quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Sobre o anti-materialismo actual

“O Discovery Institute’s Center for the Renewal of Science and Culture procura nada menos do que derrubar o materialismo e o seu legado cultural.” (1)
Esta frase foi retirada do chamado “Wedge document”, do Discovery Institute, que é o responsável pelo suporte à versão moderna do criacionismo que é o dito “Intelligent Design”(2).

Como se pode ver pela frase acima, o ataque ao modelo evolutivo, isto é, à Teoria da Evolução, é apenas um primeiro passo, da estratégia neste documento delineada. O objectivo é, explicitamente, derrubar o materialismo e o seu legado cultural.

O que é então o materialismo? O materialismo é um conceito dos primórdios da ciência, que exprimia a noção de que a matéria é tudo o que existe. Hoje nenhum cientista defende esta ideia, de que o universo é feito apenas de matéria, por isso tenho de introduzir uma explicação sobre o que é o materialismo, pelo menos que sirva para explicar de que é que estamos a falar e o que a estratégia do W.D. significa.

O Discovery Institute não deixa duvidas de que é que esta a falar. Podemos perceber por esta citação: “(…) pensadores como Charles Darwin, Karl Marx, e Sigmund Freud, representaram os seres humanos não como entidades morais e espirituais, mas como animais ou maquinas que habitam um universo regido apenas por forças impessoais e cujo comportamento e mesmo pensamentos são ditados pelas forças indobráveis da biologia, química e o ambiente.” (1). Independentemente das muitas objecções que poderiam aqui ser levantas, fica claro a que é que eles se referem como materialismo. É à ciência. Porque?

Na raiz da ciência está a metodologia que é usada para criar conhecimento. Essa metodologia implica uma versão moderna de materialismo e naturalismo. Como já disse, claramente que o universo não é só feito de matéria, por isso o materialismo terá de ter uma definição mais alargada. Só isso, por si, é um assunto de extenso debate entre os filósofos da ciência (3). Mas de um pondo de vista funcional, o materialismo é o que permite à ciência procurar respostas e criação de conhecimento através da experiência da realidade. Diz que as causas e as consequências podem ser encontradas no mundo físico. Diz que o objecto da ciência é testável, isto é, que podem ser postas em causa hipóteses que são ou não comprovadas pela experiência. Na realidade, o materialismo tem uma relação estreita com empirismo. Opõe-se conceptualmente ao dualismo (4), que é a crença que determinadas coisas, explicitamente a mente, estão para além do mundo físico, da natureza e que como tal não são testáveis. Um método (se existir) que assente no pressuposto que há determinadas coisas que não são testáveis, não é científico no sentido em que não permite fazer previsões, nem falsificar teorias. Porque não é passível de se submeter a uma experimentação sistemática.

Independentemente de que se o materialismo e a metodologia naturalista são “a verdade”, pura e simplesmente, não é possível incorporar o dualismo na ciência. E é isso que, nada ingenuamente, estes senhores se propõem a fazer. Acabar com a ciência. Não é possível aceitar o carácter empírico da ciência e simultaneamente incorporar conceitos não empíricos dizendo que isso é ciência. Que é o que o “Wedge document” defende (1).

Não é por isso de estranhar que os ataques mais recentes tenham sido feitos na área da Neurobiologia (5), uma vez que esta procura explicar a mente com base no estudo do cérebro. Sobre este assunto, considero muito interessantes os posts do neurologista Steve Novella, no seu blogueNeurological”, de que vou citar parte da conclusão:

“Confundem naturalismo metodológico, que na prática significa que “natural” é o que quer que seja susceptível de investigação cientifica, com uma lista à priori de fenómenos naturais aceites, tudo o resto sendo excluído – mas não existe tal lista. Os argumentos antimaterialistas são um elaborado engano (facilitado por confundir a terminologia filosófica) que tenciona quebrar as regras da ciência para permitir crenças ideológicas não testáveis. Esta luta teve lugar já há muito tempo e as regras actuais da ciência são o resultado. Os anti-materialistas simplesmente não gostam da visão do lado perdedor.”(6)



Saber mais; referencias:

(1) Wedge document :http://www.antievolution.org/features/wedge.pdf
(2) Wikipedia, “Wedge document” :(http://en.wikipedia.org/wiki/Wedge_document)
(3) Wikipedia, materialism: (http://en.wikipedia.org/wiki/Materialism)
(4) Wikipedia, dualismo, (http://en.wikipedia.org/wiki/Dualism_(philosophy_of_mind)
(5) New scientist, criacionistas declaram guerra ao cerebro, (http://www.newscientist.com/channel/being-human/brain/mg20026793.000-creationists-declare-war-over-the-brain.html)
(6) Neurological em : (http://www.theness.com/neurologicablog/?p=406#more-406)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Em busca da Matéria-Energia Negra

Quando o Einstein verificou que a teoria da relatividade descrevia um universo ou em expansão ou em contracção sentiu-se obrigado a corrigir a teoria com uma nova constante, a que chamou a constante cosmológica. Não muito tempo depois Hubble, encontrava evidência experimental de que o universo se estava a expandir. Einstein considerou então a introdução da constante cosmológica como o maior erro da sua vida.

Mas actualmente existe uma tendência crescente para a reincorporar na teoria. É que se juntam cada vez mais dados a apontar que o universo não está só a expandir-se. A velocidade com que se expande está a acelerar. Só contando com a gravidade a previsão é de que esta leve a um desaceleração, devido à atracção entre as massas. Mas o problema não fica por aqui. Também se suspeita há muito que determinados “buracos” no espaço tenham de estar preenchidos por massa, apesar de ela não ser vista. A confirmação é feita por cálculos matemáticos nos objectos circundantes. Falo da matéria negra. Pensa-se que a energia-matéria negra seja responsável por ¾ da constituição do universo. E pensa-se também que a energia negra será responsável pela acção anti-gravítica que leva a aceleração da expansão. Pensa-se. Nada disto está provado. Está-se a tentar reunir a máxima quantidade de informação possível. Mas a constante cosmológica começa a ser vista como uma necessidade para descrever estes achados.

Quando uma supernova explode o seu brilho é constante. E quanto mais longe menos brilha. Por isso os astrónomos apoiam-se na observação de supernovas distantes e nas variações do seu brilho para determinar a acção da energia negra na aceleração das expansão do universo.

Um outro processo que foi iniciado mais recentemente é o estudo da distribuição das galáxias no universo no inicio dos tempos, através das microondas da radiação de fundo. É de esperar que as observações mostrem este mesmo jogo de forças entre força gravítica e proveniente da energia negra na formação e desagregação de grupos de galáxias. Se tal não acontecer vai ser preciso repensar o problema todo do princípio.

Um artigo na Nature de ontem revela que o Telescópio do Pólo Sul descobriu mais 3 “clusters” de galáxias através do estudo da radiação de fundo. Muitos se seguirão.
Não é raro ver referido o problema da matéria e energia negra como uma das mais pertinentes questões em aberto da fisica actual.

Aqui fica o Link para o artigo original em Inglês que refiro:
http://www.nature.com/news/2008/081013/full/455843a.html

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Turing Test

O matemático e pioneiro das ciências da computação, Alan Turing, em resposta à pergunta "Podem as maquinas pensar", descreveu em 1950 num artigo intitulado "Maquinas Computacionais e Inteligência" aquilo que ficou conhecido como Teste de Turing. Baseado no facto de que as pessoas são inteligentes, diz ele, se um computador se conseguir fazer passar por humano num dialogo com uma pessoa, então esse computador é inteligente. Na pratica ele propôs que houvesse um júri que tivesse de distinguir consistentemente entre um computador e uma pessoa que estivessem noutra sala e com quem só pudesse contactar através de dialogo escrito.
Desde 1990 que o Loebner prize é atribuído à maquina que melhor pontue no teste de Turing. Algumas regras tiveram de ser aliviadas e outras apertadas para que se pudesse transformar o teste numa competição estimulante entre programadores. Este fim de semana foi atribuído o prémio do vencedor de 2007 ao Elbot da Artificial Solutions. O Elbot conseguiu enganar 25% do júri humano, o máximo até agora conseguido. Uma conversa do Elbot com um jornalista da New Scientist pode ser lida aqui: http://technology.newscientist.com/article/dn14925-almost-human-interview-with-a-chatbot.html?DCMP=ILC-hmts&nsref=news4_head_dn14925.
Apesar de reconhecer mérito na programação acho que os 25% que se deixaram enganar deviam estar distraídos. O Elbot, que segundo o programador tenta ser mais humorista nas respostas que dá em relação aos seus rivais, na realidade funciona como todos os programas antes dele. De um modo geral identifica palavras chave, e devolve um texto pré preparado de acordo com elas. Pode estar mesmo preparado para um grande numero de perguntas definidas concretas, a que responderá da mesma maneira com um texto programado. Lembro-me de uns anos (10?)brincar com um programa freeware de nome Isaac que fazia isto mesmo e permita a qualquer um continuar a acrescentar respostas pré-fabricadas até ao infinito. Se esse programa tivesse continuado a ser melhorado a um nível como o que beneficiou a Wikipédia penso que por esta altura seria um vencedor do prémio Loebner.
Na realidade, mais tarde ou mais cedo aparece um programa capaz de deixar na duvida uma esmagadora maioria do júri. Mas isso quer dizer que temos uma maquina inteligente? A resposta é sim. O que não temos ainda é uma maquina consciente. Pelo menos consciente de que é inteligente.
A Inteligência Artificial é uma área em desenvolvimento nas ciências da computação com inúmeras aplicações reais desde jogos de computador a sistemas de diagnóstico médico. Os computadores são capazes de reconhecer padrões e seguir algoritmos de decisão. Tenta-se fazer engenharia reversa do cérebro humano e se bem que uma Inteligência Artificial Forte, ou Inteligência Geral, semelhante à nossa, ainda não exista, penso que em breve será quase impossível dizer a diferença (em versões aperfeiçoadas e longas do teste de Turing?). Uma aproximação tipo "caixa preta", baseada em respostas, vai ser insuficiente para julgar, vamos ter de ver o que é que a maquina está a fazer a nível interno para concluir correctamente.
quem diga que para conseguir certas capacidades e propriedades da Inteligência Geral é preciso que as maquinas ganhem consciência e vontade própria. Mas arrisco-me a dizer que antes de ganharem consciência vai haver muita gente capaz de apostar a vida em como elas são conscientes. E vão ser muito inteligentes antes de ganharem consciência. Que penso, é também uma questão de tempo. A quantidade extra de processamento ainda necessária a somar aos computadores actuais para que eles possam ter consciência de que têm consciência, ( que a consciência é ela própria uma autoconsciência), é que eu penso que ainda é consideravelmente elevada. Provavelmente muito elevada mesmo. Já para não falar que se tomarmos o ser humano como exemplo vamos precisar de um sistema misto (Cérebro e corpo nos humanos. Precisamos dos dois para aquilo que chamamos pensar).
E agora se este texto ainda andar pela Internet quando ela aparecer aqui fica a minha mensagem de Boas Vindas.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Candidatus Desulforudis audaxviator

A vida tem uma capacidade adaptativa que não para de surpreender. Vem-me à memoria a frase do Jurassic Park de Michael Crichton, acerca do facto de só haver fêmeas, “Life will find a way (to reproduce)” ou seja “a vida há de encontrar uma solução (para se reproduzir)”. Depois de encontrar vida a temperaturas elevadíssimas junto a fontes termais subaquáticas, parecia que não faltava descobrir mais nada que ainda pudesse surpreender. Mas eis que numa mina de ouro da África do sul, a quase 3000metros de profundidade, sem luz, sem oxigénio, sem matéria orgânica de qualquer espécie e numa agua que não vê a superfície há milhões de anos se encontra um ecossistema de um único ser vivo.
A bactéria D. Audaxviator vive do urânio radioactivo presente, usa amónia dissolvida a partir das rochas e é capaz de a produzir se for preciso a partir de azoto inorgânico, é capaz de esporular para se proteger da adversidade e não usa oxigénio. Nem luz solar.
O genoma da bactéria foi analisado e muitas funções foram caracterizadas através do conhecimento que se ganhou através do estudo de outros genomas. Por se ter descoberto a função de muitos genes anteriormente pode-se muito mais rapidamente conhecer uma serie de funções da D. Audaxviator.
A D. Audaxviator responde assim afirmativamente a questões sobre se a vida seria possível em sítios sem Sol e sem qualquer espécie de alimento de origem orgânica. Isto torna mais plausível encontrar vida em Marte ou noutros planetas. Pelo menos é o que acham os Astrobiologistas.
O que eu penso é que para aparecerem este tipo de organismos, tem de haver já uma biblioteca de DNA ou RNA vasta e cheia de recursos, para depois com “apenas” alguns “acrescentos” se conseguir uma D. Audaxviator. O que ela não é, em toda a sua singularidade, é um membro isolado na árvore taxonómica da vida. É uma bactéria, tem RNA, vive em meio aquático e partilha genes com outros micróbios, inclusive do grupo archae. Aparentemente, e de acordo com o que sabemos, uma vez que ainda não foi encontrada vida noutros planetas, é que talvez a vida precise de condições mesmo muito especiais para surgir, mas uma vez que isso aconteça, a sua capacidade invasiva é elevada. Acredita-se que toda a vida existente sobre a Terra provem da mesma primeira entidade viva. Esta bactéria não representa nesse aspecto uma excepção.
A minha questão é: se a vida na Terra prova ser tão adaptativa aos mais incríveis ambientes, e aparece em quase todo o lado, porque não é tão fácil encontra-la ou pelo menos ter sinais dela noutros planetas? Eu acredito na possibilidade quase certa de haver mais vida algures no universo e em doses galopantes como aqui. Mas a cada descoberta nova da omnipresença da vida no nosso planeta me faz suspeitar mais da existência de vida em lugares onde não se vê o mínimo indicio. Eu sei que é preciso mais investigação e uma série de hipóteses para explicar este facto são possíveis, mas conclusões de que esta bactéria suporte a existencia de vida extraterrestre parecem-me especulativas. Repito, diz muito acerca da capacidade adaptativa, mas nada acerca das condições de origem.
Já agora, onde vamos descobrir a próxima? A viver na lava?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Sobre o consenso científico

O consenso científico pode ser explicado como o conjunto de teorias ou teoria que a maioria de cientistas de uma determinada área suporta como sendo as melhores nessa mesma área, num dado momento. É aquilo em que quase todos os especialistas de um determinado assunto acredita. Como a ciência evolui, também o consenso científico evolui.

O consenso científico não faz no entanto parte do método, e não é um critério usado dentro do meio especializado para concluir sobre a validade ou não de uma questão. A ciência procura substanciar-se nos factos e se por vezes a interpretação obriga a debate intenso, não se procura chegar a um veredicto por meio de votação, mas sim através de revisão dos factos, argumentação racional, revisão de artigos e metodologia, procura de novos factos, reprodução de experiências anteriores, etc., dependendo do caso particular em questão. Apesar de haver cada vez mais critérios objectivos para determinar o sentido que a ciência esta a levar e do que é que corresponde ao consenso, tais como sondagens, revisão de artigos, a elaboração de rankings das publicações e de artigos, assim como dos próprios autores (um Físico por exemplo, sobe no ranking de acordo com o numero de citações que os seus artigos têm), o valor do consenso cientifico não é consensual.

É na divulgação e educação que o consenso científico ganha uma importância fundamental. A ciência cresceu de tal maneira que requer dedicação exclusiva para conhecimento profundo e compreensão clara de muitos conceitos. Em quase todas as áreas, para além de um conhecimento de base multidisciplinar, ao aproximarmo-nos dos desenvolvimentos mais recentes, a complexidade e quantidade de informação podem ser simplesmente avassaladoras. Não quero dizer que uma pessoa qualquer não tenha oportunidade de se interessar por um tema e compreende-lo, na realidade eu acredito na divulgação científica, mas dificilmente terá qualquer coisa importante a dizer sobre esse assunto se não pertencer ao meio. Acontece que uma pessoa que se tenha especializado ao longo de 30 anos num determinado assunto, podendo até ser muito bem informada, não passar de um leigo quando começa a comparar a sua “expertise” em outras áreas, com aqueles que a ela dedicam todos os seus esforços. E vice-versa. O meio cientifico reconhece isto, por isso surgiu a pratica do “peer-review”, - a revisão dos artigos a publicar pelos pares (da mesma área) e não por qualquer um só porque trabalha em ciência. Mas tal não é de surpreender. Como o povo diz: “cada macaco no seu galho”. Qual é a probabilidade de uma equipa amadora de futebol ganhar ao Benfica ou ao Sporting? Ou a de um iniciado ganhar a um grande mestre de xadrez? Ou de um piloto de formula 1 ganhar os 100 metros nos jogos olímpicos?

Existem sempre vozes discordantes na ciência, e “consenso científico” não é “unanimidade científica”, mas para quem está de fora e é um leigo em determinada matéria, tem mais probabilidade de acertar se se guiar pelo que pensam a maioria das pessoas que se dedicam a essa matéria do que se seguir as vozes discordantes. Se uma determinada revisão de artigos (meta estudo) leva a uma conclusão e depois vem outra independente e chega à mesma conclusão, e depois outra, sucessivamente convergindo num resultado, é mais provável que esta esteja correcta do que a hipótese a ela contrária. Já para não falar que é possível comprar, pressionar, etc., alguns cientistas e estudos, mas é muito mais difícil forçar uma maioria a chegar a um consenso predeterminado.

Claro que ao longo da história da ciência houve muitas ocasiões em que o consenso científico se provou errado, mas voltas de 180º e reversões totais são raras. Um bom exemplo será a teoria da deriva dos continentes que quando foi proposta foi muito mal recebida. Demorou cerca de 50 anos até ser aceite que os continentes se estavam a mover e que América, Ásia e Europa tinham sido um único continente, denominado actualmente Pangeia. Também não ajudou que o proponente desta teoria tivesse tentado explicar este movimento como consequência da força centrífuga proveniente da rotação da Terra. O conceito de placas tectónicas viria muito mais tarde. O que se passa na prática é que quando há uma mudança muito radical na visão do mundo, podemos ter de esperar que uma geração nova de cientistas substitua a anterior para o novo conceito pertencer ao consenso. Estas mudanças de paradigma, como têm sido chamadas, não são de qualquer modo o dia-a-dia da ciência. E não é razoável o observador comum esperar que estejamos sempre à beira de um.

(Um pequeno aparte: Para este blogue é uma das directivas que sigo, fundamentar-me no consenso científico, pois numa ciência que cada vez menos se baseia na autoridade, se realmente esta existe, só pode ser a representada pelo consenso. Em jeito de brincadeira pensei por o seguinte aviso no cabeçalho: “As opiniões manifestadas neste blogue não são, de um modo geral, responsabilidade do autor. Essa responsabilidade é dos cientistas das áreas em questão.”)

Isto não quer dizer que mesmo para a divulgação ao publico mais geral não se devam apresentar teorias concorrentes. Não pode é ser o ponto de partida. Para cada argumento ou teoria, como os tribunais americanos descobriram há luas atrás, existe sempre um especialista disposto a defende-la. Apresentar teorias alternativas, sobretudo emergentes, é uma mostra da dinâmica da ciência, e não representa dano em nenhum sentido se for mantida dentro de contexto. De qualquer modo, pelas razões acima referidas, explicar o que é consensual tem muito mais valor, e acerca disso posso dizer que há consenso. Como disse antes é na divulgação e educação que o consenso cientifico mais tem importância.

Também não quero dizer que se deva abdicar do sentido critico. Existem mesmo casos em que o sentido crítico pode colocar um alerta razoável em cima do consenso científico. Neste sentido há algumas questões que podem ser consideradas como por exemplo: Qual é a força desse consenso? A maioria é por uma pequena margem? Existe um “quase consenso” acerca da teoria oposta? Houve uma declaração de consenso obviamente prematura, antes de se saber exactamente a opinião da maioria? O consenso é um facto ou não (baseia-se em que? Sondagens, revisão sistemática de artigos ou declarações unilaterais à procura de reconhecimento)? E se não houver consenso? Bem, nesses casos eu direi que a probabilidade de se ter uma opinião correcta sendo divergente do consenso aumenta, sobretudo no último caso, mas a constatação de que estamos num destes cenários deve ser abordada com cautela e muita pesquisa. E a verificar-se não vejo outra solução que não seja deixar a comunidade específica a resolve-la, e acompanhar o processo. Claro que opiniões podemos sempre tê-las, mas podem não passar disso.
Continuação sugerida:

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Truque ou Tratamento?

O livro Trick or Treatment prometia dar que falar desde antes de ser editado. Edzard Ernst, é o único doutorado em medicinas alternativas ou complementares em Inglaterra e chegou mesmo a praticar Homeopatia. Tem publicado frequentemente e pertence à Universidade de Exeter em Inglaterra. Em conjunto com Simon Singh, um escritor científico premiado, doutorado em física, escreveram o livro que em português se chamaria "truque ou tratamento" em que fazem uma revisão das medicinas alternativas e complementares (MAC) e dos estudos existentes sobre elas.

Dedicam algo ironicamente o livro ao príncipe de Gales porque este tem pedido insistentemente que se façam mais estudos sobre as MAC. Charles (Príncipe de Gales), publicou mesmo o seu guia de medicinas alternativas com conclusões bem diferentes.

Não tendo tido ainda a hipótese de ler o livro, parece que as conclusões a que os autores chegam é que as MAC, de um modo geral, não fazem nada e podem até ser perigosas.
Deste site: http://www.sciencebasedmedicine.org/?p=195 de onde colhi a maior parte das informações que aqui deixo, traduzi um pequeno excerto da conclusão do livro:

"enquanto que existe alguma evidência que a acupunctura possa ser eficaz em algumas formas de alívio da dor e náusea, falha em trazer qualquer benefício médico em qualquer outra situação e os seus conceitos de base não têm significado nenhum. Em respeito à homeopatia, a evidência aponta para uma indústria farsante (bogus) que oferece aos pacientes pouco mais que uma fantasia. Os quiropráticos, por outro lado, podem competir com fisioterapeutas em termos de tratar alguns problemas de costas, mas todas as suas outras proclamações vão para além do verosímil e podem acartar um leque significante de riscos. A medicina herbal sem dúvida que oferece alguns remédios interessantes, mas estão em minoria significativa entre os medicamentos desaprovados, não-provados e mesmo perigosos desta medicina que se encontram no mercado."

Ernst actualmente oferece 10.000 Libras por um estudo cientificamente controlado em que mostre que a homeopatia é melhor que o placebo.

Quando perguntaram num programa a Edzard Ernst se ele achava que se devia dar algo a um doente só pelo efeito placebo, ele respondeu: " se o paciente souber".

Simon Singh foi processado pela Associação Quiropráctica Britânica no passado por um artigo que os acusava de saber que estavam a agir incorrectamente. Este livro é como uma pedra no charco devido à credibilidade dos autores. O livro tem recebido boas críticas no geral excepto junto da comunidade MAC que tem feito comentários agressivos.

Penso que se tornará numa leitura obrigatória para médicos, doentes e interessados. Ainda não está publicado em Portugal.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Medicinas Alternativas e as outras.

O problema do doente é haver demasiada escolha e demasiada gente a dizer o que decidir.
Existem actualmente várias práticas com objectivos terapêuticos que se apresentam no mercado como sendo a solução certa para o tratamento e cura dos mais diversos quadros clínicos. Claro que a última palavra sobre a realidade de tantas afirmações diferentes cabe à natureza.
Experimentar e ver o que acontece é como perguntar directamente ao corpo o que é verdade e o que não é. Mas devido à complexidade do organismo, uma relação de causalidade, ao contrário do que o senso comum pode indicar, é difícil de estabelecer. Relatos individuais, mesmo bem documentados, não têm qualquer valor preditivo. Porquê? Por várias razões; por exemplo, a patologia em questão pode ter seguido apenas o seu curso normal e uma eventual melhoria ser erradamente atribuída a um determinado remédio. Isto porque uma boa parte das doenças são, felizmente, auto-limitantes, isto é, passam sozinhas. Ou imaginemos, pelo contrário, que o doente até piorou. Podia ser simplesmente alérgico ao remédio, um caso individual, e afastar do mercado um princípio activo promissor. Não só os efeitos secundários como a resposta terapêutica têm uma variação individual que requer atenção. Não é sempre tudo ou nada. E depois, temos sempre de ter em conta o efeito placebo.
Com o placebo é feita a tentativa de imitar o acto terapêutico em tudo. Em tudo, excepto no factor que queremos saber se faz diferença ou não. Por exemplo, comprimidos só feitos de excipiente. Chama-se estudo cego se o paciente não sabe que o que está a tomar é só placebo e duplamente cego, se nem o terapeuta sabe se o que está a dar ao doente tem princípio activo ou não. Resumindo, este tipo de estudos requer uma amostra estatística elevada, ou seja, muita gente, controle com placebo, e claro, documentação rigorosa de tudo. É por isso dispendioso e demorado, já para não dizer que são precisos muitos estudos para avaliar toda uma nova área, por várias razões. É de esperar que alguns estudos se mostrem divergentes nas conclusões, mesmo se não têm falhas de rigor, concepção ou credibilidade. Depois, alguns estudos vão ter mesmo falhas de rigor, concepção e credibilidade (actualmente é feita uma pesquisa aos interesses pessoais dos autores). Passa-se finalmente, por estas razões, aos meta-estudos, que são estudos baseados em outros estudos. Por tudo isto já vemos que fazer perguntas à natureza nesta matéria é complicado. É complicado perguntar e exigente compreender a resposta. Mas está a ser feito.

Entretanto o problema do doente, que consiste em querer o melhor para a sua saúde e não saber como escolher, persiste. Qual a conclusão a que chegam a maior parte dos ensaios (que respeitam as características explicadas acima e publicadas em revistas com "peer-review")? Em que sentido apontam? Pode e deve pesquisar os resultados destes estudos; claro que vai ler algumas afirmações contraditórias, mas a informação vai crescendo de dia para dia e sendo cada vez mais precisa. Mas também se pode queixar que não está acessível aos doentes (artigos que são pagos e restritos a determinadas profissões); que não estão escritos de forma acessível (destinam-se ao meio Médico-Farmacêutico); que demora muito tempo pesquisar (são já uma grande quantidade deles). Por isso o doente (ou potencial doente), não podendo ler todos os artigos, vai ter de ter um olhar crítico sobre tudo o que realmente leu, sejam artigos escritos por uma personalidade famosa no jornal ou de um anónimo na internet. Porque se estiver doente, e tiver de ser tratado, pode ter de tomar uma decisão e ir a algum lado. A minha opinião: pesquisa e sentido crítico.
Existem então alguns pontos fulcrais que vale a pena mencionar. Coloquei sob a forma de 5 perguntas, os aspectos mais pertinentes, que apenas servem para aguçar o espírito crítico, concretamente:
1 – É uma prática regulada?
2 – Necessita da existência de novas entidades para explicar como funciona?
3 – Utiliza conceitos que só existem dentro do seu próprio sistema de teorias?
4 - Baseia a sua afirmação de eficácia em testemunhos individuais ou em testes controlados com amostras estatisticamente validas?
5 – Existem dados sobre o risco que pode representar para si submeter-se à sua prática? O que dizem?
A razão de ser de cada uma destas perguntas:
1 –Existe uma entidade reguladora ou cada um faz como bem entende? Em existindo é um sinal de coerência interna e de segurança. Uma Ordem ou associação do género, regula o que é a boa prática e impede que qualquer pessoa se auto-proclame competente ou especialista nesse ramo. É também uma organização a quem se pode queixar se alguma coisa correr mal.
2 – É a aplicação da Lei da Parcimónia ou Princípio de Occam. As entidades não devem ser multiplicadas para além do necessário. Ou parafraseando, não deve ser preciso usar uma nova entidade ou pressuposto, para o que puder ser explicado sem ele. (exemplo de entidades: as células, Ki; miasmas, etc.)
3 – É uma variante da aplicação do princípio anterior. Mas agora estou a referir-me à explicação de como funciona, ao mecanismo proposto de actuação no organismo e da explicação de como o organismo funciona. Não me estou a referir tanto a entidades mas sim a leis ou princípios de funcionamento. A maior parte das medicinas (se não mesmo todas) propõe uma explicação para o seu modo de funcionamento. Que integração é possível fazer dessas teorias específicas num quadro mais abrangente? É possível encaixa-la num “puzzle” racional de tudo o que se conhece, ou por outro lado pressupõe mecanismos só existentes nessa teoria específica ? (Exemplos: Memória da água; energias inteligentes, ciclo da ureia)
4 – A razão de ser desta pergunta já foi referida, é incontornável. Mas há mais uma coisa que quero acrescentar. Os ensaios estão a ser feitos antes da declaração de eficácia ou a declaração de eficácia foi feita antes de haver estudos?
5 – Creio que a importância desta questão não precisa explicação. Agora, essa informação existe? É rigorosa e detalhada? Diversas fontes convergem na mesma informação e é fácil constatá-lo? Existem mecanismos de registo e processamento dessa informação (efeitos adversos, complicações) sempre a funcionar?
Leitura sugerida:
Sobre acupunctura:
Sobre Quiropratica: