terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Não é querer silenciar. É querer que seja discutido como tudo o resto. Sem previlégios.

Tendo lido as cartas trocadas entre Dawkins e Hutton e a maneira como essa discussão é retratada pelo prof. Alfredo Dinis num post intitulado "Debate com Dawkins", não posso deixar de mostrar o meu desagrado. As afirmações de Dawkins são distorcidas e re-escritas e se bem que o ideal seria que todos lessem as cartas que eles trocaram apresento aqui uma versão sumária dos equívocos criados pelo Prof. Alfredo Dinis.

O prof Alfredo Dinis diz: "A religião, no caso o Cristianismo, deve, segundo ele, permanecer no silêncio e no segredo do íntimo de cada um. " Mas não é isso que Dawkins defende.

Dawkins não pretende calar os crentes pela força e ele di-lo explicitamente (1). Tal como eu com este post não quero calar o prof. Alfredo Dinis. 

Ele quer convencê-los que Deus não existe (2) e que a religião não deve ter qualquer tipo de papel directo nos assuntos da nação(3) , da mesma maneira que o Prof. Alfredo Dinis quer convencer-nos a todos que Deus é amor. 

E quer convencer através da discussão. Discussão essa a que Dawkins mostra abertura ao comparecer nos debates promovidos pela Igreja. Se quisesse a Igreja calada o melhor era não lhe proporcionar dialogo. E verdade seja dita, a Igreja Anglicana também dever receber a sua parte de mérito por proporcionar estes debates, a nota de abertura neste caso é para os dois lados. Naturalmente que discordarão um do outro, mas quando se quer calar pela força não se entra em debate publico não censurado. 

Depois continua dizendo: "Não deixa de ser surpreendente que seja um não crente a dizer aos crentes de que modo devem viver a sua dimensão religiosa." Quando claramente essa não é a questão que está debatida. 

A questão não é aquilo que diz respeito a cada um exclusivamente na sua dimensão religiosa,  mas aquilo que vindo da religião diz respeito a todos, por estar relacionado com as regras, leis, padrões morais e etc de uma sociedade e um estado. A oposição ao casamento gay, do uso de preservativo, a participação previligiada na Câmara dos Lordes, etc, etc, etc, são exemplos. Não é nada surpreendente que um não crente (ou um crente noutra religião)  não queira aceitar algo para a sociedade em geral só porque se diz ser religião (pelo menos desde a idade média não devia ser surpreendente).

Não é nada surpreendente que o que se faz e o que se diz deva ser discutido em relação ao que é e não em relação à suposta origem religiosa. Considerar isso surpreendente é não compreender nem o secularismo, nem o ateísmo, nem a pluralidade de religioes (cuja melhor maneira de co-habitarem é o secularismo).

Depois o Alfredo Dinis diz assim: "Objectivamente, ele assume atitudes que critica nos Cristãos: a sua palavra é indiscutível, infalível.  Que eu saiba, nunca admitiu que em alguma coisa se tenha enganado, ou que as suas posições possam ser postas em dúvida. Os seus argumentos são para ele inatacáveis e quem os não aceita revela falta de inteligência e de objectividade. "

Quando isso é pouco importante. Eu também nunca vi o Prof Alfredo Dinis dizer que se enganou e pouca diferença me faz. Não é esse enganar - em alguma coisa -  que está em causa
. O que interessa é ver em que é que se apoia o Dawkins no quadro geral das coisas que se dizem e se acreditam. Em que pressupostos assenta o seu conhecimento. E se ele está disposto a rejeitar esses pressupostos se aparecerem evidencias em contrário. E ele explicitamente diz que está. É essa em grande parte até a origem do ateísmo. É rejeitar como conhecimento ou como pressupostos válidos aquelas coisas que não tenham uma justificação que as distinga da infinidade de coisas que nos possam passar pela cabeça. Não há uma fundação cognitiva numa fé. É essa a diferença. E é esse ponto que está em causa, não se o Dawkins se enganou nisto ou naquilo. O problema é que até agora não há fundamentos para justificar tanta fé e até haver não podemos dizer "há e tal enganei-me" só para sermos populares.

"As muitas obras de análise crítica das suas obras não lhe merecem mais que um sorriso de desdém. " Falso. Há muitos livros do Dawkins muito bem recebidos pela critica.

"Mas as críticas de Dawkins, como as dos ateus em geral, enfermam de muitas das falácias que constam de qualquer manual de teoria da argumentação." Como por exemplo? 


(1) Pode ler-se por exemplo: "Isso não significa que que as pessoas religiosas não possam defender a sua religião. Desde que não lhes sejam consedidos direitos especiais para o fazer (o que neste momento têm) claro que o devem fazer."
(2) Por exemplo: "Eu pessoalmente - e não a minha fundação - gostaria de persuadir as pessoas para o ateísmo. Mas não há nada de iliberal na persuasão. O que é iliberal e não é persuasão é impor a opinião."
(3) "(...) a minha fundação faz campanha pelo laicismo."