Em "Os Lusíadas", Luis de Camões descreve dois fenômenos naturais que presenciou durante as viagens por mar e que o marcaram particularmente.
Segundo ele, na altura, eram sobretudo considerados relatos fantasiosos dos marinheiros, de tão incríveis que pareciam. Camões, deixando expressivamente narrado o espanto que lhe causa presenciar tais fenômenos, insiste em dois pontos. Um é que os viu com os próprios olhos - e que "não presume que os olhos o enganem". O outro é que "os sábios" procurem uma explicação. E sugere que o procurem nos livros dos filósofos antigos porque estes também o deviam ter presenciado.
Mas na altura não havia mesmo explicação. Estávamos no limiar da revolução cientifica e muita coisa estava ainda muito longe de ser compreendida.
Se não sabe a que me refiro, aqui tem o texto. Depois identificarei e explicarei esses fenômenos.
- Canto V
"19
"Os casos vi que os rudos marinheiros,
Que têm por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as cousas só pela aparência,
E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência,
Vêem do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos, ou mal entendidos.
18
"Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e coisa certo de alto espanto,
Ver as nuvens do mar com largo cano
Sorver as altas águas do Oceano.
19
"Eu o vi certamente (e não presumo
Que a vista me enganava) levantar-se
No ar um vaporzinho e subtil fumo,
E, do vento trazido, rodear-se:
Daqui levado um cano ao pólo sumo
Se via, tão delgado, que enxergar-se
Dos olhos facilmente não podia:
Da matéria das nuvens parecia.
20
"Ia-se pouco e pouco acrescentando
E mais que um largo masto se engrossava;
Aqui se estreita, aqui se alarga, quando
Os golpes grandes de água em si chupava;
Estava-se coas ondas ondeando:
Em cima dele uma nuvem se espessava,
Fazendo-se maior, mais carregada
Co'o cargo grande d'água em si tomada.
21
"Qual roxa sanguessuga se veria
Nos beiços da alimária (que imprudente,
Bebendo a recolheu na fonte fria)
Fartar co'o sangue alheio a sede ardente;
Chupando mais e mais se engrossa e cria,
Ali se enche e se alarga grandemente:
Tal a grande coluna, enchendo, aumenta
A si, e a nuvem negra que sustenta.
22
"Mas depois que de todo se fartou,
O pó que tem no mar a si recolhe,
E pelo céu chovendo enfim voou,
Porque coa água a jacente água molhe:
As ondas torna as ondas que tomou,
Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe.
Vejam agora os sábios na escritura,
Que segredos são estes de Natura. "
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Então é assim:
O primeiro é o fogo de St. Elmo. Aparece durante trovoadas, quando um forte campo eléctrico leva à formação de plasma luminoso à volta de objectos pontiagudos, ou seja, os mastros. O plasma é feito a partir do ar ionizado com o oxigénio e o nitrogénio a serem os responsáveis pela cor azulada ou violeta. Na realidade é um efeito parecido ao que há nas luzes tipo neon. O fenómeno já vem descrito desde a Grécia Antiga, como pelos vistos Camões sabia, mas só começou a ter um principio de explicação com Benjamin Franklin em 1749. "Os Lusíadas" for concluído em 1556. Até Franklin sugerir tratar-se de um processo eléctrico foi considerado um fenômeno sobrenatural. Como muitos outros.
O segundo é uma tromba-de-água. São correntes de ar em espiral ascendente de modo a formarem uma coluna que vai desde um corpo de água até uma nuvem. O espanto de Camões neste caso, é acentuado pelo facto de que a água que depois cai da nuvem é doce. Isto acontece porque a tromba-de-água não "chupa" água. Na realidade ela aspira vapor de água a partir da superfície do mar ou do rio que depois condensa na tromba formando gotas. Por isso é que o que depois cai é doce. O processo da formação das correntes é semelhante ao de um tornado.
Cepticismo, naturalismo e divulgação científica. Uma discussão sobre o que é ou não matéria de facto.
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domingo, 16 de setembro de 2012
"Vejam agora os sábios na escritura que segredos são estes da natura."
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Fogo de St. Elmo,
Os Lusíadas,
Tromba-de-água.
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