Que não haja duvidas. Este livro é sobre o ateísmo. Vem reforçar o que muitos já andam a dizer há muito tempo que é:
Deus não tem lugar no universo.
Em poucas páginas e começando com a história do pensamento cientifico, Hawking e Mlodinow argumentam que a aparente organização do universo é a esperada para qualquer observador inteligente com vida baseada em carbono. Não ser de esperar outra coisa, é também o argumento teísta, que vê nisso sinais de intencionalidade na criação. A diferença é subtil mas com consequencias drásticas.
Para além de desmistificar a aparente organização do universo, apresentando argumentos como eu já fiz (1) de que ver intencionalidade na organização é uma tendência humana, os autores explicam como é que sabemos que interpretar essa organização é um erro que contraria a própria ciência que permitiu chegar aos valores que sugerem afinação. Afinação das constantes e das leis naturais para que possa haver vida. Aquilo que é conhecido como argumento do "fine tuning".
Em poucas palavras, ainda menos do que no livro, vou tentar explicar:
Sabemos que algures na história do universo, este teve um tamanho em que a mecânica quântica é que o regia, já que era mais pequeno que um átomo. Sabemos também que nessas condições, não precisamos de um criador (2). Na realidade é de esperar que a auto-criação esteja sempre a acontecer a nível quântico. Mas se se aplica a mecânica quântica, e as previsões feitas por esta teoria estão surpreendente bem confirmadas, então temos de explicar o funcionamento actual do universo de acordo com o que diz a mecânica quântica. A maneira matemática de explorar isso é através da reformulação de Feynman. É o que se chama "soma das histórias". Isto é, para cada entidade quântica, temos de contar como reais todas as histórias possíveis para essa entidade, e em que essas histórias possiveis interferem umas com as outras produzindo um resultado final que é a soma dessas histórias. Ou seja, os vários acontecimentos provaveis interferem uns com os outros porque têm de ser tomados como sendo todos reais, como se para uma entidade tudo o que pode acontecer com ela acontecesse ao mesmo tempo. Por outro lado quando se faz uma observação, em qualquer momento do percurso de uma entidade quantica, estamos logo a eliminar uma data de históras possiveis que passam a não ter acontecido. O tempo comporta-se como se fosse espaço e a direcção da causalidade dá para os dois lados. O presente afecta o passado. E isto está demosntrado em mecanica quântica. E o universo neste caso é uma entidade quântica.
Por isso a teoria prevê que uma data de universos com leis diferentes tenham de ser assumidos como reais enquanto ele estiver em dimensões quanticas. E tal como a teoria prevê, se estamos cá como observadores desse universo, é natural que só vão contar para a soma das histórias do nosso universo aquelas em que é permitido que nós apareçamos. Isto é a prova cientifica do princípio antrópico fraco (1). O universo em que estamos é como é porque se não fosse não era o nosso universo. Era outro qualquer. Que é igualmente possível e real. Mas não é este em que o leitor lê estas palavras. Pelo simples facto de cá estarmos para fazer essa observação. Para quem isto estiver a fazer confusão deixem-me então explicar outra vez (3) que em mecânica quântica o presente altera o passado. Literalmente. Quando se faz uma observação, tudo o que aconteceu até esse momento é limitado por essa observação. Todas as histórias possiveis são reais mas são eliminadas aquelas que não contribuiem para o resultado obtido com a observação. De tal modo que é como se essas historias possiveis nunca tivessem acontecido. No entanto à partida sabemos que são possiveis. Algures deve haver outros universos a "pular" com histórias diferentes.
Ajudou? Se não ajudou proponho ler não só este livro como "O universo elegante" de Brian Green.
Outra parte importante do livro é a explicação de porque é que podemos usar a mecânica quântica e a relatividade ao mesmo tempo para chegar a esta conclusão mista - a parte de um universo que se contrai conforme andamos para o passado vem da teoria da relatividade. E esta parte da soma das histórias é da mecanica quantica. E sabemos que se as tentarmos conjugar uma com a outra o resultado é infinito. Não dá. Então como fazemos isso?
É porque existe uma Teoria-M que é na realidade um aglomerado de teorias, que unifica consistentemente os resultados destas teorias. Esta unificação é resultado da abordagem matemática conhecida como teorias das cordas, onde das cordas já passamos para membranas e outras coisas mais complicadas. A Teoria-M deixa que usemos modelos diferentes para problemas diferentes porque os modelos sobrepõem-se e nessa zona de sobreposição são completamente concordantes. O que não acontece com a mecânica quântica e a relatividade que sem esta integração o resultado da sua combinação e infinito. A Teoria-M ainda não está cientificamente provada, apesar de ter já o nome de teoria. Porque o grau de certeza que temos nela é tão elevado como em outras teorias. Para aqueles que considerem que a filosofia tem o mesmo grau de certeza que a ciência nas afirmações, então devem ficar satisfeitos com ela porque a lógica e a matemática que a suportam são de alto nível. Para outros como eu, que precisamos de ver as confirmações cientificas ou saber das demonstrações matemáticas completas, falta ainda só um bocadinho. Mas é claro para mim, mesma que ache que ainda falta um pequeno passo para poder escrever o meu post intitulado "O fine tuning refutado", que esta explicação está a anos-luz da qualidade de qualquer outra. É a melhor explicação que há para tudo o que conhecemos. Disso não tenho duvidas.
Para o Stephen Hawking não falta nada. ( E eu fico um bocado atrapalhado por ser ainda mais céptico que o Stephen Hawking, mas é assim a vida). Para ele, esta é a teoria de tudo. E afirma-o categoricamente. Explicitamente, para que não restem duvidas. E também diz explicitamente que a ciência diz que Deus não existe. Continuar a insistir no oposto no contexto actual do conhecimento humano só se deve à vontade dos crentes. Só se deve a uma crença apaixonada em algo que não tem justificação racional e é até contra o conhecimento cientifico. Só se deve a Fé. Mas Fés há muitas (não faltam aí e o livro aponta umas quantas), o que é dificil mesmo é descrever a realidade sem deixar que a nossa vontade atrapalhe a visão (4).
Mas se bem que a observação que fazemos no universo condicione as leis com que ele teve de evoluir desde o Big Bang, a Fé só por si não faz aparecer as coisas que nós queremos como diz aquele livro idiota chamado "O desejo".
Que recomendação dar deste livro? Para quem quiser saber em vez de palpitar ou escolher postulados é de leitura obrigatória. Para quem já sabe tudo o que lá está escrito, é também uma história excelente. Uma que já sabemos o fim, mas que não deixa de ser uma das histórias mais fantásticas que há. A do nosso próprio conhecimento. Para mim o livro foi o que os anglófonos chamam "a page turner". Só parei de ler quando acabou, mesmo se as pestanas já pesavam.
Notas e referencias:
(1) O argumento do "fine-tuning desmistificado":
http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/03/o-argumento-do-fine-tuning.html
(2) De uma flutuação quântica nasceu o universo:
http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/09/criacao-partir-do-nada-e-radiacao-de.html
(3)Sobre a mecânica quantica:
http://cronicadaciencia.blogspot.com/2010/09/sobre-mecanica-quantica.html
(4) O mais cego é aquele que não quer ver: (ainda não escrevi neste universo).
Nota: Eu ainda considero que a teoria da evolução ao mostrar como coisas mais complexas podem emergir de outras mais simples desde que haja energia suficiente, tal como comprovado por Prigogine, justifica satisfatóriamente qualquer organisação em qualquer aspecto do universo.
Nota 2: Os autores consideram, tal com eu tenho vindo a argumentar neste blogue, que mesmo na ausencia deste conhecimento actual, que recorrer a um deus para explicar a criação não leva a lado nenhum. É só substituir um mistério por outro. Se temos de aceitar que algures há algo que não precisa de criação é uma explicação muito mais simples dizer que o universo se auto-formou.
Nota 3: Provavelmente vai haver uma data de gente que não vai perceber nada disto e vai continuar a acreditar em deus. É a vida. Mas a tese de que a ciência repudia a existencia de deus está mais que bem fundamentada. Este livro sucede-se a outros de uma série de autores que arriscaram o seu "conforto" quer académico quer pessoal para denúnciar que o rei vai nú.
Nota 4: Para nós não há deus. Nem grande. nem pequeno. É contra tudo o que se sabe. Mas se a possibilidade de se formarem universos é infinita e as hipóteses são infinitas então temos de assumir que pode haver um universo que é uma sucessão ainda maior de acontecimetos ainda mais extraordinários! Extranhamente, e porque parece-me que não há nada que o impeça, na auto-criação pode emergir expontaneamente uma entidade "tipo-deus", poderosa até ao limite da lógica e autoconsciente. Uma que no seu universo poderia por e dispor. Sabemos no entanto que isso não aconteceu neste. A não ser que essa entidade faça tudo para que tudo se passe como se não existisse, e mais do que isto não pudesse ser imaginado sequer.
Cepticismo, naturalismo e divulgação científica. Uma discussão sobre o que é ou não matéria de facto.
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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Stephen Hawking's and Leonard Mlodinow "The Grand Design" book review.
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7 comentários:
o fundo dava mais para um blog metereológico mas infim
In "The Grand Design" Hawking says that we are somewhat like goldfish in a curved fishbowl. Our perceptions are limited and warped by the kind of lenses we see through, “the interpretive structure of our human brains.” Albert Einstein rejected this subjective approach, common to much of quantum mechanics, but did admit that our view of reality is distorted.
Einstein’s Special Theory of Relativity has the surprising consequences that “the same event, when viewed from inertial systems in motion with respect to each other, will seem to occur at different times, bodies will measure out at different lengths, and clocks will run at different speeds.” Light does travel in a curve, due to the gravity of matter, thereby distorting views from each perspective in this Universe. Similarly, mystics’ experience in divine oneness, which might be considered the same "eternal" event, viewed from various historical, cultural and personal perspectives, have occurred with different frequencies, degrees of realization and durations. This might help to explain the diversity in the expressions or reports of that spiritual awareness. What is seen is the same; it is the "seeing" which differs.
In some sciences, all existence is described as matter or energy. In some of mysticism, only consciousness exists. Dark matter is 25%, and dark energy about 70%, of the critical density of this Universe. Divine essence, also not visible, emanates and sustains universal matter (mass/energy: visible/dark) and cosmic consciousness (f(x) raised to its greatest power). During suprarational consciousness, and beyond, mystics share in that essence to varying extents. [quoted from suprarational.org on comparative mysticism]
Ron,
Ad ignorantia
"During suprarational consciousness, and beyond, mystics share in that essence to varying extents. "
Como é que sabem isso? Pelo cheiro? Porque se sentem perdidos e têm esse feeling?
Oh, brother!!!
A Sufi once said, "For some a mere sign is enough; for others a thousand explanations are not enough."
Read my ebook; it's only 88 pages, plus lists of mystics and three bibliographies, and it is free.
Ron:
", "For some a mere sign is enough; for others a thousand explanations are not enough.""
I have precisely the same problem!
Ron:
Anyway, if you can read portuguese, I must tell you this is not a blog about dreamed up reality, fantasy universes or such.
I do write a little about such things but for reasons oposed to those who claim mystical truth.
This is a blog about explaining why we know what we know, and about what do we know.
Not about stuff that you or anybody can claim to be the truth without more explanation then a "believe me, I've seen" call.
So I politly ask you to advertise your book somewhere else. You *dont* want me to read it. Believe it.
O livro vai sair este mês na Gradiva..
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