coisa, acerta em todas as previsões e mais alguma, por mais estranha que pareça. E mais. Proporcionou um campo de investigação prolifero como poucas outras teorias. E encaixou com perfeitamente com outras teorias físicas para formar o Modelo Padrão.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O Touro de lide não é um ser sobrenatural.

Depois de escrever o meu post sobre a tourada em que incluí parágrafos sobre as reacções do touro na arena, descobri inúmeros comentários relativos a um estudo que dizia que os touros não sentem dor ou que não sofrem na tourada.

O numero de animais variava, os métodos variavam e as conclusões também e era importante encontrar a versão "oficial". Tudo o que encontrei foi este estudo, editado pela própria Faculdade do autor:

"Regulação neuro-endocrina do stress e da dor no touro de lide (BOS TAURUS L.). Um estudo preliminar"(1), por Carlos Ileria

E começa assim:

"O gado bravo possui uma série de peculiaridades que fazem com que seja praticamente impossível a sua comparação com outras espécies ou raças de animais."

Uma afirmação extraordinária não? Nada frequente em ciência. Mas podemos aceitar uma certa liberdade semântica dentro de um contexto que o justifique, por isso vamos continuar.

O estudo diz que é preliminar logo no titulo. E isso nota-se que é, por razões que direi mais à frente. Quer dizer que o estudo não serve para tirar conclusões definitivas, mas deveria servir para justificar mais estudos e mais pesquisa. Ou pelo menos devia ser esse o significado de preliminar. Parece-me estranho que mais à frente se tirem mais conclusões extraordinárias. Embora em nenhum lado diga que o touro não sofre. Isso, o estudo tem a razoabilidade de não dizer.

Mas devo dizer desde já que eu espero que aqueles resultados sejam verdadeiros, porque longe de mostrar que não há sofrimento brutal na tourada, sempre mostra que o touro pode ter alguma coisa a seu  favor para aguentar melhor (que outra raça) que lhe espetem uma farpa nas costas (e a girem para "castigar") e lhe partam vértebras, rompam músculos, cortem nervos, etc. Para bem dos touros espero que alguma coisa aqui seja verdade. Agora que há sofrimento e que o espectáculo é uma barbárie, este estudo não põe em causa. Pelo contrário, eu penso que mostra o tipo de dor que esta em causa, embora sugira que o touro possa de facto, pela sua atitude, conseguir tolerar o stress. Tudo junto é uma barbaridade de qualquer maneira.

Adiante, vamos aos pormenores:

O estudo mede o cortisol, uma hormona do stress, em três situações: Durante a lide, o transporte e uma corrida de touros. E mede também a ACTH e as beta-endorfinas. A ACTH é a hormona produzida na hipófise para levar a adrenal a produzir corticoides  (cortisol)  e as beta-endorfinas são moderadores da dor. Estas endorfinas opioides naturais que reduzem a sensação de dor - mas não a eliminam. Tanto que relativamente aos animas e humanos também, uma situação em que há muita  beta-endorfina em circulação é no parto e é de notar que as mulheres queixam-se de dores na mesma - na realidade é o topo da escala de dor! Com endorfinas  incluídas.

Quanto ACTH e Cortisol. Ele usa-os como uma medida do stress. Tudo bem E conclui que:

"a primeira coisa que reparamos é que o touro é um animal especial endocrinologicamente falando já que tem uma resposta totalmente diferente de todas as outras espécies de gado e espécies animais".

Bem, esquecendo a linguagem, estranhamente cheia de liberdades semânticas (mais uma vez), eu penso que aqui poderá haver alguma verdade. Vale a pena prosseguir mais estudos para confirmar ou refutar isto. Parece haver de facto uma diferença significativa entre o cortisol libertado no transporte - uma situação extremamente stressante para os animais, já muito debatida e conhecida - e a lide. Era de esperar que os valores fossem bastante mais próximos. Além disso, há uma explicação plausível. O touro pode ter a determinada altura a ilusão que tem alguma coisa que pode fazer acerca da situação. A impotência é uma causa de stress. E a postura agressiva está associada a menos libertação de cortisol. Talvez pela mesma razão de aparentemente haver alguma coisa que o touro possa fazer, como dar umas marradas para se vingar. É estúpido, mas pode ser a perspectiva dele. É algo que ajuda, tal como dar um cinto para trincar aos soldados a quem se vai cortar uma perna, ou dizer uns palavrões para descomprimir. Mas a diferença para o transporte, em que a impotência é aparentemente maior é muito grande. Por isso, é de admitir que haja de facto um stress menor na lide que no transporte, ou pelo menos um stress menos debilitante.

No entanto precisamos de confirmar isto melhor. É preciso experimentar outras raças na lide - a ideia não me agrada mas seria a única ideia de poder comparar o touro de lide com outras raças a este respeito, sem isso o autor não pode concluir cientificamente que o touro de lide é assim tão especial. Por mim a tourada acabava na mesma, mas eu encontrei estudos que mostram que a variabilidade da libertação de cortisol, por causa de uma cirurgia, nas raças "normais", é muito variável de animal para animal. Na realidade se se escolhessem os casos individuais menos reactivos poderíamos conseguir artificialmente e desonestamente o mesmo efeito que há no estudo de Ilera. Isto não mostra que há desonestidade no trabalho de Ilera, mostra sim que o efeito esta dentro da variabilidade natural. Que não há nada de realmente novo que pode ser explicado apenas por selecção de genes que já existem nas outras raças, não havendo na raça brava algo mais que uma afinação para reagir melhor ao cortisol. Algo que se pode conseguir até com treino físico apenas.

Faltam também resultados de medições mais seriadas. Antes da lide, durante e imediatamente após pelo menos. Falta dizer a que horas do dia. (o cortisol tem um ritmo circadiano). Falta dizer quanto tempo depois da colheita foi feita  analise. Como foi o sangue conservado? E em relação ao transporte a mesma coisa. Muito importante era saber quanto tempo de transporte houve antes de se colher o cortisol, alem da hora do dia, etc.

O autor diz que não é possível ter um controle cientifico porque não se conseguem ter amostras de cortisol basal. Todo o acto de medir, picar, influencia o resultado. Isto é verdade. Há sempre stress envolvido na colheita com os métodos actuais. Mas mesmo assim, uma pesquisa pela Internet levou-me a imensas tentativas de encontrar esse valor para a espécie bovina e os valores andam entre as 3 e 10 ng /ml quando os animais estão calmos e em ambientes neutros. Parece que no campo, apanha-los para medir da origem a valores um pouco mais altos, mas não muito mais. Um estudo refere 15ng/ml (ou mg/L). Se o touro de lide tiver valores tão baixos então a lide representa um aumento de duas vezes o valor de repouso. Isso é stress. Se o touro de lide tiver já de si valores anormalmente altos, então sabe-se que isso esta associado a respostas menores de cortisol, tal como está a doença ou a depressão.  Não parece ser o caso por causa da resposta de cortisol no transporte, por isso eu penso que vamos encontrar valores semi-basais (há sempre stress) entre os tais 3 e 10 ng/ml.

E a conclusão é de que há stress. Não que não há stress. E nada que seja tão extraordinário que permita concluir que o touro esta com menos stress que uma gazela que acabou de conseguir puxar a pata de dentro da boca do leão. Que a ansiedade causada pelo transporte é uma tensão brutal já é bem conhecido. Abaixo esta um estudo que mostra por exemplo que pilotos de aviões militares em missão quase não stressam quando comparados com o estado em que segue a tripulação do mesmo avião.

Agora as endorfinas.

Aqui é que eu acho que o estudo cai completamente por agua abaixo. Muitas endorfinas quer dizer muita dor. Se a quantidade de endorfinas é tão estupidamente alta, é porque a dor é estupidamente alta. Experimentem ir dizer a uma mulher  que o parto não dói por causa das enforfinas.  Depois do parto, se for natural, vão ouvir umas bonitas. Assumir que aquele nível de endorfinas é capaz de eliminar a dor é um exagero. Um exagero que o autor reconhece no fim do estudo quando diz que é preciso fazer outros exames. Agora, que aponta para uma redução da dor é um facto. Mas quanto dói ter as vértebras a serem estilhaçadas com a bandarilha espetada e que fracção disso é eliminada pelas endorfinas? Não é total. O Touro tem outras manifestações que sugerem que haja dor. Tal como a tentativa raivosa de vingança após levar com a estocada. Talvez a farpa não doa tanto ao touro como uma farpa espetada nas nossas costas. Talvez seja só como se fossem pregos e não farpas. E em vez de doer como grandes músculos a rasgar e vértebras a partir doa só como se fossem menos vértebras a partir e menos músculos a rasgar. E o que é que isto quer dizer?

Outra coisa que dá origem a elevações acentuadas das endorfinas é o acido láctico. O tal da dor de burro, com origem no metabolismo anaeróbio durante o exercício físico. E esse é tão elevado na lide que o touro entra em acidose metabólica.

Uma mulher em parto (sem preparação ou analgésicos) chega aos 65pg/ml de beta endorfinas(2). O touro bravo chega neste estudo aos 17pg/ml. Tive de confirmar as unidades várias vezes para ver que era verdade.. Torna a afirmação do estudo: "chega o momento em que deixa de sentir dor" absolutamente extraordinária.

E afirmações extraordinárias requerem evidências extraordinárias.

Coisas que o autor parece afinal, no fim do estudo lembrar-se. Relembra que é um estudo preliminar e que faziam falta ressonâncias magnéticas funcionais para comprovar a sua tese.

Sim, isso e aumentar o rigor deste trabalho.

Até lá, não há aqui nada que sugira que não há sofrimento e muito na tourada. Pelo contrário, há sinais que a destruição de tecidos e a estimulação de receptores de dor é muito grande.

Além do mais sabemos que altos níveis de endorfina levam a alteração do estado de consciência. O que levariam a uma aspecto sedado do touro. Coisa que parece não acontecer.

Se se mostrar que o touro na tourada não tem dor NENHUMA, para lá da dúvida razoável, eu penso que isso de facto será um argumento de força para os aficionados. E um que eu até espero que seja verdade, uma vez que me parece não posso fazer muito para acabar com ela. Mas a tourada inclui o transporte por exemplo. A não ser que passemos a criar o touro na arena. O autor apenas mostra mais um aspecto que causa sofrimento desnecessário associados à tourada.

Mas se não houvesse dor era sem dúvida melhor.

Mas estamos longe de poder tirar tal conclusão. Com a maior das honestidades. Quando isso for um facto penso que se devem rever os argumentos a favor e contra a tourada. Não creio de modo algum que tenha chegado esse momento.

Notas:

Não me apetece ter o trabalho de ordenar as citações de acordo com os estudos. No entanto estão referenciados dois estudos directamente pela relevância. São todos pertinentes, e deixei  notas sobre o que dizem, pois faz parte da maneira como eu colecciono artigos para depois fazer os textos. Está lá tudo.




Valores normais são entre 3 e 10 mg/ml.Podemos ver a enorme variação na reposta de cortisol entre os vários animais e como alguns reagem mais à cirurgia que o touro bravo na lide e outros menos à cirurgia que o touro bravo na lide:

http://vfu-www.vfu.cz/acta-vet/vol74/74-037.pdf

A refutação por outro colega meu, que salienta alguns pontos de modo diferente:
http://sites.google.com/a/avatau.com/www/elsufrimientodeltoroenlalidia


(1)  - REGULACIÓN NEUROENDOCRINA DEL ESTRÉS Y DOLOR EN EL TORO DE
LIDIA (BOS TAURUS L.): ESTUDIO PRELIMINAR - http://revistas.ucm.es/vet/19882688/articulos/RCCV0707330001A.PDF


Estudo sobre a quantidade de cortisol libertado de acordo com a personalidade:
http://www.nature.com/npp/journal/v31/n7/full/1301012a.html

Homens treinados libertam menos cortisol:
http://www.psych.nyu.edu/phelpslab/papers/07_Psychoneuro_V32.pdf


alterações ao nível da bioquímica sanguínea:
  http://revistaveterinaria.fmvz.unam.mx/fmvz/revvetmex/a1998/rvmv29n4/rvm29410.pdf


Atitudes mais agressivas podem libertar menos cortisol:

http://www.sciencedirect.com/science?_ob=ArticleURL&_udi=B6T0P-47XN26S-47&_user=10&_coverDate=06%2F30%2F1990&_rdoc=1&_fmt=high&_orig=search&_origin=search&_sort=d&_docanchor=&view=c&_searchStrId=1463087442&_rerunOrigin=google&_acct=C000050221&_version=1&_urlVersion=0&_userid=10&md5=afee6a9284b9169508d8fc1199ce48b8

animais doentes secretam menos cortisol:

http://www.actavetscand.com/content/52/1/31

Os pilotos stressam menos que os outros membros da tripulação:

http://www.psychosomaticmedicine.org/cgi/content/abstract/47/4/333

Níveis de betaendorfinas ante e post-mortem em matadouro com pistola de estilete (notar que a morte é sem dor):
http://www.aspajournal.it/index.php/ijas/article/viewFile/ijas.2007.1s.457/1473

(2) Níveis de beta-endorfinas no parto na espécie humana:

 http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2932121

O ateu é ateu porque não quer acreditar?

Não creio. Eu pelo menos ponho a minha vontade de parte. Não acredito em divindades porque não há razões para isso. Procuro de facto não acreditar em Deus porque me dá jeito, mas daí a recusar a sua existência porque quero?

Não. De todo.

O Prof. Miguel Panão diz o contrário:

"No Cristianismo, se Deus transcende o mundo, também está nele imanente, implicando isso que está presente, e se está presente podemos fazer uma experiência dessa presença.Quem não a faz é porque a recusa na negação da existência de Deus , limitando deliberadamente essa experiência, não porque lhe seja negada a possibilidade de a fazer."(1)



Como é que é "deliberadamente" se o raciocínio  começa com uma afirmação injustificada e impossível de provar? Na qual assenta todo o resto?

Eu respondo antes que se Deus lá estivesse e se é possível senti-lo, eu então senti-lo ia. E mesmo que só possa sentir a Sua presença quem nele acredite, era preciso mostrar que não acreditar em Deus é uma escolha não condicionada pela evidência existente. Ou seja, que há tantas provas para acreditar como para não acreditar. Ora isto é falso. Se bem que a inexistência de provas não seja prova da ausência, de um modo geral, quando nós procuramos sistemática e metodicamente e não se encontram efeitos ou factos que sejam inequívocos dessa entidade temos de admitir que não existe. Se apesar disso insistimos que existe, então estamos a acreditar porque queremos, de facto. Mas para não acreditar basta aceitar a conclusão mais plausível de que as entidades não devem ser replicadas para alem do necessário.

É como dizer que as plantas têm consciência e só vê quem acredita. E que quem não vê é porque nega deliberadamente que essa experiência. Mesmo que não haja nada que sugira que as plantas têm consciência.

Ou ainda melhor, isto é análogo às roupas do rei. Mas o rei vai nu. Não me digam que eu não vejo as roupas porque decidi deliberadamente limitar essa experiência.

Agora imaginemos que Deus existe e eu não sinto isso. Que de facto podemos provar que Deus existe se sentirmos. Para já isto não tem confirmação independente, uma vez que por definição só sente quem acredita. Por outro lado, que culpa tenho eu de não sentir? É minha? Deus cegou o olho interior capaz de o ver, e a culpa é minha? É uma escolha deliberada? Acho que há aqui desonestidade intelectual ou muita distracção pela parte do Miguel.

(1)http://cienciareligiao.blogspot.com/2010/09/como-interagem-ciencia-e-fe.html?showComment=1284710481370

PS: Além do mais aquilo é completamente circular, pois era a reposta à pergunta de como é que sabe que ele existe. Logo está a dizer que existe porque sente. E justifica que sente porque existe. E que eu nego essa experiência "deliberadamente".

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O Papa e a sida.

A Igreja Católica é uma instituição que discrimina as mulheres, não lhes dando as mesmas oportunidades de subir na hierarquia que aos homens, encobre crimes perpetrados contra crianças de uma maneira sistemática e organizada e... Boicota medidas preventivas para o tratamento da sida.

Sem qualquer preocupação com a verdade o Papa disse: "[que a sida é um problema que] não pode ser ultrapassado através da distribuição de preservativos, o que até agrava o problema.".

Em relação à primeira parte da afirmação, estou de acordo. Distribuir preservativos não chega. É um problema complexo em que a solução terá de passar por um antivirico eficaz e vacinação pelo menos com tão bons resultados como a da rubéola. A segunda parte da afirmação é falsa.

Segundo os estudos retrospectivos em casais em que um dos elementos era portador do vírus e o outro não, há menos 80% de infecção entre os que usam preservativo do que entre os que não usam. Claramente, o uso de preservativo é um factor que diminui a transmissão da doença. Mesmo se como disse antes, há outros factores que poderão vir a ser mais importantes.

Por outro lado, o preservativo não aumenta a libido. Não se argumenta que a abstinência seja pior que usar preservativo. Argumenta-se que o preservativo por si diminui em 80% (1) a probabilidade de transmissão. Quando todos os outros factores se mantém iguais, o preservativo é uma arma muito eficaz contra a sida.

E quando temos países com taxas de infecção acima dos 20% da população, temos de usar tudo o que está à nossa mão. Além disso, e sem que interfira com isto, penso que é uma ilusão contar com a abstinência para resolver o problema. A vida toda? A quantas pessoas? Nem a Igreja acredita nisso. A libido é algo extremamente poderoso. Evoluiu de modo a não ser ignorada mesmo que seja perigosa e um descalabro de gastos energéticos (cortejo, lutas, gravidez, aleitamento,etc).

Em relação ao sexo devemos exigir que não seja tido com quem não tem idade para consentir e que não seja tido com quem não consentiu. Isso é importante. E com isso é que a Igreja devia ter sido intransigente. Não é com algo que pode salvar 80% de vidas se for usado.

Sem dúvida que alguma contenção sexual deve ser propagandeada nestes países, mas toda a gente tem direito de formar pares mais ou menos estáveis.

Os mais libertários podem acusar-me de estar também  a defender medidas retrogradas, mas a verdade é que com um problema como a sida é em alguns países e uma vez que o preservativo não é 100%  eficaz, todas as armas são importantes. Uma redução da promiscuidade é uma medida exequível. A abstinência total não.

A medicina baseada na ciência recomenda o uso de preservativo. A Igreja não. É este o apregoado diálogo ente a ciência e a religião de que a Igreja Católica se vangloria?

Em Portugal existem 37.000 casos notificados, fora os que não foram notificados. Na Europa temos a maior taxa de infecção para novos casos. A primeira causa de infecção é a partilha de seringas embora a segunda causa siga muito perto (mais de 41% para ambas). A segunda causa se infecção é a relação HETEROsexual. (2)

Somos também um dos países mais católicos da Europa. Terá relação? Tenha ou não tenha, acho pertinente aconselhar a leitura do estudo referido em (1).

Ratzinger proclamou que a "presença mais efectiva na frente de batalha contra a sida foi de facto a Igreja Católica e as suas instituições."

Em que aspecto? Negando o uso do preservativo? Mascarando os inúmeros casos de pedofilia no seu seio? Apregoando a abstinência até a um casamento para a vida? (quando se tem 20% de taxa de infecção isso é obviamente uma treta, mesmo se fosse algo exequível em grandes números).

Pelo contrário, eu acho que isto torna o Papa um problema de saúde pública.

São estas as tais coisas que ultrapassam os direitos da crença. Afirmações e conselhos deste género têm de ser discutidos como a anormalidade que são independentemente de  quem os disse.

Devemos respeitar o crente. Mas não toda a crença. Nos aspectos em que a crença é inofensiva, ela deve ser respeitada. Mas julgada em relação a isso como qualquer outra coisa e não como algo intocável.

O Papa vai agora ao Reino Unido. Eles não são Católicos na sua maioria. Parece-me que se prepara uma grande manifestação contra estes disparates. É merecida.





 Via "Bad Science" de Ben Goldrache: http://www.badscience.net/2010/09/the-pope-and-aids/

(1) http://onlinelibrary.wiley.com/o/cochrane/clsysrev/articles/CD003255/frame.html
(2) http://www.aidsportugal.com/epidemiologia@70.aspx

A conjuntura do Desígnio Inteligente - a mistura certa.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Tourada é tortura. Não alimenta nem a barriga nem o espirito sofisticado.

O que é que um blogger de ciência tem a dizer sobre a tourada? Bem, acho que na realidade muita coisa. Sempre tenho defendido que a ciência nos pode ajudar a tomar melhores decisões morais e a fazer melhores escolhas.

E penso que para além da minha opinião pessoal de que a tourada é um espectáculo de horror e crueldade eu posso explicar porque é que ela é um espectáculo horror e crueldade, cuja apreciação requer uma frieza total em relação ao sofrimento do animal. Penso também poder argumentar que essa frieza, essa total desconexão com o que sente o animal, é um legado primitivo e que pessoas sofisticadas deveriam saber fazer melhor. Porque em regra, nós já não precisamos disso, e queremos uma sociedade solidaria com princípios de empatia. Que não podem deixar de se estender, naturalmente em menor grau, aos animais. Por uma questão de consistência e por uma questão de princípio.

Não é de facto muito esperto, mas sente. 

Não existem muitos estudos científicos específicos sobre a espécie bovina no que respeita à sua inteligência ou desenvolvimento emocional. Sabemos com segurança que são animais que criam relações familiares. E que são animais sociáveis, e que têm reacções de demonstram empatia, medo, ansiedade, stress, dor, e ligações afectivas. São mamíferos. Têm um cérebro anatomicamente semelhante ao nosso, se bem que mais pequeno, mas ainda assim relativamente grande no contexto do mundo animal. São evolutivamente muito próximos de nós e isso diz-nos qualquer coisa do significado do seu comportamento.

Quem tem vacas como animais de estimação relata que são capazes de ligações afectivas também com as pessoas. (Googlem "Cow Pets"). Algo que é de esperar com um cérebro tão grande e tão semelhante ao nosso. Que é muito maior claro. Mas fundamentalmente tem as mesmas estruturas. Não se confunde com um cérebro de réptil ou de peixe, (embora as diferenças para as aves, se visto ao microscópio,  sejam menos do que se pensava (1) o que pode justificar a grande capacidade cognitiva de animais como os corvos (2).

Existem razões para considerar a empatia, sentir o que o outro esta a sentir, como um dos fundamentos das relações sociais, ou pelo menos um factor motriz. Isso é referido mesmo quando se aborda o assunto da cognição animal, se terão eles empatia ou não (3). Existem estudos e relatos que sugerem que inúmeros animais sentem empatia ((3) ou pro-empatia) e como é de esperar os mamíferos estão bem representados. Não especificamente os bovinos, mas é plausível pelas razões anteriores que assim seja. Lobos que tratam dos velhos e doentes, chimpanzés que reconhecem traços faciais, cães que parece adivinhar o que nós queremos. Existem relatos de que as vacas percorrem grandes distâncias para encontrar os seus bezerros. Mas a empatia intrínseca aos animais nem é muito pertinente. A nossa em relação a eles é que é.

A nossa falta de empatia pelos animais mais inteligentes e emocionalmente desenvolvidos como os mamíferos preocupa-me. Mostra-me que há pessoas que podem ser insensíveis à dor e ao sofrimento, mesmo que ele estejam lá indubitavelmente. Que não têm escrúpulos ao ponto de tirarem prazer da tortura lenta. Dizem que é por ser um animal irracional. Mas o sofrimento, a dor, o stress, estão lá na mesma. Irracional ou não. E no entanto são cegas a isso. Devemos torturar os nossos semelhantes que forem pouco inteligentes? O que dizer de países reais com média de QI de 60? Devemos tratá-los sem escrúpulos? Não acho nada.

Os bovinos são mamíferos. Quando se diz irracional não quer dizer irracional como em "a estrela do mar é irracional", ou "o peixe é irracional". E são emocionalmente mais perto de nós. Cérebros complexos sugerem processos complexos. Repito isto porque talvez a falta de empatia esteja relacionada com a ignorância. A ignorância de que o homem é algo absolutamente diferente dos animais, dotado de uma alma inventada (4) que lhe dará o direito de torturar a seu belo prazer. A ignorância de não ver em outros animais as mesmas sensações que nós temos. Talvez se vissem pudessem perceber que não é o ser irracional ou ser animal que conta. É o reconhecer que essas sensações estão lá. E saber o que elas significam. E dar importância a elas próprias. Para além do sujeito que as sente.

Respeitar os sentimentos. 
     
                                   

Quando um touro entra na arena, para onde quer que olhe vê a mesma coisa. O recinto é redondo, algo que ele não consegue compreender. Sente e sofre, mas a inteligência é limitada para compreender um recinto desenhado especificamente para criar este efeito. Fica perdido. O barulho de instrumentos musicais que ele não conhece confunde ainda mais e ajuda ao stress. Adrenalina e cortisol são libertados em altas doses. O sistema nervoso autónomo entra autonomamente em acção. É o pânico. O coração quer saltar da caixa torácica. O cérebro diz para correr ou lutar (fight ou flight (5)). Mas não há para onde ir. E depois aparece um ser humano a provocar.

Raios. A vida é lixada.

Mas não acaba aqui. Mais tarde ou mais cedo, com a ajuda de cavalos, espetaram-lhe tantas farpas nas costas que já perdeu demasiado sangue. Esta cansado. E nunca valeu a penas correr atrás de cavalos em recintos redondos. Só quando estiverem cansados é que há alguma hipótese. Mas eles revezam-se nas artimanhas. Há pegas de caras, mais provocações com o pano, e o sangue continua a escorrer. Menos sangue é menos oxigénio. Menos oxigénio é um cansaço tremendo. E depois eles espetam mais coisas nas costas.

A vida é mesmo lixada.

A força bruta contra a inteligência 

O recinto é desenhado para não ter por onde fugir para o bovino mas ter escapatórias para os homens. Permite ainda ao cavalo correr em círculos sem ser encurralado por obstáculos naturais. Está aqui a inteligência da coisa. Claro que o cavaleiro ou toureiro também aprenderam andes de entrar na arena. Nada que vão fazer vai requerer muito da capacidade de reagir em novas situações que é a marca da casa da inteligência. 

Por outro lado o touro esta numa situação totalmente nova. A ele, o ser dito irracional, é que se pede que tenha inteligencia. Mas nem pedem isso. Pedem apenas que o seu sistema límbico aprisione todo o cérebro numa resposta de luta, tal como pode acontecer com um humano encurralado.  Ou num paciente com stress pós traumático.

E se o recinto fosse desenhado quadrado, com pequenos becos nos cantos e não disséssemos ao cavaleiro e ao toureiro. E se ensinássemos o touro (sim, eles aprendem) a ignorar a capa e apenas fazer mira ao corpo? E se o ensinássemos a por a cabeça de lado na pega de caras? Mas não disséssemos nada aos "valentes" da pega? Bem, deixem-me adiantar que eu me oporia a isto. É uma experiência de pensamento(6) que eu penso que não precisa de ser executada realmente para servir de argumento.  De que o que está em questão não é bem inteligência. Essa foi usada à algum tempo atrás quando o primeiro recinto quadrado deixou o espectáculo correr para o torto e alguém percebeu que tinha de ser redondo. E quando cortaram as pontas dos cornos também mostraram alguma inteligência. Mas quem copiou... Népia. Nem valentia. Só treta. 

Os argumentos a favor da tourada - como refuta-los consistentemente. 

A maioria dos argumentos a favor da tourada são apelos à tradição(7). Mas uma coisa não se torna boa só porque é repetida muitas vezes. A sociedade deve evoluir assim como a moral. A antiguidade por si não é um posto. Se não ainda andávamos a levar o pai para morrer no monte e a permitir a pedofilia.

Outra grande quantidade deles são apelos à popularidade (8). Mas só porque muita gente gosta de uma coisa não quer dizer que esteja correto. As coisas têm de ser discutidas e avaliadas por aquilo que são. Se não dar Cristãos de comer a leões está correto desde que haja um publico a aplaudir (9).

Outros argumentos muito ouvidos são algo como: "também torturas animais para comer" ou "só se deixares de comer é que podes falar". Bem, isto é falso. O que interessa não é o que faz ou deixa de fazer o interveniente da discussão. É se os argumentos são válidos ou não no que respeita ao caso. Se um fumador insistir que fumar faz mal, ele estará a dizer a verdade na mesma, quer fume quer não. E depois, um erro não justifica outro erro. Mesmo que não houvesse uma preocupação crescente com o bem estar animal na pecuária, um argumento do género: "temos muitos problemas logo não vale a pena resolver nenhum" é treta. Se não nunca faríamos nada. Ficávamos sempre infinitamente a resolver o mesmo problema até à perfeição. 

E depois parece que pelo menos peixe, ovos e leite fazem falta na nossa alimentação. Não é como abdicar da empatia para desfrutar de um espectáculo de terror. Podemos sim, comer muito, mas muito menos carne, eventualmente deixar mesmo de comer carne de mamífero(10), sem que isso nos prejudique e minimizando o sofrimento animal. Mas mesmo que isto tivesse errado de todo, mesmo que a produção de alimentos fosse algo desnecessário e deplorável na sua essência, não é por isso que não devemos sempre apontar para fazer o melhor possível, seja no que for.

E uma sociedade que respeita os animais, certamente respeitará ainda mais os outros animais de duas patas. Na realidade verifica-se que há alguma correlação entre a preocupação do bem estar animal e o estado socio-económico do pais. Basta ver que países mais ricos que nós proíbem a tourada e têm mais cuidado com os seus animais. Se é porque podem acho bem. Mas a tourada não é porque nós não podemos, como em relação a aspectos da alimentação. É porque não só não queremos. Porque alguns não só não sentem empatia com os bichos como ainda tiram prazer no seu sofrimento. 

E é nesta sociedade (em relação a este aspecto) que queremos educar os nossos filhos? É este tipo de mensagem que queremos dar? Que o sofrimento é aceitável desde que se encontre uma explicação ad-hoc, inconsistente com tudo o resto? Desde que se possa dizer que já se faz há muito tempo? Desde que se possa dizer que muita gente gosta? Desde que se possa dizer que é tradição? E que faz parte da identidade de um povo... E têm orgulho nisso? Não arranjam nada melhor com que se identificarem? Tem de ser com um freak show troglodita?

Ouve uma altura em que era preciso matar para viver. Ainda hoje é. Alguns legados da evolução biológica são bons, outros maus. Acho que era altura de dar um passo evolutivo moral mais e abdicar da necessidade de sangue e sofrimento e fazer disso uma regra consistente. Sofrimento? - só o que não puder ser evitado. Infelizmente o mundo não é perfeito. Mas não é por isso que não devemos tentar melhor.



(1) http://universityofcalifornia.edu/sites/uchealth/2010/07/02/human-brains-bird-brains/
(2) http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/01/corvo-aprefeicoa-ferramenta.html
(3) http://plato.stanford.edu/entries/cognition-animal/#EmoEmp
(4)http://cronicadaciencia.blogspot.com/search/label/dualismo
(5) http://en.wikipedia.org/wiki/Fight-or-flight_response
(6) http://plato.stanford.edu/entries/thought-experiment/
(7) http://www.csun.edu/~dgw61315/fallacies.html#Argumentum%20ad%20antiquitatem
(8) http://www.csun.edu/~dgw61315/fallacies.html#Argumentum%20ad%20populum
(9) esta não tive pachorra para encontrar a referencia. :P
(10) http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/09/precisamos-mesmo-de-carne-e-se-for.html

 Leitura sugerida em outros blogues:

 http://ktreta.blogspot.com/2010/09/treta-da-semana-patetico.html
 http://pensamentoalinhado.blogspot.com/2009/06/direitos-dos-animais.html

PS: Tecnicamente existe uma diferença entre sentir e saber que se sente. Ou seja, existe uma diferença entre sentir e ter consciência dessa sensação. Não creio que seja relevante para avaliar crueldade. A dor e o sofrimento estão lá. Também não me parece nada que a consciência seja algo que exista ou não exista. A investigação actual inclui pessoas que consideram haver graus de consciência. Parece-me óbvio que a vaca não tem o grau de consciência do chimpanzé que por sua vez não tem o mesmo grau que os humanos. Mas a proximidade é provavelmente muito maior entre nós e a vaca que entre a vaca e o peixe.

Precisamos mesmo de carne? E se for peixe?

Senti-me motivado para escrever este post por duas razões. Uma é que me custa cada vez mais o abate de mamíferos para alimentação. Têm cérebros grandes e sofrem como nós.

A outra razão tem a ver com a sustentabilidade. São cada vez mais os académicos a notar que os nossos hábitos alimentares vão ter de mudar, devido aos números crescentes de pessoas com hábitos demasiado carnívoros.

Encontrei um metaestudo, ou seja, um estudo que é uma revisão de outros estudos, datada de 1999 que me pareceu um bom ponto de partida (1).

Segundo eles, as pessoas que têm maior longevidade são os comedores de peixe. Depois os vegetarianos que comem leite e ovos (ovo lacto-vegetarianos). A seguir os que comem carne apenas ocasionalmente, e por último os vegetarianos estritos (Vegan), e os que comem carne à grande.

Depois deste estudo encontrei mais uns quantos, de que deixo os links no fim, que parecem apontar para que não haja diferenças fundamentais na saúde de vegetarianos e comedores de carne ou que sejam ligeiramente benéficas para estes (vegetarianos). Os críticos notam que muitas vezes os vegetarianos têm também outros hábitos saudáveis (como por exemplo não fumar )o que pode ser a explicação para os seus melhores resultados em relação a uma data de doenças.

Alguns autores sugerem que os números baixos de colesterol de uma alimentação vegetariana são a razão da melhor saúde dos vegetarianos, tal como defendido no livro “China Study” por académicos de Cornell. Esta obra tem no entanto recebido muitas criticas sérias, de que deixo no fim o link para a do blog "evidence based medicine”.

Como o cérebro é um órgão que requer muita energia, e a alimentação só com verdes me deixou um pouco na dúvida se seria bom ou mau para o desenvolvimento intelectual procurei também o que se sabia sobre o caso.

Encontrei dois estudos, um diz que as crianças mais inteligentes têm mais tendência a ser vegetarianos quando adultos e o outro, (já aqui referido a propósito da relação entre o ateísmo e a inteligência ) diz que não, que os vegetarianos são iguais aos outros.

A conclusão a que chego depois do que li é que comer mais peixe e vegetais é mais saudável que uma alimentação baseada em carne de mamíferos. Parece-me que uma alimentação estritamente vegetariana requer muitos conhecimentos de nutrição para se conseguir que seja equilibrada, por exemplo por causa da vitamina B12. Mas uma que seja à base de vegetais com ovo, leite e peixe poderá ser a melhor. Não vi esta hipótese testada, mas pode-se deduzir dos resultados que já temos das outras.

Agora a parte irónica é que se transformar erva em bife se esta a tornar insustentável (o rendimento é muito baixo), então vamos todos ser levados a uma alimentação potencialmente mais saudável, (isto é contando com os peixes de aquacultura que tem ganhos de crescimento por grama de alimentação muito bons.)

O que é claro para mim é que se uma alimentação ovo-lacto-vegetariana não é melhor ela é sem duvida pelo menos tão boa como uma em que se coma carne. Isto parece-me que esta bem estabelecido.

É no entanto difícil fazer um apanhado de vários estudos porque há imensos tipos de vegetarianos, incluindo os semi-vegetarianos que comem aves e peixe, assim como vários graus de inclusão de carne na dieta.

Por ultimo de referir que a Associação de Dietistas Americana considera o vegetarianismo adequado para todas as idades e pessoas desde que esteja formulado com conhecimento (pois… esta parte parece-me tricky), mas está o link em baixo.

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Link para relação entre QI e vegetarianismo: http://news.bbc.co.uk/2/hi/6180753.stm

http://www.bmj.com/content/334/7587/245.abstract?hrss=1

Associação de dietistas americanos: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19562864

Não há diferença:

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19166134?ordinalpos=1&itool=EntrezSystem2.PEntrez.Pubmed.Pubmed_ResultsPanel.Pubmed_DefaultReportPanel.Pubmed_RVDocSum

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16441942?ordinalpos=2&itool=EntrezSystem2.PEntrez.Pubmed.Pubmed_ResultsPanel.Pubmed_DefaultReportPanel.Pubmed_RVDocSum

 (1) Estudo a dar mais longevidade a quem so come peixe. Nota que ovolacto-vegetarianos têm um sucesso parecido.:

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10479225?ordinalpos=6&itool=EntrezSystem2.PEntrez.Pubmed.Pubmed_ResultsPanel.Pubmed_DefaultReportPanel.Pubmed_RVDocSum

Quadro aqui:

http://www.ajcn.org/cgi/content/full/70/3/516S/T7

Estudo a favor de uma dieta mediterrânica com mais verduras e pouca carne (em Portugal come-se muita carne, para quem achar que por aqui se pratica uma dieta mediterrânica):

http://www.bmj.com/content/330/7498/991.full

Critica do livro “china Study” onde se refere que até o autor reconhece que os vegetarianos podem necessitar de suplementos de vitamina B12:

http://www.sciencebasedmedicine.org/?p=385

domingo, 12 de setembro de 2010

Até onde se pode ir para defender uma treta?

Aparentemente até a revistas com peer review como a Plos. Mesmo com um estudo sobre a plausibilidade da acupunctura laser, que não é nem sobre acupunctura, nem sobre  a plausibilidade do tratamento.

Acupunctura laser não é acupunctura, é apontar  laseres para a pele. A não ser que apesar de nem haver tecnologias para fazer agulhas finas, já houvesse para fazer lasers, na china e à milénios atrás (quando eles se vangloriam num "ad antiquitatem" típico de que a acupunctura é... velha). E depois, que o cérebro mostre sinais de receber essa descarga de fotões também não devia ser de estranhar.

Mas parece que isto é um estudo bom o suficiente.  Mesmo se nada se pode concluir com este desenho de estudo sobre a plausibilidade do tratamento.

Podia ser com cuspo, assobios, qualquer coisa que causasse uma resposta cerebral. Afinal é no cérebro que  os sentidos ganham sentido. Mas talvez os acupunctores não saibam disto. Apesar de saberem usar laseres.

Não é a primeira vez que a acupunctura infecta a literatura científica com  peer-review, nem será a ultima, mas estas coisas fazem-me o estômago andar à volta (mais um efeito da acupunctura? Imagino que era a conclusão que estes tipos tiravam se lessem isto).

Eu estou aonde a evidencia me levar. Mas há aqui duas coisas que não batem certo. Uma é a debilidade do desenho dos estudos aceites destas medicinas alternativas. Parece que começa a haver dois pesos e duas medidas tal como faz a população em geral: "Ah e tal, funciona com energias místicas, temos de tolerar tudo. E além disso é (suspense)  -tratamento holístico - ". Outra é a reciclagem das medicinas alternativas, neste caso a acupunctura, tal qual criacionismo mascarado de Desígnio Inteligente.

Já vi de tudo. Quando a acupunctura funciona pior que o controle (em que as agulhas não são espetadas) conclui-se que não é preciso espetar as agulhas para funcionar (o standard cientifico é que se não ultrapassa o controle/ placebo é ineficaz). Depois era a electroacupunctura, que também esta provado faz qualquer coisa. Duh!!!! São choques eléctricos, qual electroacupunctura. Claro que faz qualquer coisa. Faz muita coisa. E até pode ser bem usada. Chama-se electroestimulação e estava cá antes de ligarem as agulhas à corrente e lhe chamarem tratamento holístico. E ainda tenho aí outro post antigo onde mostravam como se podia juntar a acupunctura para ajudar o tratamento com opiáceos. (ver nas etiquetas - acupunctura).

Deixem-se de tretas para vender uma pratica disfuncional, fantasiosa e que devia ser uma relíquia do passado!

Agora é acumpuntura laser. Que faz qualquer coisa no cérebro. Pois faz. E se assobiares ou cuspires também. Vão-lhe chamar cuspacupunctura e sobiocupunctura?

Haja pachorra.

Descobri o dito estudo através do blog do Orac aqui:



E já agora aqui outro link para o debunk de outro estudo publicado numa boa revista:

http://www.sciencebasedmedicine.org/?p=6485

Isto de facto é preocupante. Há a invasão do meio científico com um sistema de crenças que não é plausível, não se encaixa com mais nada e esta a abrir caminho como um mantra, pela repetição das coisas e por apelos à popularidade, e não com estudos bem desenhados e com rigor cientifico.

Como disse, se se provar que a acupunctura é mais que placebo, eu passo a defender a sua prática. Estou onde leva a evidência. Mas não é isso que está a acontecer.




quinta-feira, 9 de setembro de 2010

E se os criacionistas tivessem razão pelo menos numa coisa?

E o problema é o ateísmo?

Stephen Hawking, o conhecido físico inglês disse que:

"Existe uma diferença fundamental entre a religião, que é baseada na autoridade, e a ciência que é baseada na observação e raciocínio - a ciência ganhará porque funciona" (1)

O presidente da Catholic League (2) , Bill Donohue respondeu que algumas religiões ignoram a ciência mas a religião católica não. Que até a privilegiava. (1) Deve estar a esquecer-se de 1000 anos de Idade Média, mas seja. A questão mais importante é outra. Nem a afirmação que faz acerca da importância pivotal que o homem tem no universo é o ponto mais crucial que vale a pena contestar veementemente.

É apresentar países como a China, a Alemanha (Nazi), o Cambodja e a antiga união soviética como prova de que "a ciência sem fé leva ao desastre"(1). Quanto muito poderia dizer que isto mostra que nações sem religião têm problemas, uma vez que isto não se refere a ciência mas a politicas. E depois, o problema nestes países não é a falta de religião. É a falta de liberdade e livre circulação de informação. É a prepotência dos seus regimes.

Existem várias linhas de evidência para justificar a minha critica:

1- A China tem (pelo menos) 30% de crentes religiosos (3), Hitler justificou o ataque aos judeus como um serviço a Cristo (4) e ele próprio se considerava Cristão. Existem religiões no Cambodja como seria de esperar. Sobra a União Soviética.
2- Dos países mais Ateístas do mundo, com menos de 35% de pessoas a responder que acreditam em Deus, estão a França, a Noruega, a Suécia, a Dinamarca, a Holanda, a Estónia e a República Checa. São todos  países do primeiro mundo.(5)
3- Imensos países com mais de 60% de crentes têm dificuldades económicas severas com pobreza e doenças difíceis de controlar. Na realidade parece que quanto mais crentes mais problemas têm. Até dentro de cada país as populações com mais criminalidade e miséria são as mais religiosas em regra. (6)
4- Inúmeras guerras ao longo da história foram cometidas em nome de um Deus. Mesmo hoje na China existem problemas violentos envolvendo Muçulmanos (propagar a fé com a espada?).(7), (8)
5- Existem inúmeros institutos científicos sem religião. E são os melhores em termos de resultados. "Funcionam" perfeitamente como diz o Stephen Hawking.
6- Os dois maiores dadores para caridade são os ateus Bill Gates e Warren Buffet.

Será que deixei o caso claro?

(4)Várias vezes o disse. A primeira registada é no Mein Kampf
(5)http://en.wikipedia.org/wiki/Demographics_of_atheism. Sei que o Japão também está cheio de ateus mas não encontro um link para mostrar. Para quem duvida da Wikipédia ver os mesmos números no eurostat 2005
(6) Existem muitos estudos. Deixo um dos primeiros que encontrei de um fenómeno bastante conhecido: http://i.imgur.com/kpb5A.png

Encontrei isto através do Fossa Céptica do comentador Skynet

PS: não consegui encontrar números de religiosos no Cambodja. Mas no CIA factbook registam a existência de religiões. 

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A astrologia.

A astrologia é uma pseudociencia, que entre outras coisas diz que o dia em que nascemos marca a nossa personalidade. E que todos os dias apenas 12 tipos de dia diferentes vão ser distribuídos por cada pessoa pelo mundo fora.Um tipo de dia, semana ou ano para cada signo em que se nasceu.

Dizem que os astros são os responsáveis por essa predeterminação mas a forma como influenciam as pessoas é tão bem conhecida como o processo que  Noé terá usado para manter uma higiene mínima a bordo da arca.

Por uma razão igualmente desconhecida, não é a fecundação o momento determinante (2).  Parece que o útero materno é capaz de proteger o feto das forças astrológicas, mas uma vez que se dê o nascimento, haverá uma tendência vitalícia para pertencer a um dos 12 tipos de estereótipos descritos (e que por sorte correspondem mais ou menos à personalidade dos deuses romanos que deram o nome a planetas), e uma tendência perpetua para ter um dia parecido com o das pessoas todas que nasceram quando o sol estava naquela posição. Quer seja por cesariana ou por parto natural .

Aparentemente podemos dispensar facilmente qualquer tipo de força conhecida, uma vez que da disposição das pessoas na sala de partos não é importante. Eu explico: A gravidade seria a única plausível. Mas apesar da massa do cirurgião e ajudantes resultarem em campos gravíticos muito maiores que o de Plutão ou Urano, por estarem muito mais perto apesar de serem muito mais pequenos, parece que Urano e Plutão influenciam  as personalidades e o destino estas pessoas não.

Além disso, segundo alguns astrólogos, (e sem que se formem consensos acerca de coisas básicas como acontece nas ciências verdadeiras),  quase todos os astros contam. O que levanta o problema da recente descoberta dos 3 últimos planetas do sistema solar (Úrano, Neptuno e plutão não eram conhecidos na antiguidade,  altura em que os defensores desta crença garantem que já andavam a fazer previsões certinhas )  da perda de ranking de plutão (que deixou de ser  planeta ainda mais recentemente) e da existência de milhares de outros planetas e estrelas pela galáxia fora que estes especialistas parece nunca terem ouvido falar. Porque pelos vistos Plutão é mais importante que as luas de Júpiter.  Já para não falar no resto.

Como não conseguem mostrar que haja uma relação consistente entre as suas previsões e as personalidades(1) das pessoas, ou o que vai de facto acontecer-lhes a cada dia ou semana(2), os astrólogos começaram a ser cada vez mais vagos nas predições e mais gerais na descrição dos esteriotipos.

Se se fizerem previsões muito vagas ou como ainda está mais na moda, se se derem  apenas derem conselhos, é bem provável que se consiga um "hit". Ao contrário, se a previsão for muito especifica, é muito mais difícil acertar. Por isso é só fazer previsões muito abrangentes e um "hit" algures está garantido. Depois é só contar com a tendência natural do cérebro humano para reparar nos resultados positivos ou nas confirmações e esta o sucesso garantido. Se eu disser, "durante esta semana tenha cuidado com a condução e aproveite para fazer uma coisa que anda a pensar fazer há muito tempo", certamente que soará muito bem num horóscopo, mas são realmente banalidades. Coisas que se acontecer algo minimamente parecido nos vai fazer recordar do que lemos, (mas não do que também lemos e não aconteceu) , e aceitar que a previsão se concluiu.


Uma coisa do género: "Esta semana vai ser atropelado  num semáforo se não reparar que esta vermelho para os peões." Isso sim, era algo não só realmente útil, como testável.

No entanto, no meio de todas as questões que eu aqui levanto, a mais importante a perguntar a um astrólogo é a pergunta do costume. Uma pergunta que eu ando a insistir que deve ser feita sempre e para tudo desde que iniciei este blogue. Que é: "Como é que se sabe isso?" E se a resposta for um apelo `a autoridade, ou à ignorância... É treta.



Eu sou Gémeos, dizem eles. Vejam só a disparidade de coisas que prevêem hoje para mim no mesmo site:

Em: http://astral.sapo.pt/

"Carta do Dia: 4 de Copas, que significa Desgosto.
Amor: Acarinhe mais o seu par. Plante hoje sementes de optimismo, amor e paz. Verá que com esta atitude irá colher mais tarde os frutos da alegria.
Saúde: Não deixe que o seu pessimismo o faça entrar em depressão"

" SAÚDE: Dia muito positivo; disporá de tempo e ideias para viver um dia sem preocupações
AMOR: O bem-estar é a tónica do dia; vai conseguir superar dúvidas e transmitir grande afecto.
DINHEIRO: Pode sentir-se desconfortável perante alguns factos ou críticas mas hoje nada realmente o poderá afectar
HORA MAIS PROTEGIDA: 13h às 15h"


 "É possível que haja uma maior possessividade nos relacionamentos de intimidade. Procure não sufocar as outras pessoas, caso contrário afastá-las-á."

Notas:

(1)http://www.imprint.co.uk/pdf/Dean.pdf
(2) http://www.astrosociety.org/education/astro/act3/astrology3.html#defense



Existem vários estudos  que mostram que as previsões (no sentido cientifico) da astrologia são acasos como os referidos na nota 2. A favor encontrei poucos e apenas os de Michel Gauguelin parecem merecer alguma atenção, embora os resultados sejam bastante disputados e criticados.  Segundo Michel Gauguelin algumas correlações positivas entre posições de astros e sucesso pessoal foram encontradas, mas diferentes das previstas pela astrologia tradicional.. A mais famosa será o efeito Marte cuja refutação cientifica ainda não foi conclusiva. Refere-se à identificação da posição de Marte em determinadas posições no dia do nascimento de atletas bem sucedidos. Michel Gauguelin começou a sua vida profissional procurando bases cientificas para a astrologia e foi mudando de posição ao longo dos anos, chegando a atacar frontalmente muitos conceitos base da astrologia como por exemplo os próprios signos.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A teoria da evolução e o ateísmo.

Como disse no post anterior, muitos cientistas pré-darwinianos eram não só teistas como eram criacionistas. Depois de Darwin quase todos os cientistas de relevo são evolucionistas, e muitos são ateus. Actualmente nas academias de ciências, os ateus proliferam entre os seus membros e mesmo entre filósofos profissionais essa parece ser a tendência.

A teoria da evolução parece-me ter sido o ponto de viragem. Na realidade a sua primeira vitima terá sido o próprio Darwin que conta que a sua crença em Deus se manteve durante quase todo o período em trabalhou na teoria da evolução. Segundo ele, foi gradualmente deixando de acreditar até ser completamente ateu na ultima fase da sua vida.

Os criacionistas costumam dizer que acreditar na evolução é consequencia de não se aceitarem acções de seres subrenaturais para explicar coisas  naturais. Mas como se pode exemplificar com o próprio darwin, o problema(para os criacionistas) não é esse. Podia acrescentar que a maioria dos catolicos, que aceitam deus como o criador, aceitam também a teoria da evolução.

O problema (para os criacionistas e crentes)  não parece ser o alegado materialismo acabar com a crença em deus. Parece-me mais ser a teoria da evolução provar a legitimidade de uma abordagem materialista e com isso levar a uma perda da crença em deus.

Mas ainda não é este o mecanismo principal pelo qual a evolução leva a descrença. Ha algo muito mais fundamental no pensamento teísta típico que é abalado... Porque a teoria da evolução refuta convincentemente o argumento de que as coisas relativamente evoluídas têm de vir de uma ainda mais evoluída. (Santo Agostinho)

Num universo onde existe um processo capaz de explicar como pode haver um ganho de complexidade sem a intervenção de seres conscientes e inteligentes, a necessidade de recorrer a Deus para explicar tudo cai por terra. Mesmo se essa tendência se mantém, (de atribuir intencionalidade a coisas aparentemente complexas, como se vê nos argumentos de "fine tuning"(1)  ), ela fica bastante debilitada com a demonstração de que o mais sofisticado pode vir do mais simples.

E se as crenças têm ao longo do tempo evoluído no sentido de permitir a perda de terreno para a ciência ao deixar de atribuir intencionalidade a  trovões, ventos, chuvas,  etc, aceitando que são fenómenos naturais devidos ao acaso, a verdade é que com a evolução o assunto é muito mais complexo.


Mesmo a religião católica (evolucionista) debate-se com o problema de ter dizer entre que dois seres pai e filho foi injectada a alma , um problema não só insolúvel teoricamente, como ridículo se não quiserem aceitar a hipotese de meias almas ou almas só mais ou menos imortais.  E também perde o argumento de que as coisas complicadas têm de ter um criador consciente. Não têm. A evolução mostra isso.

Se o processo evolutivo é inteligente em si é outra questão. Mas para já falta-lhe a capacidade de criar cenários e testar hipóteses em memoria antes de as por em pratica. Não é sequer capaz de determinar um objectivo. Não tem consciência, nem consciência da consciência como um ser humano. É no entanto um processo de tentativa e erro (mutação/selecção) tal como a aprendizagem humana.A analogia é tão profunda que existe uma teoria neurológica que explica a inteligencia como um processo evolutivo ao nível da sinapse. O Darwinismo neural.


Mas isso fica para outro dia

(1)O "fine tuning " é o argumento mais moderno de atribuição de intencionalidade a observações e  factos complexos. Mais actual mas a falacia é a mesma  de quando chamavam Zéfiros ao vento e atribuiam a tempestade a Thor (ou a chuva a S Pedro).  O universo e particularmente o nosso sistema solar parecem ter sido criados para ter vida inteligente. Parecem. Mas a verdade é que na quase infinidade de planetas da galáxia e na quase infinidade de galáxias do universo é de esperar que haja seres a interrogarem-se pela sua aparente afinação para a vida inteligente, precisamente nos planetas onde a vida inteligente pode surgir. E se é possível haver universos diferentes com outras constantes é de esperar que a vida inteligente surja a questionar a aparente afinação para a sua existência apenas nos universos onde pode existir. Dizer depois que existirem universos onde pode haver vida inteligente prova a existência de Deus explica tanto como dizer que uma pêra cai da árvore porque é a sua tendência natural.Tal como disse, desde a teoria da evolução temos um exemplo de que as coisas que parecem complexas não precisam de outras mais complicadas para as explicar. Pelo contrário. Se a complexidade requer explicação então postular a entidade mais complexa que é possível conceber para explicar essa complexidade é como lavar nódoas com agua ainda mais suja.

Sobre o Criacionismo

O criacionismo é uma descrição mitológica da história natural com origem no médio oriente, cerca de 1400 a.c.Existe uma pequena variação entre as varias versões desta mitologia, dependendo do grau de literalismo com que se interpreta a sua fonte original, o Genesis, mas caracteriza-se por uma crença forte na criação  de todas as especies por deus e num curto espaço de tempo (uma semana). O desaparecimento da maioria das especies é explicada pelo diluvio. (Portanto na arca iam dinausauros e uma quantidade enorme de animais de todos os tamanhos e formas imaginaveis mas que depois se provou haver só um casal não ser suficiente para dar continuidade à espécie. )

O criacionismo foi uma explicação relativamente plausivel para a diversidade e biologica até Darwin ter surgido em cena e ter proposto uma teoria muito mais consistente e completa, não incluindo no entanto a necessidade de recorrer a intrevenção divina, o que lhe conferiu uma impopularidade cronica no meio religioso.

Por isso, até Darwin, muitos cientistas eram realmente criacionistas, como por exemplo Galileu, Newton ou mais relevante para o caso, Linaeus. É eventualemente discutivel se devido à forma como Lineus enquadrou o criacionismo, num "slogan" ainda hoje  repetido pelos criacionistas (explicar as homologias  anatomicas com o argumento de terem  uma origem comum,  atribuido não a um processo mas a uma entidade divina- mesmo criador para todos) , se se deverá considerar o criacionismo como uma teoria cientifica desacreditada e não apenas uma crença.

É mais frequentemente classificada como pseudociencia devido a partilhar com estas varias caracteriricas como a procura de factos cientificos que se encaixem nas suas afirmações ,ignorando todos os outros.


Em muitos paises o criacionismo e o Designio Inteligente são muito populares nos dias de hoje entre Cristãoes e Muçulmanos. Quase metade dos norte  americanos defende a crença como sendo real.



 A comunidade cientifica actual regeita completamente o criacionismo, e a evolução é para todos os efeitos um facto para o qual o modelo evolutivo cientifico é a melhor explicação. Mais do que haver uma explicação melhor, existem pelo menos 4 linhas de investigação diferentes que mostram que houve evolução. Bastava uma. Mas é espantoso que se cheguem exactamente  às mesmas conclusões para onde quer que se olhe.


Estou a referir-me a:
1- estatigrafia e paleontologia- Não se encontram misturas de fosseis entre os estratos que se apresentam sempre na mesma ordem. Não há excepções Tanto os estratos estão sempre na mesma ordem onde existam todos, como os fosseis la encontrados estão sempre na mesma ordem. Daí a famosa afirmação de que bastava um coelho num estrato cambrico para refutar a evolução.  A estatigrafia aparece consolidada ainda pela datação radiometrica e dendrocronologia. E a paleontologia pela morfologia anatomica dos fosseis que mostra uma gradação. Todos os fosseis são formas intermedias entre  outras duas formas. A estrategia criacionista é ver a cada forma intermedia encontrada uma nova lacuna de cada lado, como se quanto mais formas intermedias houvesse menos nós sabiamos. O criacionismo explica isto como sendo  causado pela susceptibilidade ao diluvio, morrendo uns primeiro que os outros. Mas essa susceptibilidade ser absoluta não faz sentido nenhum. Seria sempre uma coisa estatistica em que apareceriam excepções, nem que fosse acidente.
2-  Genética e bioquimica - as mutações quando aparecem não são boas nem más. Isso só o teste na natureza dirá. Por isso é de esperar que haja um acumular de mutações neutras, que não têm efeitos visiveis, em todos os seres vivos ao longo do tempo. Porque se são neutras não são eliminadas pela seleção natural. Mas também não se vêm se não usarmos tecnicas sofisticadas de investigação molecular. E elas estão la. É de esperar ainda que quanto mais afastadas duas especies são, mais mutações neutras diferentes acumulem entre si. E isto acontece praticamente sem excepções.
3- Taxonomia e distribuição geografica. Se os animais não evoluiem mas têm a sua distribuição geografica  dada pela saida da arca de Noé no fim do diluvio, a distribuição geografica das familias devia ser homogenia. Mas aparentemente todos os marsupiais decediram ir para a autralia. Desde os minusculos aos grandes como o canguru. Isto é mais facilmente compreendido se admitirmos que descendem todos de um marsupial original
4 - anatomia comparada - embora na altura de Lineu fizesse algum sentido a máxima "mesma forma, mesmo criador" ou a defesa de algo como uma marca pessoal do artista, para explicar as homologias hoje  sabe-se demais para isso fazer sentido. Por um lado não há mistura de "peças" como por exemplo penas em mamiferos ou asas de morcego nos insectos. Por outro ha estruturas vestigiais como o que resta dos pés das baleias que não fazem sentido estar la a não ser que o criador tenha um sentido de humor bastante humano. Mas voltando atraz, a verdade é que se deus criou as especies, so pela analise da morfologia anatomica, somos levados a concluir que ele o fez evolutivamente, passando de uns para os outros gradualmente.Não existem mosaicos quimericos. E que depois decidiu afogar a maioria, mas isso é outro problema, admito.Os Criacionistas dizem que isso se explica porque deus seguiu temas e portanto quando estava a fazer um bicho não podia sair fora do tema e ir buscar soluções que estava a usar noutro no mesmo preciso instante. Porque se não for no mesmo instatnte estamos a falar de evolução. E isso não pode ser. Mas que a melhor explicação para algo como os "temas" é a evolução não sobram duvidas. Quem tiver olhos que veja.


Há ainda uma outra linha de argumentação muito importante que emerge destas 4 quando usadas em simultaneo. É que contam todas a mesma história natural, com mais lacuna menos lacuna. Onde se intersectam, encaixam como as peças de um puzzle.Quais eram as probabilidades de ser por acaso que os fosseis dos estratos mais recentes, tivessem os animais morfologicamente  mais recentes e cujos previstos parentes vivos tivessem o menor numero de mutaçãoes neutras entre si comparando com os que seriam de prever serem mais afastados pelo estudo taxonómico? Zero.  Ou proximo disso. A probabilidade é a mesma de haver um deus que  criou tudo de modo a que pareça que houve evolução mas sem ter havido. Como se não quizesse que ninguém acreditasse.

Como o criacionismo nasce da interpretação literal do velho testamento existem muitos Cristãos que aceitam a evolução, considerando que a Biblia deve ser interpretada em um contexto da epoca.

Não tenho explicação para o facto de os criacionistas considerarem que a terra é redonda, mas isso é um problema deles. Porque não é isso que dá a entender o que diz na biblia. Nem como é que aceitam que o geocentrismo é falso.