quarta-feira, 30 de maio de 2012

O uso humano de recursos de agua doce é responsavel por parte do aumento do nivel do mar.

Porque estamos a precisar de agua doce para electricidade e irrigação, etc, estamos a construir barragens. Mas como só se produz energia se se abrir a barragem, essa agua acaba por ir para o mar. E só a meteorológica já não chega.

Por isso é preciso fazer furos até reservatórios subterrâneos e bombear agua para a superficie. Só que estamos a bombear mais depressa do que esses reservatórios conseguem encher. Estão a ficar mais vazios. E essa agua que bombeamos para fora de reservatórios biológicos acaba no mar.

E essa é mais uma causa da subida do nível das aguas do oceano e um exemplo de como o homem está a transformar o planeta enquanto muitos ainda acreditam que é um sistema tão estável que o homem não pode nele produzir alterações significativas.

Eu não acho que se deva acabar com tudo. Acho que temos é de usar a ciencia para avaliar muito bem as nossas opções e ser capaz de trocar a satisfação imediata em algumas coisas por um futuro mais compensador. Ser capaz de fazer o "gratification delay" e agir planeadamente para um curso sustentável.


Bibliografia:

http://arstechnica.com/science/2011/09/can-pumping-too-much-groundwater-raise-sea-level/

http://www.agu.org/pubs/crossref/2012/2012GL051230.shtml

http://arstechnica.com/science/2012/05/damned-if-you-dont-dam-groundwater-use-outpacing-dam-building/

Divulgação ciêntifica - mostrar a controvérsia - como o fazer.

Algumas coisas são matéria de especialistas. Mesmo o publico inteligente e bem informado pode ter dificuldade em julgar por si quem tem razão. Tenho notado isto em vários posts deste blogue.

E esta é uma razão pela qual documentários ou noticias que mostram as várias faces da investigação cientifica mas dão igual importancia a todas as abordagens não contribuiem para o enriquecimento da cultura cientifica.

A ciência é feita de paradigmas(1)  e campos de investigação(2) que só acontecem porque existem consensos alargados. Afinal a confirmação independente é um dos pilares da ciencia e começa logo ao nivel dos dados. Mas como não há dados sem teorias (3) em que estes façam sentido a ciência precisa de consensos para progredir. No peer-review, na confirmação independente, na discussão envolvida na pós-publicação (e que se não se der nos canais adequados pode não receber a critica devida), etc, a cada passo até ao quadro geral em que se tem um plano de investigação em que se trabalha, o consenso é importante. Em resumo, sabemos que estamos a chegar a algum lado e que não estamos todos loucos, porque conseguimos consensos sobre o que os dados significam e sobre as teorias que lhes dão significado.

Algumas vezes apenas o consenso cientifico não era a melhor explicação, no seu tempo, em cima da mesa. De um modo geral, após a discussão cientifica habitual, as melhores explicações em disputa acabaram por ser aceites. Casos embaraçosos existem como por exemplo se deu com a questão da deriva dos continentes que foi consensualmente emxovalhada para lá do habitual. Mas são uma minoria.  De um modo geral o consenso cientifico refletiu o melhor que se podia saber a cada altura.

As grandes teorias que geraram muita polémica noutros niveis e que são muitas vezes apresentadas como exemplo de ideias contra-corrente na ciencia que eram melhores, na maioria dos casos foram aceites pelo consenso com bastante rapidez. Galileu encontrou oposição da Igreja, sobretudo de alguns membros influentes, mas foi aceite pelos astronomos. Darwin foi gozado por crentes em outras teorias mas à data da sua morte já era visto como um grande cientista e a sua teoria da evolução aceite pelos pares, etc.

Nestes casos, a polémica foi entre leigos.  Não quer dizer que não tenha havido um ou outro especialista a fazer fica pé a estas teorias. Quer dizer que a maioria deles viu a razão na altura devida. Entre o público em geral... Bem, nesses a controvérsia dura até aos dias de hoje (4)(5). E há muitos outros exemplos, desde na medicina (6) até a quem acredite que a Terra é plana(7).

Por isso, apresentar versões minoritárias em documentários não reflete aquilo que se faz em ciência. Não reflete na prática, porque os cientistas andam em regra a fazer outras coisas, e não reflete na teoria porque na ciência os consensos importam e assim dá a entender que é um regabofe em que ninguém se entende.

Por isso, documentários ou noticias que apresentem versões contraditórias devem ter o trabalho de dar mais enfase ao que diz o consenso e apresentá-lo como sendo o paradigma actual. Por um expecialista a dar uma versão consensual e outro a dar outra contraditória não mostra o que se está a fazer na ciência se não se disser o peso relativo que cada coisa tem. É um mau trabalho e não ensina.

Pior ainda é propor que o próprio documentário ou artigo está a fazer ciência ao avançar a discussão. Não é o local nem o modo como deve ser feito. A ciência faz-se com método. E funciona.

Ver outro "take" do mesmo assunto:

http://arstechnica.com/science/2012/05/climate-models-ignored-by-media-except-for-their-critics/ (depois não se estranhe que não basta ter mais literacia cientifica. É mal ensinada em primeiro lugar).

Referências:

(1) Thomas Khun, em a "Estrutura das Revoluções Cientificas".
(2) Imre Lakatos em "Criticism and the Methodology of Scientific Research Programmes"
(3) refutação de Hilary Putnam ao positivismo logico (do qual eu concordo com muita coisa, e ao contrário do que se diz não está morto, mas este aspecto é bastante consensual que está morto): http://en.wikipedia.org/wiki/Logical_positivism#Hilary_Putnam.27s_objection
(4)http://en.wikipedia.org/wiki/Intelligent_design
(5)http://en.wikipedia.org/wiki/Modern_geocentrism
(6)http://www.cronicadaciencia.blogspot.pt/search/label/medicinas%20alternativas%20e%20complementares
(7)http://cronicadaciencia.blogspot.pt/2009/06/no-coments.html

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Confiança nos ateus.

De um modo geral os crentes desconfiam dos ateus.

Uma das hipóteses que explica tal desconfiança é a convicção que os ateus agem como se não houvesse ninguém a supervisionar os seus atos.

De acordo com esta hipótese verificou-se que a desconfiança em relação aos ateus diminuía após serem expostos a um documentário sobre a eficácia da policia. Naturalmente, a desconfiança face a Gays ou Islâmicos não diminuía. Afinal o medo destes virá por outras razões.

Via Epiphenom.

Em ciência, uma teoria não é mais uma opinião.


Uma teoria cientifica é uma descrição capaz de explicar tudo (ou quase) o que se conhece e de fazer previsões testáveis. É ainda capaz de se integrar no contexto maior da ciência sem criar inconsistências. O rigor necessário que se tem para chamar a algo uma nova teoria proporciona a que possam haver consensos sobre a sua veracidade. Os consensos científicos permitem formar grupos alargados de cientistas capazes de estudar a mesma área e trocar informações. Quando aparece uma teoria melhor, uma discussão em torno dessa teoria, na maioria das vezes leva à queda justificada da anterior.

Uma teoria cientifica não é uma opinião. Não é algo que cada cientista tem a sua. Não é algo que possamos escolher a dedo de entre uma lista a que nos agrada. É algo que requer imenso esforço de muitas pessoas para conseguir. É algo que requer que grupos em competição por dinheiro, glória e poder aceitem estar de acordo sob pena de deixar de poder considerar-se racionais, pois são independentemente verificáveis.

Uma teoria cientifica, como explicação, é o que de mais perto se tem da verdade num determinado campo. Mesmo a veracidade dos factos e o que nós interpretamos nas medições, os dados, dependem em parte das teorias que temos para os interpretar.  Mas um facto difere de uma teoria por não ser uma explicação. O grau de verdade espera-se no entanto que seja praticamente o mesmo. Como disse, são interdependentes. Sem teorias não há factos. E que tudo isto encaixe como peças de um puzzle é o que nos permite dizer que a ciência funciona. Por isso, e porque podemos estar de acordo sobre isso.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Considerações sobre a eficácia do Reiki



Uma teoria cientifica, tem de explicar o que se sabe e fazer previsões testáveis. Podemos com as teorias construir modelos e levar as previsões um passo ainda mais à frente. Testar as previsões é uma maneira eficaz de avaliar a veracidade das teorias.

E o que a ciência prevê para coisas como o Reiki, é que não se encontrem provas de que funcione. Não mais que o efeito placebo – isto é, por aquilo que reproduz o Reiki em tudo, excepto nas suas caracteristicas especificas.

A ciência prevê isto, porque o Reiki assenta em noções pré-cientificas acerca de entidades e conceitos que sabemos não existirem com um grau de confiança elevado. Não estão nos modelos cientificos que permitem explicar e prever tantas outras coisas.

Por isso, embora existam poucos estudos rigorosos, num contexto de pouca plausibilidade, e sendo que eles suportam a previsão de que o Reiki não tem efeitos que a si possam ser unicamente atribuido, a conclusão que merece confiança é de que o Reiki não se distingue de placebo.

Notar que encontrar 

resultados em que imitar Reiki é igual a fazer verdadeiro Reiki está em linha com o que se prevê encontrar com o efeito placebo.

E é isso que acontece. Mais, como o efeito placebo é sobretudo um efeito na percepção e não um efeito sobre a entidade patológica em si, é de esperar também que seja na dor e noutras questões subjectivas que vamos encontrar significado estatistico no uso do Reiki. E claro. É isso que acontece.
O mesmo efeito poderia ser obtido com uma série de mentiras sobre a cura…

Ou simplesmente fortalecendo a crença no tratamento genuino e apoiando psicologicamente as pessoas. Afinal, o efeito placebo é um efeito da crença, não do tratamento, e como tal é muito mais fácil de obter. Existe em tudo. Até nas coisas que funcionam mesmo.

Como já disse antes, o que as pessoas sentem, para além de estarem realmente a ser tratadas, é importante. Mas podemos conseguir isso sem estar a destruir a imagem da ciencia – das coisas que realmente funcionam  -e a destruir o próprio beneficio que se tira daí.

Para já, isto é o que a ciencia diz. Sem grandes dúvidas. Caso haja provas em contrário, estou disposto a mudar de ideias. Mas acreditar nisso em face da evidencia disponivel é acreditar que a melhor aposta é no que tem menos hipoteses de ganhar…

E por favor, não disparem no mensageiro. Vejam-se os estudos abaixo:

BIBLIOGRAFIA:

Estudo de revisão: Enquanto que não se encontraram reduções significativas nos sintomas, o Reiki melhorou a boa disposição:

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21584234

Outra revisão onde não se encontra suporte para esta prática:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18410352

Não há diferenças entre Reiki verdadeiro e Reiki “à balda” no que se refere à significancia estatistica dos resultados. No entanto, como fazem os acupunctores, conclui-se que ambos funcionam e não que é apenas placebo:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21531671

“Review” que conclui que não se pode tirar conclusões sobre a eficácia, que é preciso mais testes (como se o que se espera é não se encontrar suporte para o Reiki?):
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21701183

Conclui eficácia para dor (embora p=0,091) e ansiedade em doentes oncológicos:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21998438

Encontrei apenas dois ensaios clinicos que considero bons por cumprirem regras imporantes de metodologia. São estes dois:

Estudo randomizado, duplo cego (Reiki à distancia) após cesariana – Não funciona:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3191394/?tool=pmcentrez

Estudo randomizado, controlado com Reiki falso, na fibromialgia – Não funciona:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3116531/?tool=pmcentrez

Reiki pelo Prof. Edzar Ernst, doutourado em medicinas alternativas e convertido ao cepticismo ao tentar demonstrar que elas funcionavam: http://edzardernst.com/2013/04/reiki-neither-plausible-nor-effective-nor-harmless/

Não encontrei nenhum estudo randomizado, cego, e controlado com placebo (falso Reiki) que sugerisse eficácia no Reiki. Agradeço a quem encontrar algum que me diga.

sábado, 12 de maio de 2012

O Empiricismo Lógico está morto?

Não é o que se vê por aí. Largamente os que trabalham em ciência ainda são aderentes.

E os filósofos?

Bem, isto é o que diz a Stanford Enciclopédia of Philosophy:

Even in its heyday many philosophers who on either doctrinal or sociological grounds can be grouped with the logical empiricists did not see themselves that way. We should not expect philosophers today to identify with the movement either. Each generation finds its place by emphasizing its differences from what has gone before. But the spirit of the movement still has its adherents. There are many who value clarity and who want to understand the methodology of science, its structure, and its prospects. There are many who want to find a natural home within a broad conception of science for conceptual innovation, for logic and mathematics, and for their own study of methodology. And importantly there are those who see in science a prospect for intellectual and social reform and who see in their own study of science some hope for freeing us all from the merely habitual ways of thinking “by which we are now possessed” (Kuhn 1962, 1). These are the motives that define the movement called logical empiricism. As Twain might have said, the reports of its death are greatly exaggerated.

http://plato.stanford.edu/entries/logical-empiricism/#Imp

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Mais uma revisão da acupunctura


Este é um “post” longo, mas para me dirigir a todas as questões que são pertinentes na avaliação da acupunctura, num contexto em que esta é uma pratica extremamente popular, parece-me necessário. Espero que valha a pena o esforço do leitor. Procuro responder às defesas mais recentes dos acupunctores face aos céticos e sem prejuízo da minha postura cética quero começar com o seguinte “disclaimer”:
Eu não penso que espetar agulhas não tenha nenhum efeito (espero que não haja para aí amigos do “quote mining”). Não é plausível – se não houvesse nenhum efeito não sentíamos as picadas. A quebra da integridade dos tecidos, só por si, deverá levar a alguma reação por parte do organismo.  A própria sensação da picada e a dor moderada associada a esta, deverá causar alguma distração do foco da atenção, libertar endorfinas e confundir a perceção que temos do nosso próprio corpo. Mas aqui estou a divagar. Eu penso que não é isto que importa – se há algum efeito, seja qual for, ou não:
Penso que o que importa é se existe realmente benefício clínico obtido especificamente pela prática da acupunctura. Isto é, se existe efeito com significado para o doente e um que não possa ser obtido de outro modo mais simples e prático. Isto implica avaliar não só os resultados finais do procedimento do acupunctor, como também a possível explicação que haja para estes resultados. Se os benefícios, a existirem,  não vêm de onde a acupunctura diz que vêm, não só faz pouco sentido usar a acupunctura para os justificar, como devemos encontrar um modo de os reproduzir com a explicação correta.
Como isto não é um assunto fácil, convém antes de mais nada sermos claros. Temos de saber do que estamos a falar e não andar a misturar as coisas. E eu neste “post” não me refiro a formas mais recentes de acupunctura, como por exemplo a electroacupunctura. Uma coisa de cada vez. Porquê? Por um lado, porque é muito diferente meter eletricidade ao barulho do que não meter, seja no que for, por outro porque pode não fazer sentido acrescentar acupunctura à eletroestimulação:
Se não houver bases para a justificar a pratica de acupunctura, dificilmente se pode fazer o argumento de que há para justificar a de eletroacupuntura, pelo menos de um modo que a distinga da eletroestimulação. E para fazer essa distinção, precisamos de testes desenhados para esse efeito especifico e, embora não me pareça que  existam muitos estudos promissores (dentro dos que cumprem determinadas critérios de rigor), não é o assunto que está neste “post” em estudo. Mas se não se distingue eletroacupunctura de eletroestimulação, devemos optar pela explicação mais simples: é de que é a eletroestimulação que está a atuar.
Podemos sempre adornar uma teoria com entidades e explicações supérfluas sem alterar o seu resultado prático. Podia dizer, por exemplo, que as marés existem porque há Duendes que fazem a água andar para frente e para trás. À resposta de que é por ação gravitacional da Lua, eu podia responder que sim, que essa está lá mas é que essa é uma explicação reducionista, que os Duendes estão lá na mesma a ajudar.
Mas que é que isso acrescentava? Nada… Por isso, sabemos desde os princípios da filosofia que se “A” explica o mesmo que “A mais x” é porque o “x” não explica nada (1). Eletroacupunctura precisa de explicar mais que só o feito pela parte “eletro” para manter a parte “acupunctura” com alguma relevância. E por outro lado, pela mesma razão, se a eletrocupuncura funciona para alguma coisa, isso nada diz acerca da acupunctura por si só.
Por isso repito, não é sobre essa evidencia, acerca da eletroacupuncura, que eu proponho ponderar e pensar agora. Agora é a parte “acupunctura” apenas, tal qual nos é apresentada. Apenas quis deixar uma explicação clara e objetiva para não abordar a vertente eletro e não querer misturar as coisas.
Pretendo sim mostrar porque mantenho o ceticismo relativo à acupunctura mais tradicional,  a “unplugged”, deixando ligações para o que dizem os testes empíricos mais rigorosos e salientado que existe um trabalho de revisão cientifica  (5.1 ) já feito, que me permite não me preocupar em reunir tudo o que se sabe, (todos os testes) e me deixa ir direto ao que me interessa.
Mas agora comecemos pela teoriaA teoria fornece o suporte “à priori” de qualquer teste. Dá o contexto em que este deve ser lido. Testes estatísticos com valores de p usuais  favorecem falsos positivos (2 e 3), por várias razões e por isso existe uma defesa cada vez maior em que se use também  a estatística bayesiana. Por isso é importante de qualquer modo avaliar a plausibilidade, ver para onde aponta a evidência que já temos. No fundo fazer como Sagan tão eloquentemente colocou: “afirmações extraordinárias requerem provas extraordinárias”(3).
E é logo aí, na apreciação da teoria da acupunctura, que começam os problemas. A ciência contemporânea, explica muito satisfatoriamente o que é a vida, a homeostasia, e as diversas causas de doença ao ponto de não fazer falta recorrer a Qi ou meridianos de qualquer espécie. Novamente, por uma questão de simplicidade, faz sentido cortar a explicação supérflua. Não faz falta para explicar nenhum facto conhecido. Ao fim de mil anos de existência, é um bocado pouco. Igualmente não faz sentido racional apelar ao “Qi das lacunas”, isto é, andar à caça de pormenores onde o conhecimento cientifico não é muito bom e dizer: “não sabemos, logo é o Qi!”.
O dizer que o Qi existe é francamente uma afirmação extraordinária num contexto cientifico.
O que se poderia passar de qualquer maneira era, apesar de não ter uma explicação razoável, ainda assim, a acupunctura funcionar. Muitas descobertas científicas acontecem por acidentes, numa altura em que ainda não se esperam nem se sabe porquê. Podia ser o caso. Houve uma altura onde uma grande quantidade de testemunhos levavam a suspeitar disso. Porque durante algum tempo a acupunctura sofria de falta de testes rigorosos a seu respeito. Não se sabia como fingir o processo de espetar para fazer um controlo. E estudos duplamente cegos em que quem espeta também não sabe se está no tratamento ou não são muito difíceis de fazer pela mesma razão. Já para não falar que testes duplamente cegos são tipos de testes recentes. O problema de se é da acupunctura ou é de todo o ambiente envolvente que vem o efeito, não estava resolvido.
Mas recentemente surgiram algumas soluções para este problema. O placebo da acupunctura, ou seja, aquilo que deve replicar o tratamento em tudo menos nas alegações especificas em estudo foi feito de 2 maneiras: Com as agulhas espetadas fora dos locais tradicionais e picando sem espetar, quer recorrendo a palitos ou agulhas retrateis, quer recorrendo a uma bainha a tapar a agulha (4).
os resultados desses estudos mais recentes e mais bem desenhados são pouco convincentes para suportar alguma eficácia da acupunctura (5.1). De um modo geral, mostram que a acupunctura verdadeira ou falsa tem o mesmo significado, se bem que seja melhor do que não fazer nada (mas isso não é um placebo decente) (5). Então, alguns defensores da acupunctura deram voz ao argumento de que  havia ainda mais maneiras de fazer acupunctura. Como se pode picar à sorte optaram por dizer que funciona até em outros pontos. Em infinitos deles, aparentemente. Como se uma companhia farmacêutica concluísse, num estudo em que o efeito placebo foi igual ao tratamento, que afinal não precisava de pôr sequer principio ativo no comprimido para ele funcionar.
Porque é que eu posso fazer este paralelo? Porque se espetando ao acaso eu tenho o mesmo efeito, é porque as alegações especificas da acupunctura não são devidas a existir nenhuns pontos úteis especiais ou meridianos discretos a que se tenham chegado ao longo de milénios de estudo. Tanto faz onde se espeta. O efeito que existe é replicado por espetar ao calhas ou só picar. Sugere fortemente que é por outra coisa qualquer. Que poderá ter apenas superficialmente a haver com a acupunctura. É para isso que serve o placebo. É para controlar a experiência e testar alegações específicas tentando isolar o resto dos fatores. E neste caso, falsifica as alegações de haver pontos ou regiões que sejam, especiais. E isto era um ponto central da teoria.
Se dissermos que os pontos estão em todo o lado, e os meridianos estão em todo o lado, eles passam a ser entidades tão vagas que, ao não fazerem afirmações testáveis, deixam de ser úteis. Passam a ser como os Duendes que movem as marés ao mesmo tempo que a Lua e que não muda nada quer estejam lá ou não. Afinal, temos muitas causas de doenças conhecidas capazes de fazer previsões e explicar situações. Parece-me  normal ver que  a acupunctura, vinda cristalizada de milénios, não pode dizer algo para lá do que se sabe hoje, depois de tudo o que se sabe de genética, teoria dos germes, imunologia, etc. Não podemos aceitar agora meridianos que estão em todo o lado como solução para se ter falsificado a sua previsão quanto aos pontos de acupunctura. Porque isso só está a tornar a sua definição mais vaga e a fazer entrar a acupunctura definitivamente no reino da pseudociência – de facto, depois de Imre Lakatos, sabemos que é o programa de investigação degenerativo (com soluções ad-hoc para as anomalias e perda de capacidade de fazer previsões testáveis que levem a novas descobertas) que é a marca da pseudociência (6).
Resta, de qualquer modo, apresentar uma explicação para os resultados da acupunctura serem quase sempre superiores a outro placebo qualquer que não reproduza a encenação da acupunctura. Será que podemos dizer que funciona mesmo sem espetar desde que a pessoa acredite? Então o que está a funcionar? É a acupunctura e os seus infinitos  meridianos  sensíveis ao toque acabados de descobrir em pleno ocidente científico?
Não é a melhor explicação, se me perguntarem. Existe outra explicação,  consistente com os resultados e com o resto do conhecimento científico para além  de já relativamente bem estudada. Isso faz  ser uma explicação mais simples e mais elegante (elegante no sentido usado pelos cientistas). Vou tentar explicar:
A melhor explicação é a sugerida pelos ensaios em que o placebo da acupunctura é igual à acupunctura. O que estamos a ter é efeito placebo. E o que sabemos sobre o placebo encaixa aqui muito bem. O problema da acupunctura, para ser considerada uma ciência, e levada a sério pelos céticos, é que precisa de se distinguir significativamente do efeito placebo. Não só da sua própria modalidade placebo, mas do que é um placebo como regra geral.
Existem vários graus de efeito placebo, conforme a força da crença do paciente e como é induzido. É influenciado pelo preço (7.1), pela marca no rótulo dos comprimidos (7.1.1), pela forma da administração, etc. Tendo este facto sobre o placebo em conta, podemos ter uma explicação elegante para justificar os resultados obtidos geralmente pela acupunctura. O que parece é que a acupunctura é provavelmente um excelente placebo. Se o que conta é o que a pessoa sente, então sim, a acupunctura parece ser um processo capaz de levar à satisfação com a terapia, pelo menos no curto prazo, já que a longo prazo o curso normal da doença não será alterado. Não altera fatores objetivos, mas parece ter influência na perceção de alguns tipos de dor (ainda que só tenha um bem provado) e na sensação de melhoria. Tal como o efeito placebo.  Têm os mesmos efeitos (sensação de melhora, maior eficácia na dor), as mesmas limitações (não atuam sobre as causas e entidades discretas) e são consistentes com a mesma explicação. Mais uma vez, por occam, tentemos encaixar as peças do puzzle.
E o efeito placebo é algo que é suficiente? Vale a pena por si? Há alguns problemas e o efeito placebo está relativamente bem estudado:
O efeito placebo é muito mais um efeito de perceção do que um efeito real (7.2, 7.3). As razões que o levam a ser tão facilmente  manipulável (de facto a ciência procura efeitos acima do placebo e isso é que é mais difícil) é a mesma razão pela qual ele não é de confiança. Quando são avaliados objetivamente os problemas de saúde, a gravidade da doença não muda por causa do placebo. O placebo pode levar a pessoa a achar que está melhor, mas na realidade não está. Os tumores não reduziram, as bactérias não diminuíram o seu número, os asmáticos não passaram a ser capazes de aumentar o volume de ar respirado, etc. O placebo não atua, pelo menos significativamente, sobre as causas das doenças. Repito, é um efeito sobretudo na perceção.
Por isso, o último reduto de muitas terapias alternativas é a dor e a náusea, coisas relacionadas com a perceção. Na realidade, não há modo rigoroso de avaliar a dor, é sempre por auto-relato. Logo, são áreas bastante dadas ao efeito placebo.
O que o paciente sente é importante. Disso não haja dúvida. Mas existem outras maneiras de o fazer acreditar na terapia e sentir-se bem. E talvez o estudo de como isso se consegue na acupunctura consiga dizer algo sobre como se deviam tratar sempre os pacientes. Quero dizer, com delicadeza e simpatia.
Dito isto, a acupunctura parece ainda ter uma aplicação para a qual encontra resultados positivos consistentes, como já aludi. É a dor cervical. Porque isso acontece não sei dizer. Talvez haja ali de facto um local especial que mediante a estimulação física liberte endorfinas. Mas porque só ali, ainda é um mistério. Não estranho se se descobrir depois que era um artefacto. Seja como for não podemos esperar que espetar agulhas em qualquer lado seja rigorosamente igual a espetar noutro qualquer. Se espetarmos num olho ou numa bochecha é garantidamente diferente num lado e noutro. O que isso não tem nada a ver é com a acupunctura.
Em baixo encontram-se uma série de artigos que uso para fundamentar as afirmações aqui feitas. A crença é livre e cada um pode acreditar no que quiser. Mas podemos formar a crença no sentido das evidências ou noutro sentido qualquer que nos apeteça. Eu proponho que se sigam as evidências.
Bibliografia:
(1) principios de simplicidade, como por exemplo a lâmina de occam remontam à Grécia antiga: http://plato.stanford.edu/entries/simplicity/
Acerca de falsos positivos, estes têm sempre de aparecer algures – cuidado com o Cherry Picking:
(2) Relevância do valor p num universo onde há poucos estudos ou há grande bias e os resultados negativos não recebem atenção  - gera falsos positivos sobretudo se usarmos p<0,05 (95%). Aponta para a necessidade de usarmos estatística bayesiana:
http://www.plosmedicine.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pmed.0040215
(3) Idem, inclui explicação mais detalhada de porque a probabilidade à priori é importante, já que implica deitar fora toda uma data de outra evidencia bem colhida em detrimento de uma pequena contradição que pode ser um falso positivo: http://dl.dropbox.com/u/1018886/Bem6.pdf
(4) Existem vários artigos a falar do assunto, e como não é um tópico de controvérsia não me vou debruçar muito no assunto mas por exemplo: http://en.wikipedia.org/wiki/Acupuncture#Sham_acupuncture
(5) Eficácia da acupunctura:
(5.1)Revisão sobre numerosos estudos de acupunctura que conclui que não se encontrar evidencia convincente que seja útil para a dor, excepto eventualmente dor cervical: http://www.painjournalonline.com/article/S0304-3959(10)00689-5/abstract
(5.2) Estudo da Cochrane publicado (no BMJ) em 2009, naturalmente incluído na ultima revisão de Ernst e que não encontra diferença relevante entre placebo e acupunctura: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2769056/?tool=pmcentrez
(5.3) Estudos que não encontram diferença significativa entre falsa e verdadeira acupunctura:
Com agulhas que se retraem ao toque na náusea:
(5.5) Para sintomas associados ao cancro da mama: http://jco.ascopubs.org/content/25/35/5584.abstract
(6.6) Sem quase espetar (minimal needling), nas dores de cabeça: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1046/j.1468-2982.2001.00198.x/abstract
(5.8) Estudo que mostra não  haver diferença entre falsa e verdadeira e que sugere  a diferença está na crença (efeito placebo) que conseguimos criar no paciente: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/acr.20225/abstract
(5.x) A diferença está no tratador, não no tratamento:
(6) Lakatos e a sua abordagem do problema da demarcação, considerado o melhor e mais atual:
(7) Placebo,
Estudo publicado na JAMA que mostra a variação do efeito placebo com o preço:
Revisão que conclui não haver efeitos clínicos relevantes do efeito placebo, sendo que a perceção do paciente não é considerada neste caso um efeito clinico. O efeito placebo aparece como sendo ligado à perceção e a questões onde a perceção é mais importante como a dor. Ainda assim mesmo no caso da dor, existe uma grande variação nos resultados:
Estudo que mostra que placebo e acupunctura dá origem aos pacientes relatarem o mesmo grau de melhoras mas que tal não coincide com o que está realmente a acontecer: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1103319
(7.3)Relação entre o placebo e a marca e roltulo: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJM200105243442106