quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Sobre o Teorema de Godel

Ou teoremas, uma vez que são dois estreitamente interligados.

Os teoremas da incompletude de Kurt Godel, vêm por um fim dramático à tentativa de unificar a matemática num sistema formal como propôs Hilbert. As consequências na ciência, uma vez que esta assenta fortemente na matemática, nomeadamente a física, podem ser ou significar que não é possível chegar a uma Teoria de Tudo. Em relação à sua aplicação na inteligência humana a discussão também está em aberto. Pode-se especular que tem implicações na avaliação da nossa capacidade de distinguir o que é verdadeiro ou falso. Godel foi o primeiro a falar sobre o tema e concluiu que: “ou a mente não era equivalente a uma maquina finita ou que haveria determinadas equações diofantinas para as quais não era possível encontrar uma solução” (1).

Os teoremas de Godel dizem que é impossível definir um sistema de axiomas completo que seja simultaneamente consistente. Isto é, ou é completo ou é consistente.

Um sistema diz-se completo, se dentro dele, podemos provar qualquer afirmação ou a sua negação a partir dos axiomas. Os axiomas são os alicerces do sistema, são as afirmações iniciais que se consideram evidentes e sem necessidade de prova.
Um sistema diz-se consistente se não podemos provar simultaneamente uma afirmação e a sua negação.

De grosso modo pode exprimir-se o primeiro teorema assim:

Para cada teorema T temos uma afirmação G que diz “esta afirmação não pode ser provada em T.

Se G pode ser provada dentro dos axiomas e regras de T então temos um teorema G que se contradiz a si próprio, pelo que a teoria é inconsistente.
Isto significa que se a teoria é consistente, então não podemos provar G, e assim a afirmação de G acerca de não poder ser provado é correcta. G é verdade mas não pode ser provado. A teoria então é incompleta.
É possivel definir uma teoria maior T' que contenha a totalidade de T mais a afirmação G como um axioma. Contudo, pelo teorema da Godel, então haverá uma nova afirmação G' capaz de mostrar que T' é também incompleta. E então nós podemos definir uma teoria T'' que contenha a totalidade de T' mais a afirmação G'... E assim por aí fora. Haverá sempre uma afirmação godeliana que determina a ultima teoria incompleta.

O segundo teorema pode ser expresso assim:

Para cada teoria T formal que inclua a aritmética e a capacidade de prova, T só é capaz de fazer uma afirmação sobre a sua própria consistência se T for inconsistente.

Ou seja, o sistema só pode dizer que é consistente se na realidade não o for.

O teorema de Godel só se aplica a sistemas formais que sejam capazes de conter a aritmética. Na realidade é possível criar sistemas completos e consistentes desde que estes sejam muito simples.
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Notas e referências:
Foram tomadas muitas liberdades na linguagem e nas explicações para tornar o assunto o mais simples possivel. Penso que mantive o essencial. Espero que tenha aguçado a curiosidade a quem ainda não conhecia o teorema, (este post é só um teaser, há muito mais a dizer). Correcções, críticas e observações são bem vindas.
Se achou o assunto interessante permita-me sugerir também a leitura do livro "Godel, Escher e Bach - laços eternos." ou GEB como é mais conhecido na internet.
(1) Godel, Kurt, 1951, Some basic theorems on the foundations of mathematics and their implications in Solomon Feferman, ed., 1995. Collected works / Kurt Gödel, Vol. III. Oxford University Press: 304-23. (via Wikipédia)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Mutações cumulativas.

A questão de fundo do desígnio inteligente, e do criacionismo que no fundo são a mesma coisa, é que determinado nível de resultados não pode ser obtido a partir do acaso.

Mas por acaso, pode.

Por exemplo, vou tentar fazer uma analogia com um desenho. Como é que pontos feitos ao acaso numa folha de papel podem desenhar um gato?

Se houver um processo de selecção que leve a um acumulo dos pontos que foram feitos no sitio certo. Cada ponto feito fora do sitio é apagado. Cada ponto feito no sitio certo (na linha virtual do desenho) mantém-se. Ao fim de muitos pontos apagados e depois de ter saído um numero de pontos suficientes para quase cobrir a folha toda, o gato esta desenhado.

Agora que já desenhámos um gato com pontos feitos ao acaso, deixem-me falar da teoria da evolução.

Na teoria da evolução as coisas passam-se de uma forma parecida. Aparecem mutações ao acaso. Aquelas que estão "erradas", isto é, que não contribuem para o sucesso adaptativo são apagadas. Ficam as outras. Que se vão acumulando. É o efeito cumulativo de mutações que permite a evolução e o aparecimento de novas características.

E se no caso do desenho do gato se pode argumentar que ainda não podia ser totalmente ao acaso, quer seria preciso uma "inteligencia" para discernir os pontos certos dos mal colocados, no segundo caso teriamos de argumentar que a selecção natural é uma forma de inteligencia. Ou aceitar que depois do acaso, a selecção natural resolve o problema.

Occam e o silogismo criacionista.

A seguinte colecção de postulados tem sido usada como argumento alegadamente imbatível a favor do criacionismo:

"1) existência de informação codificada é sempre evidência de inteligência
2) o DNA tem informação codificada
3) Logo, o DNA teve origem inteligente"

Daqui, geralmente, partem para a conclusão que Deus criou o DNA e depois para a ainda mais incrível alegação de que o modelo evolutivo tem de estar errado.

Bastava encontrar um erro numa das premissas para tornar o silogismo invalido para qualquer conclusão. Ora, eu vejo erros em todas as 3 afirmações.

Em 1) dizem que toda a informação codificada tem sempre origem inteligente. Isto é verdade apenas para a codificação em que existem convenções e uso pré-determinado de simbologia. O DNA são moléculas, não são símbolos. Os símbolos criamos-los nós para descrever e explicar o que se passa nas reacções quimicas dos acidos nucleicos. Se considerarmos o DNA informação codificada, temos de abdicar da necessidade desse processo de convenções intencionais na definição. De qualquer modo, em ciência, uma afirmação deste peso requer prova. Existe pelo menos um criacionista (que deixa longos comentários em todo o lado) que tenta provar pela negativa. Diz que não se conhecem excepções à regra (que toda a informação codificada tem origem inteligente). Provar pela negativa, aqui não serve. Porque se O DNA é informação codificada como propõem em seguida, então há indícios que vão noutro sentido, que apontam para que não necessita de uma origem inteligente. Se o DNA não é informação codificada, então o assunto também esta arrumado. E passamos a 2)

Em 2) dizem que o DNA é informação codificada. Mas aqui é preciso realçar o problema já referido antes que sugere que há uma diferença entre informação codificada de ocorrência natural e aquela criada artificialmente. O Professor Ludwig Krippahl apresenta aqui um bom argumento no sentido de que o DNA não é informação codificada (link1). Eu estou de acordo com o que ele diz. Apenas ressalvo que, dada a utilidade das teorias da informação para explicar as reacções químicas envolvidas na genética, que podemos distinguir entre dois tipos de informação codificada e acabar com situações ambiguas. Mas é óbvio que segundo o conceito clássico (e actual) de código há uma falha. Insisto para que seja visto o link 1 a esse respeito. Em resumo, se levarmos os conceitos todos à letra e não testarmos a hipotese de não haver origem inteligente, acabamos por confundir o mapa com o território, símbolo e realidade (neste caso molécula).

Em 3) cria-se um problema ainda maior. Porque a levar a sério o assunto tínhamos de concluir que o DNA teve origem humana. Eu acho esta hipótese implausível e os criacionistas também. Por isso é preciso ir descobrir novas entidades inteligentes e violar o príncipio de Occam. Terão sido aliens? Talvez, mas não é isso que acham os criacionistas. Dizem que essa entidade inteligente só pode ser Deus. Mas Deus, quer nós queiramos quer não, surge como uma entidade extraordinária necessária para justificar as permissas anteriores. Logo, em ciência, requer não só prova da sua existência, como prova de que de facto criou o DNA. Se usarmos a prova pela negativa, ironicamente aqui podemos é concluir que Deus não existe, porque como defendido por vários teólogos a hipótese Deus é intestável (logo não é possível reunir factos que sustenham a sua existência). E muito menos é possível encontrar suporte que Deus criou o DNA (mesmo que exista). Resumindo, pelo principio de Occam se pode concluir que a hipótese Deus (e não Deus, atenção) é fraca.

Mas prosseguindo. Mesmo que Deus tivesse criado o DNA, isso não diz que Deus impediu o DNA de evoluir. Deus pode ter criado o DNA numa forma primitiva e depois ter evoluído. O próprio Darwin assume que era crente quando escreveu o seu celebre tratado, e que só muito lentamente foi deixando de acreditar em Deus.

Quanto à origem da vida. Bem, existem boas teorias que não violam princípios científicos básicos como a lamina de Occam.

Bem, decerto que um filósofo faria melhor, mas acho que o importante ficou dito. E é na realidade muito simples: Pode haver erros em qualquer das permissas, portanto se a afirmação pretende ter valor cientifico então requer provas, factos, evidencias.

(link 1)http://ktreta.blogspot.com/2008/12/miscelnea-criacionista-outra-vez-treta.html

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Dualismo das Lacunas

O dualismo, para quem ainda se lembre, é o "erro de Descartes". Ou seja, de que mente e cérebro são coisas diferentes. O Discovery Institute, na sua batalha contra a ciência (1), decidiu revitalizar o dualismo e o seu plano já está em pratica.

Mas afinal, no essencial, a estratégia é a mesma utilizada em muitas outras ocasiões. Terão resolvido algo como: " Vamos ver onde existem buracos no conhecimento cientifico, e não importa quão pequenos eles são, vamos lá encaixar os alicerces da nossa teoria. Adicionalmente, vamos fazer a nossa teoria tão abrangente que possamos tirar partido do explicado e do inexplicado. "

Vou tentar explicar melhor. Enquanto que a ciência tenta explicar os fenómenos da mente estritamente em relação com o que se passa no cérebro, o dualismo diz que nem todos os fenómenos da mente são explicados pelo que se passa no cérebro (2). O "nem todos" são os que convenientemente são atribuídos a essa entidade extra-corporal que é a mente. Eles reúnem assim o melhor de dois mundos. De uma vez, metem debaixo da sua alçada toda a neurobiologia, declaram-se como científicos (por essa razão) e "enfiam a mente" nos buracos ou lacunas do conhecimento actual.

Porque é que esta atitude não é científica? Logo numa primeira abordagem porque contraria a navalha de Ockham. O princípio de Ockham, ou navalha de Occam diz que as entidades não devem ser multiplicadas para além do necessário. Daqui se conclui que cada nova entidade que surja para explicar determinada fenomenologia deve encontrar evidencia inequívoca que a suporte. E não vice versa. A mente, se é uma entidade real extracorporal, tem de encontrar provas reais que o suportem.

Por isso, na pratica, como dizia Carl Sagan "em ciência afirmações extraordinárias requerem justificações extraordinárias."

Não se espantem os dualistas, que sejam então desclassificados de científicos apesar dos seus créditos em outras questões.

(1)http://cronicadaciencia.blogspot.com/2008/10/sobre-o-anti-materialismo-actual.html
(2)http://www.evolutionnews.org/2008/02/proving_dr_novella_wrong_imagi.html

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Do discurso de Barack Obama:

"Vamos recolocar a ciência no seu devido lugar e dominar as maravilhas da tecnologia para elevar a qualidade do serviço de saúde e diminuir o seu custo. Vamos domar o sol e os ventos e a terra para abastecer os nossos carros e pôr a funcionar as nossas fábricas. E vamos transformar as nossas escolas e universidades para satisfazer as exigências de uma nova era."

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Hipericão

Para que não digam que eu ando a fazer "cherry picking" das mezinhas que não funcionam, aqui fica uma que funciona.

O hipericão, também chamada de erva de S. João, funciona. Em vários estudos e meta-analises mostrou ter um efeito benéfico em depressões ligeiras e moderadas ao nível dos anti-depressivos tricíclicos.

Mas se funciona, é porque altera algo nos mecanismos fisiológicos, exactamente o quê ainda não se sabe. E como tal também pode ter efeitos adversos de gravidade variável. Está descrita também a interação prejudicial com outros fármacos.

Intoxicações em gado com o hipericão (que cresce no campo) também são conhecidas há muito.

Por isso a minha recomendação é a mesma de sempre. Se está doente, vá ao médico. Auto-medicação pode ser sempre danosa. E o que faz bem, se faz alguma coisa de facto, então também pode fazer mal. Deixem esse equilibrio entre efeito terapêutico e efeitos adversos e contra-indicações ser avaliada por quem sabe.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Sobre a Origem da Vida.

Tracey Lincoln e Gerald Joyce publicaram esta semana na revista Science um artigo (1) muito interessante sobre a replicação auto-sustentada de enzimas de RNA.

Embora não esclareça directamente sobre a origem da vida, a experiencia não deixa de ser fascinante, sobretudo tendo sido admitida a hipótese das primeiras moléculas "vivas" (ou que deram origem à vida) serem precursoras ancestrais do actual RNA, um acido nucleico capaz de conter informação genética.

Teoriza-se que a vida tenha surgido a partir de moléculas que tenham adquirido a capacidade de se replicarem e evoluírem, e já aqui tinha referido a noticia de um modelo matemático recente que sustentava essa possibilidade (2).

O que estes cientistas Norte Americanos fizeram foi criar enzimas RNA em que duas enzimas catalisam a síntese uma da outra a partir de um substrato com apenas 4 nucleotideos. Não são necessárias mais enzimas ou quaisquer proteínas no substrato. Estas enzimas duplicavam o seu número a cada hora passada.

Adicionalmente, quando varias populações destas enzimas foram misturadas, surgiram por recombinação novas variantes mais eficazes na competição pelo substrato (o meio em que elas evoluem) com o resultado de ficarem em maior número. Isto é, verifica-se selecção natural e evolução. Já sei que os criacionistas vão fingir que esta experiencia não significa nada, mas o facto é estamos a ver evolução a acontecer numa escala de tempo observável.

Claro que está (ainda) longe de esclarecer exactamente como se deu a origem da vida ou de provar que foi assim que as coisas aconteceram, mas é um passo formidável na compreensão de que fenómenos pré-bioticos são plausíveis de considerar.

(1) http://www.sciencemag.org/cgi/content/abstract/1167856
(2) mesmo no fim do "post" sobre a evolução - cito o mais relevante do que escrevi em: http://cronicadaciencia.blogspot.com/search/label/Teoria%20da%20Evolu%C3%A7%C3%A3o ; "De facto uma notícia publicada hoje na New Scientist fala justamente disso. Dois biólogos matemáticos de Harvard, Novak e Ohtsuki, desenharam um modelo onde a variedade de moléculas no chamado “caldo primordial” era tanta que deveria haver reacções químicas permanentemente a acontecer. Terão surgido entre as moléculas pré-bióticas algumas que participavam em reacções que davam origem a elas próprias: a replicação. As que se conseguiam replicar mais eficazmente e rapidamente acabariam por substituir todas as outras. São os conceitos Evolutivos aplicados na explicação do surgimento de moléculas complexas e complexos moleculares. Segundo este modelo o aparecimento finalmente de vida terá também levado ao desaparecimento das moléculas pré-vida que não tinham utilidade. "