sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Não é cientificismo. Precisamos mesmo da ciência.

Quando paramos no semáforo e vemos os carros de outras vias a passarem-nos à frente, sabemos que se arracarmos para a frente deles é bem provavel que haja uma colisão. E havendo uma colisão é bem provavel que haja estragos, alguns no material outros enventualmente biologicos. Por isso tomamos a decisão de não ignorar o semaforo e por isso existem semaforos.

Mas nem tudo é tão simples. Há fenomenos do mundo fisico que são muito mais complicados de prever e que ultrapassam em larga medida a nossa intuição e experiencia pessoal. E mais que para entretenimento intelectual é para isso que serve a ciência. Para, de acordo com escolhas iniciais simples, como escolher o bem estar, escolher viver e reconhecer os outros como iguais, conseguirmos ter opções - através do conhecimento cientifico e da tecnologia - que levem a uma optimização dos resultados das nossas acções no sentido dessas escolhas.

Por exemplo:

O que acontece se lançarmos CO2 para o ar como se não houvesse amanhã ,  e como podemos resolver isso? Que consequências há de inocular uma população com uma forma atenuada/morta/modificada de um agente patogênico, ou de não o fazer? Qual o significado da democracia na estabilidade mundial? E as desigualdades? Como aproveitar a unica fonte quase inesgotável de energia que dispomos (o Sol, já que o vento pára se enchermos tudo de moinhos)? Que escolhas teremos de fazer para continuarmos todos os 7 biliões, vivos e boa saude, num mundo de recursos limitados, durante muito tempo?

São estas algumas das questões que a ciência ajuda a responder. Em face delas, a escolha de querer viver com paz, saude e liberdade até é o pedaço mais simples. É no como que está o grosso do problema. E é no como, através da capacidade de prever os acontecimentos no mundo fisico, que a ciencia pode ajudar - e ajuda. Sem a ciência nem sequer tinhamos chegado onde estamos. Continuavamos a achar que as doenças eram causadas por maus humores (fluidos) e que a vida era um sopro como o do vapor. Que dançar podia fazer chover e que sacrificios humanos traziam boas coisas para todos. Não havia medicina, agricultura moderna, meios informáticos, nem Dr. House para ver na TV.

Achar que amplificar os factos cientificos é a nossa obrigação, ou melhor, que do que "é" podemos verbatim dizer o que "deve" ser, é uma falácia, a lógica não segue. Asneiras dessas tivemos com o Darwinismo Social, por exemplo. Mas isso não é lógico e se não é lógico não é ciencia.

De facto, a ciência não nos diz que devemos escolher viver. Diz apenas algo do que devemos fazer se queremos viver. Esse é o valor humano da ciência. E é cada vez maior conforme os problemas de um mundo superpovoado a ser chupadinho se revelam. É preciso escolher com muito cuidado as nossas acções, gerir muito bem os recursos se queremos continuar a ter outras liberdades. Como viver. Todos.

Podem dizer que não foi só a ciência que nos trouxe até aqui ou que a ciência ainda precisa muito de outro tipo de especulação e discussão, moral e ética, como a escolha dos tais principios que propus. Tudo bem/ Fair enough. Mas a ciencia não deixa de ser imprescindivel por causa disso. Quando damos as nossas escolhas como factos, isto é, quando passamos a dizer que é um facto que fazemos determinadas escolhas, logo aí entra a necessidade da ciência. E não pára.

Depois de saber que acções conduzem a um mundo melhor, melhor com os critérios de uma maioria, porque permanecer calado? Porque não se pode tentar mostrar que há coisas que sabemos que vão dar buraco e porque sabemos que vão dar buraco? Porque precisa de vir logo o fantasma do cientificismo como refutação universal do cetico cientifico? É apenas um espantalho, um moinho de Cervantes, no meio intelectual  ceptico do mundo moderno ligado à internet. E se há quem queira ir contra a ciência, normalmente é porque acha que a ciência está errada acerca de questões factuais empiricas. Não porque admita (embora por vezes hajam como se assim fosse) que podemos fingir que o mundo é de qualquer maneira ou que tem a sua realidade de bolso, feita à medida. E isto, que fique o desafio para pensar, diz muito. Pelo menos mostra a importância que tem para todos o que podemos saber sobre o mundo empirico e do que dele podemos prever. E isso é tarefa da ciência.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Drama e argumentos homeopáticos.


Isto começa com um  "post" pertinente que  o David Marçal escreveu no blogue "De Rerum Natura" e de que eu aqui fiz eco imediatamente. Era sobre a regulação das medicinas alternativas e de como isso é contra o que devíamos estar a fazer. Uma actividade regulada é uma actividade legitimada em certos aspectos. E para quem não sabe mais, isso é como que uma recomendação institucional. Por isso eu, o David Marçal e muitos outros achamos mal regular a actividade pseudomédica. E depois, quem tem uma ideia do processo que leva a isto, tem uma ideia muito boa em que moldes as coisas vão ser feitas. Vai tratar-se de facto de uma legitimação das pseudomedicinas. Ou então alguém consegue mudar o rumo das coisas.


O Desidério Murcho, filósofo de serviço do De Rerum Natura, fez em reflexo ao texto do David Marçal um "post" em que fazia a defesa do direito à palermice e que o David Marçal não podia proibir a homeopatia. Mas o David Marçal não pode nem nunca quis proibir a homeopatia (nada no texto dele aponta para isso). Nem ele, nem a maioria dos que lhe responderam (para não dizer todos).

De facto, os ceticos da praça parecem estar todos de acordo que não se podem proibir as pseudomedicinas. Mas isso também não quer dizer que elas nesseçariamente sejam de algum modo recomendadas ou que sequer se deva tomar uma acção que sugira que são recomendadas. Por exemplo, eu escrevi um post sobre o que achava que devia ser feito, logo a 14 de Setembro, quando a coisa começou fervilhar, dizendo o que esperava de uma regulação (mas que não é o que vai acontecer certamente) e onde esclareci logo que não queria proibir nada. O Ludwig Kripphal escreveu depois um post muito bom em resposta ao do Desidério e o David Marçal também, todos notando que não queremos proibir nada, apenas não aprovar. Isto, porque o post (e comentários do próprio nesse post e seguintes) além de acusar de algo que ninguém quer fazer, usava os argumentos mais estranhos. Sugeria que talvez houvesse alguma verdade na homeopatia, que eventualmente haveria uma espécie de conspiração contra a homeopatia. Argumentava também algo do género  de que se não faz mal a terceiros andar a vender gato por lebre  e quem compra gato continua convencido que é lebre, então devia poder vender-se gato por lebre. Isto foi-lhe tudo respondido adequada e convincentemente. 



No entanto o Desidério achou que ainda tinha mais uma cartada na manga. É a do cientificismo. Que não deixa que as discussões politicas sejam verdadeiras discussões porque não nos deixa querer alcançar a verdade. Aparentemente, estas discussões apenas servem aqueles que querem empurrar o mundo na direcção que querem, não porque se tenha investigado, estudado, ponderado um assunto, mas porque sim. Porque ao que parece, o direito a empurrar o mundo pertence apenas àqueles que estudam filosofia. Esses sim, porque os outros sofrem de cientificismo. E o apelo à autoridade para o próprio e para Rawls está lá. E se bem que ninguém defenda um regime autoritário em que as pseudomedicinas são proibidas, o espantalho do cientificismo monstruoso contra a bela filosofia está lá. Num novo post.

Descobri-o através de um optimo post do Marco Filipe no Comcept. Pensava que o Desidério tinha compreendido que estava a dar tiros ao lado e a usar maus argumentos para disparar esses tiros. Mas não. Ele decidiu mesmo lançar a cartada do cientificismo, chamar ignorantes a todos e reservar o direito de ter verdadeiras discussões a ele e a quem estudar filosofia. Os outros estarão apenas a ter pseudodiscussões, e a tentar empurrar o mundo, coisa que ele não percebe que também faz ao dizer como devem ser os participantes numa discussão ou que o mundo deve ser assim ou que não se pode fazer assado.

Quanto ao cientificismo, neste caso, se significar tirar conclusões diretas de como deve ser algo a partir do que as coisas são é errado. É uma espécie de falácia do naturalista. No entanto o que estamos a fazer ou a tentar fazer, é ver como as coisas são para tentar dizer como elas devem ser para vir a ter determinados resultados que levem a um mundo melhor de acordo com as nossas escolhas. Para todos. E isso inclui a liberdade pessoal e o direito a ela. Por isso não estamos a tentar proibir nada, mesmo que isso fosse melhor para a saude das pessoas, só para que não se sintam menos livres. Porque temos de respeitar gostos das maiorias e manter a estabilidade social e criar um ambiente onde as coisas sejam discutidas racionalmente. Para chegar à verdade.

Mas o cientismo e querer empurrar o mundo, diz o Desidério, faz com que não estejamos querer saber a verdade.

Só que aquilo a que o Desidério chama cientificismo, julgando pelas respostas que eu li ao seu post e que ele acusa, é um espantalho. Está longe de não ser uma posição em resultado de pensamento racional e investigação honesta, em relação aos factos em disputa. Factos esses que o Desidério põe em causa ao apelar à dúvida sobre o conhecimento cientifico e em cuja tentativa de descredibilização assenta parte da sua argumentação. Talvez não se possa ter a certeza de nada, mas por tudo o que se sabe que serve para validar uma afirmação sobre o mundo empirico, e é sobre este que estamos a falar, as respostas que foram dadas ao Desidério são originadas por imensas linhas convergentes de investigação sugeitas aos mais rigorosos critérios para eliminar entre outras coisas a parcialidade. Talvez não sirvam para especular sobre entidades inventadas que podem não existir fora das nossas mentes. Mas é o melhor que temos para dizer o que há nas nossas mentes e fora delas. E para fazer precisões sobre o mundo empirico.  E se queremos fazer planos para o futuro, temos de tentar basear as nossas decisões naquilo que sabemos que é o mais próximo da realidade que aquilo que sabemos não se lhe aplica. Sabemos que a democracia é algo a proteger. Não podemos ferir  a estabilidade social proibindo coisas populares. Mas sabemos também que a homeopatia não funciona.

Não podemos proibir. Mas podemos também não incentivar. E chamar a atenção que aquilo que parece ser uma liberdade de escolha, na realidade não o é. Porque não faz aquilo que a pessoa pensa que escolheu.

Não é o mesmo que gostar e ter o direito de por caca de cotovia na sandes. É muito mais como comprar a Lua. Há liberdade de escolha quando as opções são legitimas. Não há liberdade de escolha se o que nos é dado não é o que nós escolhemos. Há quando o que nos é dado é o que nós escolhemos.

E no entanto esta confusão é um dos argumentos do Desidério. Não devemos dar a homeopatia a quem a escolhe ser tratado porque a homeopatia não é tratamento. Devemos dar-lhes a homeopatia porque não temos maneira de explicar a todos porque estão enganados.  Ainda. Mas temos de alertar para o engano através de "posts" como o do David Marçal.

É de notar ainda que em outros casos obrigamos a vacinar, por o cinto, usar capacete, não usar drogas pesadas, não por demasiado sal no pão que se vende no supermercado, etc, etc,etc... É uma questão também da popularidade e do resentimento que isso pode causar.

Por isso, acho mesmo que estas discussões são importantes. Não pretendo calar quem tenha a opinião oposta e estou disposto a apresentar uma longa série de razões para desacreditar a homeopatia. Não pretendo apenas apelar para a autoridade da ciencia, ou para a minha, como argumento e responder ao Desidério que de homeopatia não pode discutir comigo. Apelos à autoridade são sempre uma forma fraca de argumentação já que apelam por outro lado a infalibilidade de alguém. Apelos a consensos de especialistas são melhores heuristicamente, mas isso não aconteceu.


A não ser que o Desidério ache que as pessoas não devem ser protegidas contra aldrabices que podem nunca vir a descobrir, (como ter um seguro de vida falso, não lhe cair o teto de casa em cima, ir ao hospital e ser atendido por um pseudomedico sem saber, etc),  então a razão para não se proibir a homeopatia não é para dar liberdade. É para que as pessoas não sintam que perderam a liberdade. Porque liberdade é a de poder escolher e ter o que se escolheu, o melhor possivel. Ter liberdade é muito mais ter boas opções que uma data delas imaginarias. Só a crença é pouco para validar uma escolha. Tem de ser ter em conta o efeito na sociedade dessa escolha. E uma vez que estamos a falar de precepção de liberdade, nem de liberdade em si, é bom que tenhamos bons argumentos para sugeitar a sociedade à descredibilização do valor da ciencia.

Mais uma vez, este arguento não é para proibir. Mas é para poder discutir. E de preferencia não legitimar.

Outro erro que o Desidério repete uma e outra vez e que já lhe tinha sido respondido é que não faz mal a terceiros, que é uma escolha privada, pessoal.  Mas faz. Pode fazer mal por aumentar o tempo de contágio de uma doença por falta de tratamento, aumentar o numero de focos de contágio por ausencia de vacinação adequada, aumento do dispendio de recursos médicos por permitir o agravamento de doenças antes de chegar a um hospital a sério, etc. Faz mal por ser uma industria não produtiva que em nada contribui para a sociedade em que todos vivemos, por eventualmente começar a sair do erário público e por criar um sentimento anti-cientifico, (já que estes pseudos são todos pró-ciencia até começarmos a argumentar com eles. Começam logo a desbastar na ciencia quando se lhes mostra que os argumentos cientificos são em maioria contra as suas ideologias). 

E depois, diria mesmo que  promove o pensamento irracional. "Wishfull Thinking", a validação da evidencia anedótica, o pensamento mágico, etc, etc, etc. E depois de promover o pensamento irracional, e de legitimar  quem consiga ter popularidade, apesar de vender gato por lebre, acaba por corromper o objectivo ultimo da sociedade de maximizar recursos e bem estar. Estariamos a dedicarmo-nos aos recursos errados, como na idade do pensamento mágico.

Outra coisa: Ninguém pode estar a par de tudo o que é treta ou  não é o tempo todo. Tem de haver um estado que protege em grande medida para haver segurança. E para muita coisa há, e a pedido geral das pessoas. É aliás uma marca da democracia, ter um estado em que as pessoas têm confiança naquilo que propõe (e ainda assim queixarem-se).  E a medicina já existe, já é regulada, e não precisamos destas confusões. Eles que a pratiquem sem qualquer tipo de recomendação, certificação, aprovação ou legitimação.


Mas quer me parecer que o problema desta troca de posts, é muito mais a cientofobia que a defesa racional de uma liberdade que ninguém quer tirar. É que já se disse que faz mal a terceiros, que nada, mas mesmo nada que não seja relativista ao extremo suporta a validade da homepatia. Já se disse que não há aumento da liberdade, apenas a percepção desta e que mesmo assim não queremos acabar com a percepção desta. Agora é se podemos ou não ter discussões verdadeiras porque não somos filosofos? Que não queremos chegar ao fundo das coisas? Que isso é por causa do alegado cientificismo?

Cientofobia. 

Volto a dizer. A melhor maneira de lutar contra crenças populares baseadas na ignorancia é mesmo pela via da discussão livre e educação.

Por ultimo queria comentar a alegação de que os "cientificistas" são aversos à filosofia e à história. Para os Naturalistas, como eu e outros aparentemente no ramo do "cientificismo"  a filosofia e a ciência misturam-se e são a mesma coisa em muitos aspectos. A história idem. É em muitos aspectos uma ciência e cada vez mais para lá caminha. As teses históricas são sempre naturalistas, procuram basear-se em factos que podem ser verificados por todos, tentam cada vez mais ser testadas por condições falsificadoras e usam recursos tecnológicos sem medo. E na ciência também existe especulação, comparação de dados, hipóteses, procura de consensos, etc. Até a procura de fontes independente que sejam convergentes nos mesmos achados é identico em ambas. Eu vejo a história como uma ciência, há é apenas coisas que provavelmente nunca viremos a saber se não andarmos no tempo. E outras que apenas ficarão com um grau variável de plausibilidade.

Update: Alterado 16:11 para corrigir algumas inexatidões menores e pontuação.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Ainda há uns tempos a ciência dizia isto, agora diz aquilo...


Pois é. A ciência evolui. Vive de discussões cerradas de especialistas (1) que se preocupam com os mais infimos pormenores mas que regularmente chegam a consensos. Às vezes até consensos de que teorias que competem em determinados aspectos têm de ser provisóriamente aceites como o melhor que há. 

E a ciência é realmente isso. A procura do melhor que há para explicar as coisas. Não é o conjunto de certezas absolutas, nem a verdade ultima, a que aspiram os religiosos. Para a ciência, a verdade é apenas uma atribuição de valor a uma afirmação conforme o que ela se adequa à realidade ou não. E a realidade é aquilo que está lá para além daquilo que nós acreditamos ou não. Certezas é algo que quase de certeza sabemos que nunca teremos. 



Por duas razões. Primeiro pelo problema da indução que não tem solução racional completa e provavelmente nunca terá. David Hume apontou que o conhecimento por indução, ou seja, partir da observação de grandes numeros e fazer uma generalização teorica, tem sempre o problema de não termos acesso a todo o universo observavel. Deu como exemplo o facto de todos os naturalistas aceitarem que os cisnes eram brancos e nem sequer pensar duas vezes nisso, mas quando chegamos à austrália encontramos lá cisnes negros. Se dizemos que a gravidade é uma força atractiva é por indução e as formulas que criamos para a descrever são baseadas no que observamos por indução. Mas será que será sempre assim e em todo o lado? Por acaso até parece que não, pois há dados novos que sugerem isso e muito mais.

Este problema estende-se a todo o conhecimento empirico. Afinal tudo o que valida a indução é a própria indução. E isto é mau sinal, normalmente quando chegamos a regressões infinitas é porque é um beco sem saída. 

A outra razão que nos leva a ter uma confiança razoavel de que nunca vamos saber tudo, é o Teorema de Godel. Este senhor provou matemáticamente que nenhum sistema matemático pode ser completo e consistente ao mesmo tempo. Ou há coisas que o sistema matemático não abrange ou há contradições dentro dele próprio. E como a nossa ciência se baseia na matemática para descrever a realidade, sabemos que vão haver limitações. O mapa nunca passará a ser o território...

O que nada disto nos diz, é que não podemos saber nada. Alguma coisa parece que que podemos saber. E a primeira resposta bem sucedida (bem sucedida mas não definitiva, isso não temos) ao probelam da indução de Hume veio de Karl Popper, muito inspirado nas ideias de Einstein sobre a ciência. Popper disse que podiamos ter conhecimento ciêntifico se as nossas teorias fossem capazes de fazer previsões acertadas sobre coisas relacionadas. Se falhassem essas previsões não seria ciência. Se acertassem, embora não ultrapassasse completamente o problema de Hume, teriamos uma justificação forte para confiarmos nessa teoria. Porque isso mostra (ou no minimo sugere fortemente) que mais que conhecer a regra, temos algum conhecimento sobre o porquê dela existir. 

Mas havia ainda alguns problemas acerca da filosofia da ciência de Popper e ele passou os ultimos dias da sua vida a tentar resolvê-los. A questão é que o tipo de previsões que as teorias teriam de fazer não estava tão bem defenido como ele queria, uma vez que outro filsofo notou o que o que se testava muitas vezes eram realmente condições acessórias. Por outro lado, uma previsão que desse mau resultado poderia levar a  uma melhor teoria, depois de corrigida, e seria ingénuo deita-la fora ao primeiro revés. O falsificacionismo, o nome desta abordagem de Popper, não foi completamente abandonado e ainda é uma caracteristica da ciência mas agora sabemos mais sobre ele. Hoje além disso procuramos a consistencia na ciência através do tipo de consequencias que uma teoria tem. Se faz muitas previsões testáveis - novas hipoteses - que levem até à descoberta de novos dados, e por ultimo a novas teorias que se articulam com a origienal, formando um plano progressivo de investigação ou se por outro lado, leva a um programa degenerativo de investigação em que é preciso estar sempre a fazer alterações ad-hoc à teoria para ela funcionar. Lakatos foi quem pegou nas ideias de Popper e nos deu a filosofia da ciência moderna. Filosofia da ciência é o que tenta explicar o que é e como funciona a ciência e porque ela é tão bem sucedida. 


Por curiosidade, nem todos os grandes cientistas eram filosofos da ciência. Newton era, descreveu o que andava a fazer e apresentou o seu método. Einstein idem, aliás está na base das ideias que levam a Popper. Feynmein dizia que a filosofia da ciência era tão importante para os cientistas como a ornitologia era para os pássaros. Mas para nós, que estamos a tentar perceber porque devemos confiar na ciência, a filosofia da ciência é tão importante como a própria ciencia com que se confunde.



Em suma uma teoria ciêntifica tem de estar em conformidade com tudo o resto que se sabe, explicar a parte que lhe compete e fazer previsões impensaveis antes dessa teoria aparecer  - e ainda fazê-lo sistematicamente. Este é o elevado nível de exigencia que tem de ter uma teoria cientifica para ser aceite como tal. É a nossa garantia que estamos a fazer o melhor que podemos para ter conhecimento

Resolve todos os problemas epistémicos? Não, mas é o melhor que conseguimos. São tantas as exigências a favor de consistência em detrimento de um conhecimento mais completo que podemos confiar que o que sabemos, não sendo garantidamente para sempre, é o melhor que se pode fazer em cada momento.

E essa é a história da ciência. É a história curta mas extraordinaria de homens obcecados com saber o máximo possivel acerca das coisas mais especificas e da sua incrivel capacidade de articular o que sabem uns com os outros (embora por vezes com muito esforço...). E as peças encaixam. Não em tudo, mas na esmagadora maioria das coisas. E conforme se vai sabendo mais, e mais dados temos, melhores vamos poder fazer as nossas teorias. Se isso não acontecesse, poderia revelar por exemplo falta de abertura a novos dados, ausencia de discussão aberta entre ciêntistas e incapacidade de formar os tais campos de investigação progressiva. Como aliás acontece em outras formas de conhecimento pseudocientifico e na religião - não evoluiem quase nada: as discussões são autoritativas, escolhem os dados e teorias que lhes interessam por conformidade a dogmas iniciais e fazem vista grossa aos outros, não procuram criar teorias testáveis e muito menos programas de investigação. Por isso acabam com sistemas cognitivos fossilizados, cheio de inconsistencias com tudo o resto que se sabe, e que vivem apenas de serem atraentes emocionalmente.


Para além disso, e também por isso, a história da ciência é a história das melhores ideias no seu tempo. Raramente uma ideia cientifica, desde que a ciência é ciência, foi menos do que o melhor que se podia dizer sobre algo na altura em que essa teoria era aceite - a história da ciência é a história das melhores ideias possíveis. Mesmo que erradas, ou incompletas, eram o melhor que se podia saber. Tinham, para o que se sabia na epoca, a melhor justificação e mesmo visto da perspectiva  actual, ainda podemos confirmar isso. Excepto raras excepções, como a teimosia em aceitar a deriva dos continentes por exemplo.


Hoje temos, graças ao trabalho conjunto de tantas pessoas, cumprindo critérios extremamente exigentes de método, uma longevidade e uma liberdade impensáveis. As coisas que podemos fazer e fazemos de facto, seriam consideradas magia por povos mais antigos. A velocidade com que podemos viajar e comunicar, as doenças que conseguimos tratar, as coisas que descobrimos que aconteceram antes de cá estarmos, as previsões que fazemos sobre o que pode acontecer... Foi um grande avanço no conhecimento - e é pena e desastroso não se prestar mais atenção a isso. Em 200000 de humanidade, quase tudo o que temos, desde carros a computadores, apareceu graças aos ultimos 600 anos de progresso ciêntifico. Nem tinhamos como alimentar tanta gente só com métodos tradicionais - o preço da comida seria altíssimo. É uma história curta, mas extremamente bem sucedida no contexto da história humana. 

E por tudo isto, é pouco provavel que não estejamos a saber nada de nada, ainda que não tenhamos certezas, de seja o que for. Afinal o conhecimento humano será sempre justificado por conhecimento humano. É quase de certeza impossível fugir às regressões infinitas da auto-justificação inicial e resolver o problema de Hume. E o Teorema de Godel continua tão matemáticamente provado como quando Kurt Godel era vivo. 


Não ter certezas não quer dizer que vale tudo como sendo uma afirmação verdadeira. Quer dizer que temos de distinguir entre a validade das afirmações através da justificação que têm e escolher as melhores. E a cientifica, esta que aqui exponho, foi o melhor que encontrámos. Com todas as suas falhas, ainda é o que realmente funciona melhor.




(1) Na discussão cientifica estou a incluir não apenas a troca pública e privada de argumentos, mas também no peer-review que é parte importante do método cientifico e é uma espécie de discussão, ainda que não seja muito directa.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Um grande golpe na ciência.

Apesar de muito fracamente apoiadas por evidência empirica e não terem plausibilidade cientifica, as ditas medicinas alternativas e complementares estão mesmo a ser reguladas em Portugal, como sendo de facto medicinas alternativas e complementares.

Passa a ser preciso ter um curso superior, pergunto-me em quê, e para quê, e ter inscrição numa ordem reguladora do género com numero profissional e tudo.

Parece que as pseudomedicinas legisladas são, de acordo com a minha fonte, a: acupunctura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fitoterapia e quiropraxia.

Isto deixa de fora, o Reiki, a urinoterapia, a cura pela Fé, e muitas outras coisas que não sendo medicina (que é o nome que se dá quando as coisas funcionam) podiam muito bem ter sido legisladas pelos mesmos insondáveis critérios que foram usados agora. Estes senhores terão razão para estar chateados.


Via Rerum Natura.