Mecânica Quântica


A mecânica quântica é a teoria cientifica que explica o comportamento de sistemas abaixo do nível do átomo. É uma parte do modelo padrão, a síntese de teorias para explicar o universo em pequena escala. O nome quanta, vem de pacote, porque as trocas de energia vêm em múltiplos de uma quantidade mínima, como se viessem em pacotes e não como se fossem algo continuo.
De resto o modelo padrão explica tudo como vindo em unidades mínimas discretas. O espaço, a matéria e a energia. O modelo padrão, que é o modelo que integra a mecânica quântica não explica a gravidade. Tudo o resto é descrito como trocas de partículas (mas prevê que exista uma particula para transportar a gravidade). Para alem dos “pacotes” em que é definida a energia, a mecânica quântica rompe com as teorias anteriores no seu tipo de formulação e previsões. Tudo é explicado em termos de probabilidades. Isto terá levado Einstein a formular a famosa frase “Deus não joga aos dados”. Tudo bem. A mecânica quântica usa unidades discretas para descrever a energia, usa partículas para descrever a matéria sub-atómica e as forças, então naturalmente vamos ter de ter um abordagem estatística para coisas tão difíceis de medir.
Mas aqui é que as coisas deixam de se parecer com o universo de dimensões maiores que o átomo. As probabilidades quânticas interferem umas com as outras. E a probabilidade de uma partícula ter determinada propriedades, só passa a propriedade real quando a medimos. Ainda há mais coisas contra-intuitivas, mas comecemos por estas duas. No mundo à escala da nossa visão, por exemplo, a probabilidade de o dado dar o numero 6 num lançamento, não influencia a probabilidade do dado dar 6 outra vez no lançamento seguinte. Intuitivamente consideramos que sair 6 outra vez é menor. Mas sabemos pela experiência sistemática e pela matemática que isso é errado. São acontecimentos independentes e esse erro vulgar tem o nome de “falácia do jogador”. Isto é algo que penso que apesar do nome que tem, jogadores especializados ou ratos de casino conhecem perfeitamente. No entanto em mecânica quântica não. O resultado de um evento aparentemente independente afecta directamente outro igual que apenas difira no tempo. É como se a probabilidade de sair um 6 no dado de uma vez, influenciasse algo na segunda vez que lançamos o dado. Como se algo no universo tivesse mudado por ter saído já o 6 uma vez.
Na mecânica quântica acontecimentos supostamente independentes comportam-se como sendo interdependentes.  Historicamente, debateu-se com uma situação deste género logo nos princípios da formulação da teoria:
Se lançarmos um electrão de cada vez através de duas ranhuras numa chapa, ora por uma, ora por outra, eles vão marcar num receptor um padrão de ondas como se tivessem sido todos lançados ao mesmo tempo. A cada lançamento só detectamos um electrão no receptor – embora estejamos a disparar um de cada vez, parece que disparamos todos ao mesmo tempo ao avaliarmos o resultado final. Eles interferiram uns com os outros tal como era de esperar se em vez de partículas discretas estivéssemos a fazer ondas. Mas quando acertam no receptor, podemos confirmar que chegou um de cada vez. Isto não tem paralelo no mundo macroscópico. E parece que de facto o electrão só passou a ser um quando foi medido pelo receptor. E só nessa altura definiu a sua posição. Antes era… Uma onda de probabilidades.
Richard Feynman reformulou a teoria de modo a explicar o padrão de interferência como sendo a interferência entre si de todos os caminhos possíveis que uma partícula toma de uma fonte ao seu destino. Isto resolve o facto de um acontecimento aparentemente independente interferir com outro, mas não resolve a questão similar da escolha do caminho da partícula ser influenciada retroactivamente pela nossa observação. De facto, se escolhermos observar a partícula num dado ponto, em uma das suas possíveis trajectórias, parece que tal observação irá influenciar o percurso que a partícula fez até essa medição, porque reduz o numero de trajectórias possíveis ao eliminar as que ficam fora do ponto de verificação. No mundo macroscópico a probabilidade aparece quando existem demasiados factores a contabilizar para que possamos dizer exactamente o resultado de um acontecimento. Como por exemplo dizer que numero vai sair na roleta. Seria possível se tivéssemos acesso a uma descrição perfeita da velocidade, desenho da roleta com todas as imprecisões, peso da bola, perfeição da bola, etc. Com uma super maquina e super medições seria possível. No mundo quântico não. A probabilidade é o que as coisas são. E o resultado só se forma no “momento da verdade”. É algo intrínseco. De resto sabemos, por previsão da teoria, que não podemos saber simultaneamente a velocidade e a posição de uma partícula. E ao contrário do que muitas vezes vem escrito em textos simples como este, não é apenas por uma questão de tecnologia. Não há mesmo maneira de medir velocidade e posição simultaneamente, porque só ao medirmos é que essas características se revelam, e ao medir uma, estamos a perder a hipótese de medir a outra, porque não havia antes de medir e depois de medir já a modificamos. A teoria prevê, como disse, que as coisas só são o que são quando medimos. De resto, esta característica foi algo que levou a uma grande contestação da teoria. Einstein dizia que as características tinham de estar lá, que nós é que não conseguíamos medir. Mas a teoria previa que não. Que as características não estavam definidas – estavam na tal nuvem de probabilidades quânticas – até nós as medirmos.
Como tinha prometido, ainda há outra coisa bastante incrível acerca da mecânica quântica. A não-localidade. Os efeitos quânticos não dependem da distancia. É como se para coisas abaixo do tamanho do átomo, o local onde estão seja pouco importante e possam agir à distancia como se já estivessem no destino. Em certas condições claro. Einstein chamou-lhe “Spooky action at a distance” ou em português “acção fantasmagórica à distancia”. E mais, disse que se tal fosse possível, então podíamos emparelhar duas partículas e separa-las centenas de metros que o resultado de uma influenciaria instantaneamente e mais rápido que a luz o resultado da outra.
Emparelhamento de partículas é algo difícil de conseguir mas na pratica é dar a duas partículas propriedades complementares. Como a mecânica quântica diz que a propriedade só é definida com a medição e se uma partícula não transmite à outra que foi medida, então quando medimos uma a outra tem de ficar exactamente e instantaneamente com o valor complementar. Instantâneo quer dizer mesmo ao mesmo tempo. Literalmente. Se demorar o tempo que a luz demora a percorrer esse espaço podemos suspeitar de uma partícula transmissora. Mas não é isso que a teoria prevê. E Einstein compreendeu isso e disse: “vejam só o que a vossa teoria prevê. Se isso fosse verdade tínhamos “spooky action at a distance”. Pois é. Mas hoje essa experiência foi feita inúmeras vezes e acontece tal qual como Einstein considerou impossível que acontecesse.
De resto, a mecânica quântica, mantém até aos dias de hoje a incompatibilidade com a teoria da relatividade geral, já que a maioria dos fisicos parece concordar que não havendo transmissão de informação não há razão para considerar que a velocidade da Luz é ultrapassada e logo não quebra a relatividade restrita. Não é apenas uma coisa de uma descrever o grande e outra o pequeno. Nos pontos de intersecção a conjunção das duas teorias dá resultados absurdos. Já para não falar que elas dizem coisas diferentes acerca da gravidade. Uma prevê que a gravidade seja uma partícula, a outra diz que a gravidade é a distorção do espaço. De facto uma destas teorias vai cair. E a mecânica quântica tem acertado tantas previsões incríveis e permitido tantos avanços científicos que a maior parte dos teóricos considera que será a relatividade de Einstein a cair.
Uma das mais fortes pretendentes, a Teoria das Cordas, substitui as duas de uma só vez. Mas a teoria das cordas ainda tem muitos buracos para tapar além de ser difícil testar algumas das suas previsões especificas. E tem uma coisa que a generalidade dos físicos parece não gostar. Precisa de 11 dimensões (já foram 22) para descrever o universo. São muitas dimensões que não são previstas por mais nada, não são observadas e para trazer mais 7 dimensões que as que se conhecem é preciso evidencias fortes. As entidades não devem ser replicadas para além do necessário. Mas voltando à mecânica quântica, há algo que é preciso esclarecer. Apesar de haver algumas maneiras diferentes de interpretar a matemática da mecânica quântica, os fenómenos quânticos estão longe de acontecer em dimensões maiores. Mesmo ao nível de moléculas as coisas já se passam de outra maneira.
Aquelas teorias de terapias alternativas ou místicas do universo que alegam que se baseiam na mecânica quântica, não têm nada a ver com isto. Não são ciência. São aproveitamos da ignorância das pessoas acerca de uma teoria que é tudo menos simples. O facto de os próprios físicos debaterem como devem ser interpretadas determinadas coisas não quer dizer que cada um tem o direito de dizer que a teoria faz isto ou aquilo. Por exemplo. A descoerencia é o nome que se dá ao fenómeno da partícula revelar o que é quando é medida. Os físicos consideram que o acto de medir é na realidade qualquer coisa que obrigue a partícula a revelar as suas propriedades. Ela não esta definida até que interaja com algo que a leve a dar um valor. E esse valor sai com a probabilidade que a teoria lhe atribuiu. Isto é uma interpretação. A dos “many-worlds” é outra. São interpretações, não afectam o sistema matemático da teoria. E são fundamentadas cientificamente. Mais a primeira que a segunda se me perguntarem, nas eu não tenho de dar opiniões sobre isto. Mas posso dizer que extrapolações como as que faz o Deepak Chopra são tretas. Não têm nada a ver com ciência. Nem com a parte matemática, nem como interpretações.
Por exemplo, não se conseguem actualmente emparelhar moleculas grandes e complexas (1) e objectos macroscópicos . Porque elas depois de emparelhadas precisavam de não interagir com mais nada para não se dar o processo de descoerencia, perdendo nesse instante o estado quântico de indeterminação e emparelhamento. E depois, não há maneira de fazer uma coisa a uma macromolécula aqui, de modo a que outra faça o que a gente quer ali. A informação não viaja de um lado para o outro. Nem hoje, nem provavelmente nunca. Estamos limitados pela dimensão que os objectos emparelhados podem ter e pela natureza do fenómeno. E na natureza também.  Não podemos esperar ter moléculas emparelhadas pelo corpo a torto e a direito, só porque pode existir emparelhamento de partículas. Era como julgar que o carro velho de 10 anos vira novo só porque podem existir carros novos.
Este texto já está demasiado longo. Mas tinha de ser. A mecânica quântica é muito complicada. Eu só acredito que tenha um grau de verdade elevado porque anos após anos aquilo, aquela coisa, acerta em todas as previsões e mais alguma, por mais estranha que pareça. E mais. Proporcionou um campo de investigação prolifero como poucas outras teorias. E encaixou perfeitamente com outras teorias físicas para formar o Modelo Padrão.
Notas:
Actualizado e corrigido dia 27 Fev 2012: Alterações estéticas, gramaticais e corrigidos os erros apontados pelo Pedro Seixas.
(1) Foi conseguido o emparelhamento de cristais de diamante que são realmente apenas macromoleculas de carbono, cada diamante é uma unica molecula. O que foi emparelhado foram as suas vibrações. De resto o emparelhamento é dificil e o maior que se consegue rotineiramente é emparelhar iões. Em teoria tudo poderia ser emparelhado se não interagisse com mais nada. Ler mais aqui: http://blogs.discovermagazine.com/80beats/2009/06/04/the-biggest-spooky-system-ever-seen-4-entangled-ions/ e aqui: http://physicsworld.com/cws/article/news/48019
De resto recomendo a leitura do livro ” O Tecido do Cosmos” do Brian Green para saber mais.