sábado, 14 de março de 2015

Pressão para publicar

O panorama da investigação cientifica atual é caracterizado pela pressão para publicar. O famoso "publish or perish". 

Eu penso que os aspectos negativos dessa filosofia se começam a notar. E não me refiro às fraudes (para publicar e sobreviver).

Por exemplo, um dos mais relevantes físicos da atualidade, o Prof, Peter Higgs, notou que, se fosse hoje não teria conseguido chegar à descoberta teórica do bosão com o seu nome. Segundo o que ele diz, podemos inferir que foi um trabalho lento e persistente, sem importantes descobertas intermédias (que lhe permitissem manter uma posição de investigador). Algumas coisas demoram o seu tempo. 

De facto, neste contexto, será de esperar que descobertas extraordinárias, sobretudo as que sejam disruptivas com o conhecimento anterior, sejam implacavelmente prevenidas. Porque é provável que exijam muito tempo de investigação sem dar resultados notáveis. Vou tentar explicar melhor.

De acordo com o filósofo da ciência Thomas Khun, a evolução científica processa-se de duas maneiras. De forma normal ou de forma revolucionária. 

A ciência normal é aquela que é construída incrementalmente sobre o conhecimento anterior. Passo a passo, sem mudar as regras.

A revolucionária é a que dá origem a novos paradigmas. Os paradigmas são, na pratica, novas plataformas conceptuais para se produzir ciência normal. São caracterizados por descobertas que lançam uma nova luz sobre a realidade e que podem não fazer grande sentido dentro do enquadramento teórico anterior. Ou seja, podem ser de valor questionável até se perceber se chegam a algum lado. Ou podem mesmo ser inconsistentes dentro dos paradigmas vigentes e por isso dificilmente compreensíveis  para o resto da comunidade (se forem totalmente incompreensíveis, como Khun propunha, não creio que pudessem chegar a ser formados, e aqui discordo ligeiramente de Khun - de facto algumas descobertas revolucionárias foram em pouco tempo adotadas e elogiadas, desde a teoria da evolução à da relatividade).

Então, é de prever que se houver pressão para publicar, os esforços dos cientistas sejam sobretudo de ciência normal, ou seja, incremental, sem arriscar caminhos potencialmente revolucionários mas que podem não levar a lado nenhum. É mais seguro explorar caminhos que dêem resultados imediatos e convincentes. De facto, afirmações extraordinárias requerem justificações extraordinárias, e isso é o trabalho de quem quer revolucionar a ciência.

Assim, dado a pressão para publicar, este domínio previsto da ciência normal é o que se verifica na prática. Apesar de haver uma quantidade de publicações crescentes e de o conhecimento duplicar a cada 9 anos, os artigos que formam a base do nosso conhecimento cientifico e são mais citados, estão cada vez mais velhos. Os artigos recentes são sobretudo citados durante um curto periodo de tempo após a sua publicação e vão perdendo pertinência rapidamente. Os nossos paradigmas em uso estão a envelhecer. Não há revoluções. 

Isso quer dizer que não há novos paradigmas para descobrir? Talvez, mas parece-me pouco provável. Parece-me que a explicação mais plausível, dado que há muita coisa que sabemos que não conseguimos explicar, é a de que não se descobrem novos paradigmas porque não os estamos a procurar como devíamos.

Isto quer dizer que a ciência nega as ideias loucas da pseudociência porque não está a funcionar de um modo que permita revoluções? Também não me parece, já que infelizmente a popularidade de muitas alegações pseudocientíficas levou a que se gastassem preciosos recursos a ver se havia ali alguma coisa de interessante. E uma coisa que não se pode dizer das revoluções científicas é que elas não provêm de investigação rigorosa. O método é fundamentalmente o mesmo. A intensidade do trabalho e a demora a chegar a resultados é que varia. Não é o mesmo que dizer algo do género: "não sabemos logo é verdade que... (colocar aqui pseudociência preferida)" como se propõe por aí.

Isto quer dizer que devia haver menor pressão para publicar? Provavelmente. Pelo menos na macro escala do empreendimento cientifico.. Assim vamos continuar a usar paradigmas centenários. 


Notar no entanto que de ponto de vista tecnológico isto tem sido muito eficaz, quero dizer, custo-eficiente ( o que não é de todo negligenciável). As nossas vidas têm melhorado muito com a aplicação incremental do conhecimento e provavelmente procurar novas teorias não é uma tarefa lucrativa. Resta dizer que se a tecnologia é a ciência orientada para produtos então que guardarão ainda os próximos paradigmas para nos trazer?