domingo, 24 de julho de 2011

Conselhos de Russel

1.Não tenhas certeza absoluta de nada.

2.Não consideres que valha a pena proceder escondendo evidências, pois as evidências inevitavelmente virão à luz.

3.Nunca tentes desencorajar o pensamento, pois com certeza tu terás sucesso.

4.Quando encontrares oposição, mesmo que seja de teu cônjuge ou de tuas crianças, esforça-te para superá-la pelo argumento, e não pela autoridade, pois uma vitória dependente da autoridade é irreal e ilusória.

5.Não tenhas respeito pela autoridade dos outros, pois há sempre autoridades contrárias a serem achadas.

6.Não uses o poder para suprimir opiniões que consideres perniciosas, pois as opiniões irão suprimir-te.

7.Não tenhas medo de possuir opiniões excêntricas, pois todas as opiniões hoje aceitas foram um dia consideradas excêntricas.

8.Encontres mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se valorizas a inteligência como deverias, o primeiro será um acordo mais profundo que a segunda.

9.Sê escrupulosamente verdadeiro, mesmo que a verdade seja inconveniente, pois será mais inconveniente se tentares escondê-la.

10.Não tenhas inveja daqueles que vivem num paraíso dos tolos, pois apenas um tolo o consideraria um paraíso.

Na autobiografia citada na Wikipédia, aqui.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

"The Moral Landscape" por Sam Harris.

Este é o ultimo livro de Sam Harris, em português: "A Paisagem Moral"

Tem como subtitulo: "Como pode a ciência determinar os valores humanos?" e pretende dar resposta a esta pergunta com um numero mínimo de pressupostos, de acordo com o que já sabemos sobre a moral, a neurociencia e a ciência em si própria.

Para Sam Harris, a moral é a maximização do bem estar. A julgar pela sua argumentação, mais relacionado com a distribuição do bem estar do que com a sua medida absoluta em qualquer momento.

E o bem estar, defende, é algo que nós podemos vir a medir com rigor cientifico, ou pelo menos com um grau de incerteza tolerável, sobretudo se usarmos uma abordagem neurológica. O bem estar defende, deverá corresponder a um estado cerebral. Neste enquadramento biológico podemos por princípio usar todo o aparato teórico e tecnológico cientifico para dizer o que pode ser melhor para nós e como podemos consegui-lo.

Sam Harris não tenta esconder que cada um dos pressupostos do enquadramento em que propõe abordar a moral não levantam problemas por si próprios.

Tais como sejam:

Queremos procurar o maior valor absoluto para o bem estar? É uma medida de distribuição? E medir a distribuição da moral como? É uma média do bem estar numa população? E o bem estar será realmente algo que todos valorizam da mesma maneira (ja sabendo que nem todos gostam das mesmas coisas)? Fará sentido por si próprio? Como distinguimos isso de alegria ou felicidade momentânea? E será possível encontrar sempre soluções para uma distribuição justa do bem estar em situações limite e complexas ou serão sempre problemas sem resposta ou com resposta apenas após ponderação quase infinita (problemas não-P em matemática).

O que ele propõe é que em princípio o que sabemos hoje já é suficiente para iniciar esta abordagem, já que não precisamos de saber tudo para saber alguma coisa. Ou pelo menos, pressupor que sabemos.

De facto, o grande problema para abordar a moral é conseguir um objectivo, um fim, para que possamos procurar soluções. Esse objectivo, envolve uma escolha. A tal escolha que tem tornado a moral um problema não cientifico. E essa escolha, Sam Harris não nega, será sempre uma escolha subjectiva, por ser referente a sujeitos. Mas os sujeitos somos nós e podemos tentar perceber se a escolha é ou não algo que diga alguma coisa a todos. Mas não é isso que obriga a Moral a ficar plenamente no campo da filosofia.

Mesmo que, como ele argumenta, essa escolha seja provavelmente uma ilusão. A escolha de querer estar bem, pode não ser bem uma escolha (idem, ver "link" acima). Segundo ele, não temos realmente livre-arbítrio: "O livre-arbitrio é uma ilusão de uma ilusão". Mas isso, de não haver escolha, não é um problema neste contexto.


O problema é que sem um fim em vista para a moral, não há soluções para a moral. Apenas afirmações em aberto sem valor. Hipoteses indistintas. É a queda num relativismo moral absurdo.

Se queremos distinguir afirmações de moral umas das outras, e aceitamos que há coisas mais morais que outras, é porque alguma coisa temos em vista, existe um objectivo algures para a especulação moral. É porque tivemos de fazer uma escolha algures.

Ele propõe definir esse objectivo, como já disse, com o “bem estar”, e que essa seja a escolha subjacente a toda a racionalização sobre a moral que nós já fazemos neste momento, e até de um modo relativamente consensual – pois se temos consensos acerca de moral em algumas coisas é porque é plausível que procuremos a mesma coisa.

E consensos acerca da importância do bem estar e do que isso significa para nós, parece que também não será difícil. Mesmo indo para outras espécies animais, parece que valorizamos basicamente as mesmas coisas (referencias na própria obra). E se isso – o consenso - é o suficiente para dizer que há conhecimento na ciência acerca de algo, porque não há de ser na moral? E se temos conhecimento do que procuramos, se temos um fim a atingir porque não podemos saber cientificamente qual a melhor maneira de o obter? Porque havemos de recusar ter vidas melhores, de um modo geral, se soubermos com o podemos fazer?

Na minha opinião não há razão para evitar a abordagem cientifica à moral, por princípio. Na realidade tenho argumentado nesse sentido desde há algum aqui neste blog. Mesmo os problemas que o Sam Harris sugere já tinha abordado alguns. As soluções são as mesmas. É por isso difícil para mim fazer uma boa critica a este livro. Ele tem a mesma opinião que eu e que eu já tinha antes de ler o livro. Não vejo talvez por isso muitos problemas, para além de que me deixou um pouco insatisfeito porque esperava que conseguisse desenvolver mais o tema.


A única objecção racional possivel (mas idiota) para esta abordagem é a apologia da maldade e dizer que é correcto escolher o mal estar para qualquer um. É dizermos que não querermos que haja uma distribuição justa do bem estar. Que não há justificação para a moral em si outra que querermos o melhor para todos e que podemos não querer o melhor para todos. Mas isso não só não é o que entendemos por moral, como leva a auto-destruição, e se pensassemos assim não estariamos preocupados com a moral. Acho que quem levantar esta objecção vai cair na posição do egoista e do psicopata e não conseguirá mostrar que é um sistema consistente e estável andarmos a dar facadas uns aos outros como contributo civico. Quanto aos que querem o bem estar só para si, isso pode funcionar até que sejam apanhados a darem cabo do bem estar dos outros. Na realidade estas pessoas podem ter repercursões muito mais sérias no bem estar das populações do que "apenas" nas pessoas directamente atingidas. Ja para não falar que uma vida, no caso de um psicopata assassino, será sempre mais valiosa que uns momentos de aceleração. Quero com isto dizer que o registo na distribuição do bem estar vai passar por valores mais baixos. Isso é suficente para explicar porque é que tal não é argumentavel num sistema que é feito a pensar em todos e não apenas em alguns especiais. E a moral é para todos. Senão estaremos a falar de outra coisa. Não me parece que venha a ser um problema chegar a consenso sobre isto.

Eu tenho defendido ocasionalmente que isto de escolher ser moral, de considarar moral como o bem, é uma escolha obrigatória no contexto de uma escolha mais básica que é querermos viver e escolhermos viver. Creio que uma sociedade que fique completamente maldosa colapsará nas suas próprias maquinações. Escolher a moral é escolher o caminho que leve a que qualquer pessoa em qualquer lugar tenha provavelmente o melhor que se pode esperar dos outros. E isso é o resultado de todos podermos ser essa pessoa. E de compreender que querermos todos viver o melhor possível e que na realidade nós somos também “o outro”.

Claro que pode haver indivíduos que procurem o bem estar sem se preocuparem com o que fazem aos outros para conseguir isso, desde o simples egoísta ao psicopata. Mas a moral não é a procura do bem estar individual de um individuo especial em detrimento de todos. Isso será o inverso da moral com origem em escolhas iniciais e princípios igualmente antagónicos: não distribuir o bem estar... E que daria, plausivelmente ao colapso da sociedade e não à sobrevivência nas melhores condições possíveis.

Porque queremos viver o melhor possível? Porque queremos viver de todo? Bem, essa é a questão. Não temos resposta absoluta. Resta saber se teremos também escolha. Não parecemos ter. Somos filhos de gerações e gerações de seres que escolheram (durante pelo menos uma grande parte do seu tempo) viver. O Sam Harris também aborda esta questão e também chega a esta falta de conclusões. E não tendo resposta absoluta, temos uma relativa a nós.

Mas o que é importante, é que parece que criamos a moral com este objectivo e que quer tenhamos escolha ou não, não parece haver duvidas que queremos bem estar. E que essa escolha, errada ou não, é para já aquilo que fazemos quando procuramos respostas morais. E que sendo assim, saibendo o que pretendemos atingir, estejamos completamente dentro do foro da ciência. A moral, se é a distribuição do bem é algo que pode ser abordado cientificamente. Mesmo com todas as dúvidas que ainda levanta.


Diria eu que é tal e qual como a medicina. A escolha de querermos ser saudáveis está certa ou errada? Tal como a moral, parte do principio que viver é certo, e que essa questão não impede que abordemos a saúde de modo científico, ainda que seja em si uma área cheia de incógnitas.

A escolha de querer bem estar, de querer viver, será sempre subjectiva. Será sempre relativa a sujeitos. Sem sujeitos não há fim em vista para a moral. É uma construção social e mental para que possa haver mais bem estar. Mas é uma que podemos estudar cientificamente em função desses sujeitos que somos nós. E é a escolha que por tudo o que sabemos TEMOS de fazer. Quer haja um deus ou não. De outro modo colapsamos.

O universo não deve estar ralado com a moral e com o bem estar. Mas nós estamos. É esse o sentido da moral. Pelo menos para nós é, mas somos nós que a fazemos, a moral é para nós. Não é para as pedras, para as estrelas e para o Sol. E se for aplicavel a estas coisas é sempre em relação a nós e ao que significa para nós. Por isso as coisas encaixam consistentemente... Que mais justificação pode haver? Que mais justificação que esta é sensato pedir?

Não sei. Mas mesmo que haja algo por responder, como em tudo, parece que temos o suficiente para fazer medições, projecções, modelos, testes, etc, Essas coisas da ciência.

AVISO IMPORTANTE: O livro contém, na discussão sobre psicopatas, o relato pessoal do que uma destas bestas fazia ao próprio filho. Esse relato é extremamente violento e aconselho a não ler a quem puder passar por cima. Não perde nada.

PS:

O autor tem uma secção onde discute o direito a acreditar. Não considerei a abordagem convincente mas levanta questões importantes que ainda não consegui processar. Não a achei de qualquer modo de relevo para esta reflexão sobre a obra.

sábado, 16 de julho de 2011

Pensamento, apresento-te o teu pensamento.

Muitos dos nossos pensamentos e muitas das nossas decisões, passam debaixo do radar da nossa consciência sem que tenhamos uma visão completa deles próprios. As respostas intuitivas emergem no nosso fluxo de consciencia e temos a tentação de as agarrar como verdades sem duvidar, apenas porque são nossas.

Pensamento crítico não é simplesmente criticar isto ou aquilo,

Pensamento crítico é antes de mais tornar o processo de pensamento acerca de algo um processo consciente. É um processo metacognitivo – é pensar sobre o pensamento. Conscientemente fazer as perguntas certas em cada passo do processo do raciocínio, dissecando um argumento nas suas pequenas partes.

Tornar o processo consciente é a maneira de conseguir uma abordagem sistemática e metódica de qualquer argumento.

Ao fim e ao cabo é por isso que temos consciencia (ver António Damásio, O Livro da Consciencia). Porque nos permite tomar melhores decisões. E é tirar o máximo partido do processo consciente do raciocínio que se pretende numa abordagem critica. Embora com mais esforço, é verdade, do que se aceitarmos a primeira coisa que nos vem à cabeça. Usar técnicas de pensamento crítico requer maior esforço do que não usar e naturalmente leva mais tempo. Mas chega a melhores conclusões. De facto implica perder tempo, entre outras coisas, a pesquisar mais informação.

Outra das competências que se espera treinar no pensamento critico é a capacidade de gerar mais hipóteses. Fazer um “brainstorm” como se diz em Inglês, e só depois de uma lista de alternativas possíveis elaborada, é que se passa para a avaliação sistemática de cada uma. Por isso alguns autores falam em pensamento critico-criativo.

No estudo do pensamento crítico procuramos adquirir as técnicas e ferramentas que nos permitam chegar às melhores conclusões possiveis, qualquer que seja a área que abordemos. E a aprendizagem prática do pensamento crítico, fazendo exercícios, é tão importante como o conhecimento simplesmente teórico destas ferramentas de raciocínio. É preciso criar hábitos de pensamento critico. Como na matemática ou no desporto é preciso praticar para se saber efetivamente usar essas técnicas.

Tal como em muitas outras coisas, sugere-se que a própria aprendizagem do pensamento crítico seja sistemática. Isto é, após aprender cada conceito novo devemos praticar a sua aplicação antes de passar para o seguinte. Embora talvez se possa aprender algum pensamento crítico enquanto se aprendem outras coisas, como história, matemática, lógica, etc, é provável que a aprendizagem directa e a prática especifica seja a maneira mais eficaz, já que nos dirigimos às questões diretamente e podemos pensar sobre elas. Tornamos a aprendizagem consciente, e ficamos conscientes da universalidade das técnicas de pensamento crítico.

Em conclusão, o pensamento critico é um processo consciente, sistemático e metódico que é aplicável a todo o pensamento e que visa chegar a melhores conclusões através da análise do próprio raciocínio.

Leitura adicional sugerida e bibliografia:

1 – Fisher, “Critical Thinking, an Introduction”. (Este livro é um verdadeiro achado, tem os fundamentais, imensos exercícios e é baratíssimo na amazon).

2 –Manual do Pensamento Crítico do Prof. Ludwig Krippahl da U.N.L – no site da disciplina (inclui aulas gravadas, aconselho especialmente a aula de pensamento científico), aqui: http://ssdi.di.fct.unl.pt/pc/teoricas.html

quarta-feira, 13 de julho de 2011

"Paranormality" do Professor Richard Wiseman.

Usando alegados fenómenos para normais, o Prof. Wiseman vai explicando onde o nosso cérebro falha e tira as conclusões erradas se não estivermos atentos e conscientes aos seus "bugs" naturais. Tudo cientificamente justificado.

Como cereja no topo do bolo, o autor ainda ensina (foi ilusionista profissional antes de estudar psicologia) a fazer uma série de truques que poderão fazer sensação numa festa.

Ao misturar de uma foram tão consistente ciência e entretenimento o livro "Paranormality" proporciona uma leitura agradável e edificante.

A única reserva que senti ocasionalmente, foi que o livro ao ensinar a explorar as falhas de percepção e raciocínio, está a ensinar a enganar o próximo. Mas isso é um problema de toda a ciência. Pode ser sempre usada para o bem ou para o mal. E o antídoto, neste caso, é saber onde podemos ser enganados.

Como conseguimos convencer qualquer estranho que o conhecemos tão bem como qualquer amigo? Como convencer um incauto que estamos a falar com um ente querido falecido? Como tirar pequenas pistas acerca do que as pessoas estão a pensar? Como criar uma sessão espirita?

As respostas a estas perguntas vêm todas no livro. Vem também a resposta à tal pergunta que eu considero essencial "como é que sabemos isso?"

Adicionalmente, o James Randy lançou um pedido a todos os cépticos que comprem o livro. Por uma simples razão. Nos Estados Unidos o professor Wiseman não conseguiu encontrar quem o publicasse por ser demasiado realista e sugeriram mesmo que ele dissesse que havia fantasmas ou lá o que foi para lhe avançarem com a publicação. A ideia é comprar a uma loja americana a versão inglesa (a única que conheço) e dar um tabefe metafísico no establishmant pró-treta americano. Eu comprei na amazon assim que li o pedido do James Randy. Se me estivesse a pedir para matar uma galinha ou ir de joelhos a algum lado não tinha acedido. Mas para mostrar apreço por investigação cientifica? Sem suor!

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Porque a evidência anedótica é anedótica?

De um modo geral, as razões mais frequentes pelas quais a evidência anedótica é anedótica são:

■Generalização falaciosa - porque normalmente apresenta poucos casos para depois generalizar para todos os outros, assumindo que o que temos é uma amostra válida. É uma tentação em que todos podemos cair para valorizar a nossa experiência pessoal ou falta de conhecimento. Houve uma altura em que não podíamos contar com muito mais do que amostras pequenas e isso terá ficado marcado no nosso cérebro ao longo da evolução. É extremamente tentador generalizar a partir de poucos dados, mas não tem desculpa quando há melhor. Quando não há é preciso prudência na mesma.

■"Cherry picking" - conscientemente ou não há uma tendência para "escolher as cerejas", ou seja, escolher e apresentar apenas aqueles casos que satisfazem aquilo que queremos defender. Se não apresentarmos os casos todos e com um sistema de observação que possa garantir que estamos a apresentar os casos todos nem podemos saber se há cherry picking ou não.

■Tendência para a confirmação e de relembrar apenas os positivos (confirmation bias) - é a tendência universal para encontrar o que se procura e de negligenciar o que não concorre para o foco da procura por não parecer relevante. Por outro lado, se já temos uma ideia pré-formada é sempre mais fácil ver os erros em raciocínios que não concluem o que nós acreditamos do que naqueles que concluem aquilo em que estamos de acordo. A tendência para a confirmação engloba também aquelas observações que mostram que nos lembramos mais facilmente de resultados verdadeiros do que dos errados. Por exemplo é o que sucede quando os pretendentes a médiuns lançam várias hipóteses para o ar a ver se alguma pega e as pessoas no fim só se lembram dos "hits". É parecido com "cherry picking" mas mais do que estar a escolher os casos é estar a ver casos positivos onde eles não estão.

■Falhas de atenção / percepção - a atenção tem um foco muito pequeno que não permite registar tudo o que se passa. No entanto o cérebro não é "avisado" de tudo o que não estava a ser processado e tende a considerar que o que não observou se mantém como esperado. Por outro lado o cérebro tem uma tendência para preencher o que não sabe ou o que não percebe com o que acha que deve ser. Tende a repetir padrões e até a identifica-los onde eles não estão (pareidolia, aparência de desígnio, ilusões de contornos - ver referencia (a) e (b) para exemplos).

■Falácia post hoc ergo propter hoc - é a tendência para julgar haver uma relação causa efeito entre dois fenómenos consecutivos no tempo. Por exemplo, o caso em que A antecede B e se considera que A causou B. Por exemplo os chineses acreditavam que o eclipse do sol se devia ao facto de este estar a ser engolido por um dragão. Por isso era preciso fazer barulho para assustar o dragão de modo a que ele devolvesse o Sol - funcionava sempre. Para os mais curiosos, o problema filosófico de saber quando é que podemos dizer que há causa-efeito é chamado de problema de indução de Hume e é resolvido com graus de certeza e não com certezas absolutas. No entanto precisa de avaliação sistemática e justificação teórica.

■Interesse pessoal / conflito de interesses - bias / fraude (esta claro que não é válida na primeira pessoa...)


Alguns destes problemas são pertinentes em todo o tipo de investigação. Vários investigadores têm mostrado que a tendenciosidade é um problema na ciência também . A questão é que sem metodologia e sistematização nem sequer conseguimos avaliar independentemente se há uma "confirmation bias" ou "cherry picking", para além de que a amostra pequena o sugere fortemente. Conseguir uma amostra significativa com um ou dois casos é virtualmente impossível para muita coisa.

Estas são também questões que afectam a maneira como interpretamos as nossas próprias observações. Mesmo que a sejamos nós a testemunhar, na primeira pessoa, temos de ter cuidado para não cair em nenhum destes erros. Se a nossa observação pessoal vai contra a observação sistemática e teorias cientificas, o melhor é começarmos a tentar perceber onde é que nos enganamos.

Não obstante tudo o que foi escrito, toda a evidencia e observação deve ser avaliada e julgada no contexto teórico em que se insere. Uma evidencia que não seja forte o suficiente para estabelecer uma teoria ou facto pode ser forte o suficiente para justificar uma observação compatível com uma teoria.

Em todo o caso a observação sistemática estará sempre acima de observação não sistemática, e há vários níveis de qualidade mesmo para a observação sistemática. No topo temos a observação repetida sistemáticamente com numeros grandes e verificada independentemente por vários observadores - senão nunca poderíamos derrubar teorias - ao fim e ao cabo a autoridade máxima na ciência é a evidencia empírica e não a teoria. Tem é de ser bem colhida e de modo a minimizar os problemas acima.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O ranking da Moody's passa a treta.

Quando avaliamos a credibilidade de uma fonte devemos sempre ter em conta os interesses. Esses podem de uma maneira intencional ou não enviesar a informação apresentada.

Às vezes é impossivel encontrar a tão procurada confirmação independente. Às vezes temos de procurar a existencia ou não de conflito de interesses e tentar avaliar dentro do contexto do conhecimento se há tendenciosidade ou não tendo em conta esses interesses. O que poderia ser sinal de enviesamento? Que alternativas podemos pensar para este resultado não resultar de enviesamento? Que justificação temos para o resultado divulgado? É o esperado com os dados e conhecimentos que temos - há uma explicação teorica?

A mudança de alterações proposta pela Moody's neste momento não tem justificação, na minha visão do problema. Ou tinha já há uns meses atrás, e devia então ter sido publicada nessa altura, ou se foi atrasada devia ter continuado a ser atrasada, porque os dados que entraram novos no processo do rating para julgar Portugal foram que há um governo novo e regras novas. Há apenas mais icognitas (porque ainda não há dados para julgar) que dificilmente serão consideradas de risco dado os sinais que deram às entidades internacionais.

A existencia de um interesse plausivel por baixo da atitude da agencia, aliado a uma impossibilidade de explicar racionalmente o timing da decisão leva a considerar extremamente suspeito os actos da referida entidade.

Parece-me que a justificação mais plausivel é que a Moody's pretenda muito mais influenciar o mercado que fazer dele um retrato atempado e realista.

O Cronica da Ciencia considera assim a empresa Moody's como carente em justificação racional e claramente no reino da treta ou da arte divinatória, apostando em "self fullfilling prophecys"


Parece-me que o caminho a seguir para os mercados lesados (o europeu) deverá ser responder à letra às justificações que alegadamente levam a um rating tão baixo para além de criar as suas próprias entidades de rating assegurando que estas por sua vez são idoneas.


Nota: Não pretendo escrever sobre economia. Isto é um artigo sobre cepticismo, caso haja duvidas.

"The Fallacy of Fine Tuning" por Victor Stenger

O “fine tuning” é o argumento de que o universo foi concebido especificamente para haver vida, partindo da premissa que as constantes que temos para valores naturais, são não só bem conhecidas, como não poderiam ser outras se quisermos que a vida seja possível. Outra das premissas de que parte este argumento é que a vida será sempre do tipo da que conhecemos aqui na terra.

Isto implica alegadamente a existência de um ser ainda mais organizado e complexo para explicar o nosso universo – Deus. O ”fine tuning” de facto tem sido um dos argumentos a favor da existência de Deus mais usados nos nossos dias.

Victor Stenger, ateu convicto e reconhecido, apresenta neste livro, argumentos que segundo ele próprio não se destinam a provar de uma vez por todas que não há fine-tuning através de provar como se formou o universo – apenas a provar que não temos razões para dizer que há "fine tuning" e que o universo é o que podemos esperar dele sem um “arquitecto” a desenhar. Nas suas palavras, demonstrar que o fine-tuning é uma falácia.

Começa por considerar que a maioria das alegações de fine tuning não são minimamente justificadas e dedica-se a desmontar apenas aquelas que apresentam algum suporte cientifico (alguns autores falam em listas de 36 mas nem dizem quais são especificamente!).

A maioria da argumentação é bastante teórica e requer bons conhecimentos de matemática e fisica para seguir. Este é um livro de divulgação cientifica que roça o livro técnico. Tem no entanto um resumo no fim para quem quiser ir directo às conclusões.

Mas em resumo, encontrando razões diferentes para criticar cada valor dos alegadamente afinados ele apoia-se num conjunto de achados:

- Nem todos os valores seriam manipuláveis independentemente. Alguns não seriam manipuláveis de todo sem que houvesse quebra das regras que sugerem para outros o próprio fine-tuning

- Manipulando valores sem ser um de cada vez podemos “compensar” uns com os outros.

- Alguns valores permitem uma margem de manobra maior que a “anunciada” sem eliminar a hipótese de haver vida.

- Alguns valores não estão bem estimados/calculados, logo não é possível sequer dizer que estão “afinados”,( tal só será possível após conhecer o valor em si.)



Para além disso alega ser plausível que haja vida com outras necessidades bastante diferentes das nossas. E baseia nisso a hipótese de poder haver outros tipos de universos capazes de albergar vida mesmo que não fujamos muito do que já sabemos hoje, isto é, precisamos de um universo complexo, não serve por exemplo um universo feito de protões.

Por fim faz um ataque frontal aos argumentos teológicos assentes em estatística Bayesiana e mostra como manipulando a probabilidade à priori podemos chegar a conclusões diferentes, sugerido que ainda não estamos prontos para usar esse tipo de estatística para avaliar a existência de Deus.

Isto tudo é feito sem sair da física clássica e sem abordar teorias mais extravagantes como a do multiverso ou a teoria das cordas.

Naturalmente que ja existe uma grande contestação à volta dos resultados, com muitos apelos a autoridade à mistura. No entanto a refutação das afirmações deste livro têm de ser cientificas. Esta discussão está definitivamente nesse campo.

O autor passa ainda uma grande parte do inicio do livro a desacreditar a ideia de que possa ter havido sequer um momento da criação, já que, argumenta, o universo não tem um inicio.

Aconselho a todos os que gostam de cosmologia, querem ter discussões informadas sobre a origem do universo e a existência ou não de Deus.

Citações interessantes do livro:

"Na minha visão, a vida é uma propriedade que qualquer sistema suficientemente complexo, não linear, interactivo e dissipativo desenvolverá se tiver tempo suficiente"

"Então o universo começará com entropa ou desordem máximas. Começa com informação a zero. Não tem registo de nada que possa ter havido antes, incluindo conhecimento e inteções de um criador."

"Além disso, mesmo em ciência, em que relações causais foram construidas dentro de modelos durante séculos, nós temos acontecimentos que surgem sem causa. Quando um electrão num estado excitado de energia num atomo cai para um nivel masi baixo, ele emite um fotão (...). Isto é um fenomeno quântico que na maioria das interpretações da mecanica quantica acontece espontâneamente, isto é, sem causa."

"Craig and Sinclair invocam outro tipo de infinito: um infinito de uma extenção medida. O seu teorema acima [que refere o absurdo do infinito como realidade] está correcto. Mas é irrelevante. Enquanto os cientistas são descuidados com o seu uso do termo "infinito" eles não alegam que o universo é infinito em espaço e tempo. Eles dizem que não tem limites."

"contudo a história biblica da criação não tem qualquer semelhança que seja com o Big Bang tal como descrito pela cosmologia moderna. O Génesis descreve uma criação tendo lugar em seis dias há uns milhares de anos. De acordo com o Genesis , a Terra foi creada ainda antes do SOl, a Lua, e as estrelas e tudo num firmamemto fixo. Em contraste, na cosmologia cientifica o universo é descrito saindo do caos por "tunneling" há 13,7 biliões de anos e num universo em expansão, certamente não num "firmamento" em que o sistema solar apareceu há 4,6 biliões de anos, seguido pela formação do Sol e da Terra nos seguintes 100 milhões de anos ou assim."

"doesn´t it make you wonder why He waited 13,6 biliões de anos antes de nos criar a nós?"

"Como veremos a invariancia de gauge foi o mais importante principio fisico descoberto no século XX. Notar que "gauge invariance" é apenas uma maneira bonita de dizer "invariancia em respeito ao ponto de vista""

"De notar que se o universo veio do nada a sua carga total tem de ser zero, tal como esperado se não houve criação milagrosa"

"Em 1949, Richard Feynman mostrou que electrões retrocedendo no tempo podem ser vistos como positrões acançando no tempo."

"Vou fazê-lo para mostrar que, mesmo no caso pouco provavel de existir apenas um universo, o fine tuning não existe, não há fine-tuning, ou seja, o fine tuning é uma falacia de todos os angulos".

Nota: traduzi bilion por bilião e não por milhar de milhão.

PS: Este livro não é uma repetição do ultimo do Hawking, que assenta na teoria das cordas para explicar porque o "fine tuning" não deve ser algo de estranhar. Aqui o Victor Stenger faz um ataque muito mais frontal com fisica muito mais bem estabelecida.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O que é o conhecimento? O que é saber?

O conhecimento é a crença, verdadeira, justificada.

Basta pararmos um pouco a observar as pessoas para ver que crenças há muitas e portanto o conhecimento não pode ser apenas sinónimo de crença. Também podemos perceber que se uma coisa é verdade mas nós não acreditamos que seja, não faz sentido dizer que temos esse conhecimento. E assim avançamos para a segunda parte.

Para ser conhecimento, essa crença tem de ser verdadeira. Mas aqui temos um verdadeiro problema. Não temos uma maneira infalível para chegar à verdade. Já estamos de acordo (ou deviamos estar) de que não basta acreditarmos para que seja verdade, e aproveito para acrescentar que também não é apenas testando que garantimos a verdade. Já que isso implicaria também infalibilidade. Mas sabemos que não temos isso porque erramos nos testes e nas interpretações várias vezes. Como a verdade não entra por nós adentro por osmose, há quem tenha querido ver-se livre dela. Mas não é possível. Precisamos sempre de um critério para o que consideramos verdadeiro, para caracterizar a correspondencia entre conceitos e a realidade. Basta pensar na frase que o afirma: ”é verdade que a verdade não existe”. Leva a um beco sem saída, é de facto uma afirmação godeliana. É preciso aceitar a falta de absolutismo na aquisição da verdade mas não a descartar. Temos de ver de qualquer modo o que vamos considerar que se aproxima mais ou menos da verdade (já que esta continua em si um conceito absoluto). Por isso passamos para a terceira parte e a mais importante em termos práticos. A justificação.

Conhecimento é a crença, verdadeira e justificada, e já que com as caracteristicas anteriores não podemos contar, apesar de não as podermos descartar, temos de considerar então a justificação que uma crença tem como verdadeira, para que seja conhecimento.

Na realidade, o que distingue duas afirmações quaisquer uma da outra é a justificação que elas têm. Justificar por ser crença de alguém ou por afirmar repetidamente que “é a verdade” ou “eu sei”, são justificações sem sentido. É igual a dizer que “é porque é”. Mas não é conhecimento.

Existe um numero infinito de afirmações que se podem fazer acerca de qualquer coisa. Mas só uma pequena porção corresponderá a algo real (sim, a verdade está em grossa inferioridade numérica, seja ela o que for) . A única maneira que se encontrou até agora para distinguir uma afirmação de outra qualquer nesse conjunto infinito, foi dando importância à justificação. Não conseguimos distingui-las por serem crenças de alguém ou por serem verdade, já que a justificação é o melhor que temos dessa coisa que chamamos verdade.

E já agora, dentro de uma aproximação relativa da verdade, em que não temos certeza se é verdade ou não mas procuramos o melhor possível, é o teste empirico e metódico que faz (tem feito) a maior diferença. O teste empírico não garante por si a verdade absoluta mas até sermos todos deuses é o melhor que temos para justificar afirmações, já que raciocinando apenas tem sido impossivel (muitos, muitos erros) saber como as coisas são fora das nossas póprias mentes (e dentro delas também já que se fala nisso).

Mesmo este bocadinho de texto que os filósofos considerariam filosofia, é conseguido com recurso a experiencia empirica e metodica. Senão ainda acreditavamos que acreditar por si só significava alguma coisa. Ou que existe um modo de sermos “iluminados” e alcançar “a verdade” assim de repente - …e ainda há muita gente que acredita. Infelizmente apresentam más justificações para isso.

Conseguir afirmações que se distingam por serem eficazmente aplicadas à realidade dá muito trabalho. Mas pode-se ensinar como se faz.



Resumindo, a grande Pergunta é:

(Shakespear enganou-se, não é essa)

“Como é que se sabe isso?”

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Anti-vacinação, o direito de escolher e o que isso exige. E porquê.

Com a liberdade e o acesso livre à informação vem a responsabilidade acrescida de saber pensar criticamente antes de chegar a conclusões e tomar decisões. Pensar criticamente não é aceitar intuitivamente uma ideia pelo que ela parece ou pelo quanto ela seduz. Pensar criticamente é tornar consciente o processo de avaliar um argumento e de chegar a uma conclusão. E fazê-lo metodicamente.

Tentar ver as coisas a preto e branco, optar pelo juízo rápido e depois não o largar, são tentações que todos temos. Mas são perigosas.

O caso do movimento anti-vacinação é um exemplo da pertinência das questões levantadas acima.

A evidência cientifica e histórica é sólida na justificação da vacinação.
A evidencia contra é anedótica no melhor dos casos. Anedótica e a alegar conspiração para justificar a falta de outra evidências necessárias. E essas são marcas típicas de ideias erradas - sem justificações razoáveis. E se a evidencia é anedótica, a argumentação é um saco de falácias. Mas já lá vamos.

Uma coisa não é verdade ou mentira só porque podemos imaginar uma conspiração à volta dela – podemos imaginar conspirações à volta de tudo e só uma pequena percentagem será real. A conspiração por si não justifica nada (neste caso, o diabo da Bigfarma e dos médicos – que escondem os efeitos adversos mais terríveis que só uns eleitos podem saber).

Por outro lado, uma coisa não é verdade só porque existem histórias de sucesso - mesmo que sejam verdade - a suportar essa ideia. Histórinhas, com quem conta uma anedota, vai haver acerca de qualquer coisa que nós imaginemos que alguém possa acreditar. E mesmo quando são verdadeiras não devem ser usadas como sendo uma amostra fiável de um universo maior. Normalmente são escolhidas por serem concordantes com o que se quer provar, aquilo a que se chama “cherry picking”, negligenciando todos os outros casos e são ainda demasiado poucas para serem significativas. Temos de saber todas as histórias, ver a proporção de casos de sucesso e de insucesso e só então concluir. Também é preciso avaliar o contexto e o fundo teórico (aquilo que está bem estabelecido e diz respeito ao caso), e então julgar. É preciso saber hierarquizar a evidência em graus de força de prova e avaliar a plausibilidade de acordo com a justificação que possa haver. Em alguns casos a evidência pode ser tão forte que derruba teorias, mas isso é outra história.

Sabemos que estão a aparecer surtos de doenças previamente controladas (na era antes anti-vacinação). No entanto ainda aparecem os defensores desta ideologia a argumentar que têm 3 ou 4 filhos não vacinados e que estão todos bem. Isto é claramente anedótico como evidência num contexto maior e como argumento contra a vacinação.

Outra falácia: Também sabemos que uma coisa não é boa só porque é natural. A doença e a morte são naturais. Tal como as aflotoxinas e o curare. O que é natural pode ser bom, mas para sabermos isso temos de encontrar outro argumento para além do facto de ser natural. Chama-se a este argumento – só apelando ao facto de ser natural - “falácia do naturalista” e é abusado por defensores da anti-vacinação.

Ironicamente, os casos bem sucedidos da anti-vacinação que poderão existir neste momento, (para além de poderem sempre deixar de ser bem sucedidos no dia seguinte), são com muita probabilidade bem sucedidos apenas porque os outros estão vacinados, fazendo como uma barreira de protecção à sua volta. Uma almofada de segurança que lhes permite dizer que não estão vacinados e não apanharam doenças nenhumas.

E é por isso que ao deixarem de se vacinar, a si e aos seus, estas pessoas estão a por a todos em risco. As vacinas não são 100% eficazes. São muito eficazes, mas 100% não há nada, nem sequer as vacinas. Existe assim, para cada vacina, valores de protecção de “rebanho”. Valores de taxas de vacinação de uma população, abaixo da qual, essa almofada de protecção deixa de existir. Para todos. Para os que agora abusam dela para dizer que não se vacinaram e estão bem, e para os que se vacinaram e para além da sua protecção de imunidade pessoal contam com a luta global contra a doença.

Outro argumento, para lá da evidência anedótica e da falácia do naturalista, é o de argumentar pelos perigos das vacinas. Isto começou com um artigo que associava a vacina tríplice ao autismo, gozou do apoio de “experts” em vacinas e paternidade como por exemplo a Britney Spears e mesmo antes de se ter conhecido a origem fraudulenta do artigo já se tinha reunido evidência cientifica suficiente para mostrar que não havia relação entre autismo e vacinação (algo que é sempre difícil que é provar uma negativa). Mas a coisa persistiu.

Dos perigos das vacinas, e aqui tenho de admitir que existem alguns efeitos secundários mas nada a que seja razoável por lado a lado com os efeitos das doenças, alguns concluem que não têm eficácia. Mas a lógica aqui não segue. Até podiam ter imensos e perigosos efeitos secundários e ter de qualquer maneira uma eficácia colossal contra os agentes mórbidos. Segurança e eficácia são propriedades diferentes que são aqui confundidas e sem que nenhuma delas seja um problema.

Numa linha igualmente carente de lógica e justificação cientifica estão os que negam a realidade da existencia de vírus e bactérias. Consideram a doença uma coisa que é apenas causada por energias esquisitas ou forças bizarras e portanto não vêm a vantagem em administrar formas mortas ou atenuadas de agentes patógenicos para induzir imunidade. Negam de uma assentada uma quantidade colossal de evidencia acumulada ao longo de décadas, e colhida através de varias linhas de investigação. A ultima das quais, e a propósito, está relacionada com a comprovação da eficácia das vacinas.

Enquanto existem países onde morrem crianças porque não se conseguem controlar as doenças recorrendo à vacinação, nos países civilizados e sob o slogan de que “cada um tem direito a ter a sua opinião”, começam a surgir novas ondas de doenças para as quais hà vacina, por uma questão ideológica.

Mas afinal cada um tem direito à sua própria opinião, mas não à sua própria realidade.

A internet – a forma pela qual estas coisas se têm disseminado, tal qual vírus patológico - é dificilmente a culpada, já que são as pessoas que têm de aprender a pensar criticamente sobre as questões. Os média já não vejo com tanta inocência. Ao colocarem lado a lado diferentes ideias de um modo neutro, e dando o mesmo espaço de justificação a cada uma, vão deixar quem não se debruçar mais sobre o tema com a ideia de que são ideias em pé de igualdade perante a realidade. Por várias razões que tenho explorado neste blogue, nomeadamente os “apelos à ignorância”, dizer que determinada coisa tem “justificação cientifica” já não é suficiente para dar autoridade a nada (ser jogador de futebol no entanto parece que é), a não ser que seja para vender produtos de emagrecimento.

O apelo à ignorância é a ultima falácia com que termina o artigo do Publico que me levou a escrever este “post”. São, de um modo geral, a tentativa de se justificar algo com aquilo que não se sabe. Mas o que não se sabe não serve para justificar nada. Diz o referenciado defensor da anti-vacinação no mesmo jornal: “Há algo irrefutável: as certezas cientificas de hoje podem ser mentiras amanhã.” . Mas por muito que seja verdade que a ciência erra e evolui, isso não quer dizer que esteja errada neste aspecto especifico - ou que lhe vá dar razão neste ponto especifico. Para isso é preciso outra linha de argumentação e de evidencia, independente do facto da ciência ser perfeita ou não, nomeadamente uma que suporte por si só a anti-vacinação. Se a ciência vai contradizer-se neste aspecto não sabemos. Para já contradições tão gritantes não são de esperar quando há um volume de evidência tão sólido como há para a vacinação e depois isto é querer adivinhar o futuro sem apresentar razões. Não só esta argumentação é refutável como facilmente refutável. É um argumento pela ignorância – uma falácia bem conhecida. E no entanto o jornalista também não diz nada. Quem souber pensar que pense e quem saiba ver que veja – não me parece bem de todo quando se põem tantos testemunhos anedóticos e sabendo o poder que estes têm no conhecimento opinativo.

Mas é preciso alguém que chame a atenção de que as pessoas que defendem esta ideologia não estão só factualmente erradas como estão a argumentar mal. E é preciso chamar a atenção das pessoas que se querem continuar a poder fazer escolhas têm de saber mais e justificar melhor o que querem.

Porque assim, eu pelo menos, sou da opinião de ir para a solução de tornar a vacinação obrigatória.

Para não estarem uns a pagar pela teimosia de outros em não aprender os factos e não aprender a pensar.

Podemos não saber o que é a verdade. Mas devemos escolher aquelas coisas que têm a melhor justificação de lá andar perto a cada momento. Não escolher a dedo os exemplos, não tentar adivinhar de acordo com o que nós desejamos e não confundir o direito a ter uma opinião com conhecimento. Esse precisa de uma justificação melhor que um conjunto de factos arbitrários, inventados, o enconbrimento de outros e uma sarrafada de falácias.

O artigo do Publico é este:

http://www.publico.pt/Sociedade/ha-cada-vez-mais-pais-a-dizer-nao-as-vacinas-como-forma-de-prevenir-doencas_1501266

domingo, 3 de julho de 2011

Homeopatia: Afinal que critérios?

De vez em quando deparo-me com alegações do género "funciona com outra filosofia" ou "que a ciência ocidental não pode ver".

Desta vez foi que: "os critérios de evidência aos quais a Homeopatia tem sido submetida, estão totalmente errados" (1)

É difícil manter uma resposta séria a alegações destas. Os critérios com que avaliamos eficácia estão errados?
Como por exemplo querer saber se realmente cura e trata doenças?

Se calhar devíamos usar outros critérios. Quais?

Talvez o critério com que consegue vender agua ao preço de medicamento, não?

Porque é para aí que leva defender a "evidencia anedótica" como é da praxe nestas coisas.
(1)http://homeopatia-chl.blogspot.com/2011/02/mentes-fechadas.html

Via "Que treta" do Prof, Ludwig Krippahl de quem aconselho o respectivo post:

http://ktreta.blogspot.com/2011/07/treta-da-semana-mentes-fechadas.html