sábado, 31 de agosto de 2013

A vacina da raiva não tira o faro aos cães.

A ideia que tem levado alguns caçadores a andar a pressionar os veterinários para colocar o selo da raiva na caderneta sem vacinar é perigosa. E é treta.

Não há qualquer evidência de que a vacina da raiva tire o faro aos cães.

Talvez essa ideia venha de alguém, alguma vez, que leu que o vírus se replica nos lobos olfactivos em determinada fase da doença. Mas a questão é que as vacinas que se usam não têm vírus vivo - que assim  não causa a doença, não se replica.  Está inativado, morto, acabado. Só serve para provocar resposta imunitária  (porque essa resposta é iniciada por determinadas partes dos agentes infecciosos apenas).

É um mito, como tantos outros acerca das vacinas, cuja popularidade se deve ao "diz que disse" e que como outros pode ser perigoso. Existem reacções adversas às vacinas mas as graves são raras. E esta não é uma delas. E mesmo que fosse, nunca justificaria aldrabar as cadernetas de vacinas.

Por este andar, para tirar a pressão de cima dos veterinários e para garantir a saúde publica, ainda pode vir a ser preciso exigir ter teste de anticorpos,  feito no L.N.I.V., 1 mês após a vacina, para qualquer cão encontrado em ambiente de caça ou sugestivo de participar nessa actividade. Com as despesas todas do processo para o caçador.






quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Porque precisamos de testes com ocultação, randomizados e com controle com placebo mesmo em animais.

Aqui há uns anos (!) pediram-me que escrevesse um "post" sobre placebo em animais. Recolhi bibliografia algumas vezes, iniciei uns rascunhos mas por uma razão qualquer - relacionada com as imensas ramificações que o assunto pode ter, das necessidades da bibliografia associada, o potencial de controvérsia, e a responsabilidade acrescida de ter alguma relação com a pratica clínica de animais de companhia - nunca fiquei satisfeito.

Mas mais vale tarde do que nunca (acho), e mais vale ir ao essencial desde que bem justificado, do que estar a tentar fazer uma abordagem completa acerca do assunto que depois não tenho tempo para acabar ou pode mesmo deixar menos claro o que é o essencial. Em linhas gerais, repito, acredito que o que vou expor é o que é pertinente na discussão actual.

A questão do efeito placebo é extremamente complexa, (dava um blogue por si só),  já que parecem haver vários efeitos placebo e não apenas um, e talvez alguns deles possam ser atribuídos a animais. Inclino-me para que em regra deva ser considerado fraco ou inexistente um efeito com esse nome nos animais mas o que isso não implica é que não sejam precisos controles com placebo em testes com animais. E essa ideia é o núcleo deste post, mais que elaborar sobre o efeito placebo.

Resumindo, o efeito placebo, em pessoas, é sobretudo um efeito da percepção e não um efeito do tratamento. É um caso de percepção versus realidade. E é sobretudo criado pela crença nesse tratamento.

Isto em principio é complicado de demonstrar nos animais: eles não sabem nem suspeitam (provavelmente, mas não garantidademente) que estão a ser tratados. Se se demonstrar que existem situações onde os animais dão provas inequívocas de estarem à espera de um tratamento, isso é fácil considerar como sugestivo de haver um efeito placebo - o que poderia alterar depois a resposta à dor por exemplo. Mas não encontrei provas disso, para lá de suspeitas e evidência anedótica.

Além disso, outras coisas que sabemos que acontecem em animais, como o condicionamento (lembrar o cão de Pavlov), são consideradas usualmente como placebo. As respostas condicionadas podem ser variadas e interferir na avaliação de resultados. Lembrar que se queremos saber se um determinado procedimento ou tratamento funciona queremos eliminar tudo o que não seja efeito desse procedimento.

Existem alterações no comportamento por interacção com humanos (falar, fazer festas) e até respostas orgânicas a isso, como por exemplo no fluxo sanguíneo e batimento cardíaco. Isso foi mostrado em cães mas penso que se pode generalizar sem perigo para outros animais domésticos. E eventualmente pode aliviar ligeiramente os animais de sintomatologia mais subjectiva como a dor ou a náusea.

O tempo acrescentado que se passa com os animais em estudo, ou atenção extra num período de doença, só por si, pode ser importante e simular melhoras relativo ao período inicial.

Mas para lá destes aspectos, há problemas mais importantes, que só por si tornam estas questões quase secundárias para determinar porque precisamos controlar estudos médico-veterinários em animais com placebo. E essas têm a ver com quem avalia as melhoras, sejam médicos veterinário ou os donos. Quem vai medir e registar os resultados, finalmente, são as pessoas. E aí está um ponto critico bem conhecido, bem estudado, e com a maneira correcta de lidar bem descrita.

Como em todas as outras coisas, não podemos contar com uma percepção absolutamente fiel à realidade. A tendência para confirmação, de escolher os aspectos mais positivos e  de não ter termo de comparação eficaz sem um controle placebo  (onde tudo é repetido "tal qual" excepto o tratamento, para evitar atribuir ao tratamento um resultado que afinal era de outra coisa qualquer) são empecilhos nessa avaliação. Em toda a gente e sem falar em fraude (que também há mas vamos pressupor que não).

Por isso, quer com alfaces, minhocas, cães ou pessoas, tem de haver um controle com placebo, ocultação (isto é: nem dono ou paciente nem o investigador sabe quem está a fazer o placebo ou o tratamento), para além de ser preciso um grande numero de casos e dos grupos terem de ser randomizados (sorteados: garantir que não estamos a privilegiar o grupo do tratamento ao escolher os mais promissores ou vice versa).

Em conclusão, as razões pelas quais precisamos de controlar estudos em animais com placebo, começam por ser questões da natureza de "percepção vs realidade" nos donos e veterinários - e neste aspecto há uma semelhança com as razões que levam a que se tenham de se usar estes "truques" em estudos com humanos. Estudos que não sejam controlados com placebo, com ocultação e randomizados serão sempre estudos mais fracos mesmo se em grande numero. Todos os estudos precisam de replicação independente, e estes regra geral precisam de ser repetidos com as emendas referidas. Ou pelo menos, atribuir-lhes apenas o peso que têm como evidência, que é pouco, e não mais. Podem sugerir caminhos de investigação a percorrer, mas não são determinantes.

Este tema é  importante também, porque existe muita coisa (sobretudo nas medicinas alternativas) que é proposta para pessoas com o argumento de que funciona em animais. E depois se vai ver  e os estudos nos animais não têm controle com placebo nem ocultação, (já para não falar no numero de casos usados) com a justificação de que não há placebo em animais. Penso que o presente "post" informa bem os interessados dos problemas desta resposta.

Bibliografia recomendada:
http://www.sciencebasedmedicine.org/is-there-a-placebo-effect-for-animals/

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A maioria dos estudos mostra haver uma correlação entre longevidade e religiosidade.

Ao contrário da correlação negativa entre inteligência e religiosidade, que atraiu a ira sobre quem a confirmou, a correlação entre longevidade e religiosidade não parece ter alguma vez causado grande incomodo nos meios de comunicação sociais. Ou em redes sociais. 

Aparentemente há um "bias" tremendo acerca do que pode ser um resultado cientifico face à imagem que dá à religião, e isso é mau sinal. Mas adiante.

Tal como o outro, estes estudos importam. Todos queremos viver bem e mais tempo (acho eu) e o melhor é tentar perceber o que há aqui. Os estudos são vários e sólidos na maioria dos casos. Não há grande razão para suspeitas, e censurar factos é um disparate.

A questão é se a religiosidade é ou não causa de maior longevidade. 

E a resposta parece ser sim. Mas só em determinados contextos. 

Na realidade, a maior parte dos estudos que chegam a esta conclusão são feitos nos E.U.A. Isso é normal, já que uma grande fatia da ciência é lá produzida, mas neste caso pode ser uma boa razão para que o resultado não possa ser generalizado para outras sociedades, mesmo ocidentais. 

Porque os E.U.A. são uma excepção no que toca à religiosidade e aceitação popular da ciência entre os países ocidentais de desenvolvimento sócio-económico semelhante. A maioria das pessoas são religiosas (excepto entre os cientistas de topo que são notoriamente ateus), os ateus são muito mal vistos na sociedade em geral  e o criacionismo (uma crença notoriamente anti-cientifica e ligada à religião)  é aceite por 40% da população. Isto são razões que levam a suspeitar que provavelmente haverá uma serie de factores que levam a vidas melhores e mais longas nos E.U.A. para quem for religioso mas que não se verificam obrigatoriamente  noutros países.

De facto, parece que o que leva a religiosidade a proporcionar vidas mais longas, não é nenhuma espécie de intervenção divina, mas sim a actividade social associada. E não há evidência de que a actividade social promovida pela religião seja especial para isso. A actividade social é importante para a longevidade só por si. Existem outras razões apontadas mas esta parece-me importante e capaz de clarificar as coisas. 

Porque pode ter outras formas, sobretudo em países menos religiosos. 

E podemos suspeitar pelos índices de longevidade e bem estar em países pouco religiosos como os do norte da Europa que isso deve acontecer. De facto, como esperado, estudos que envolvem esses países não mostram esta correlação como nos E.U.A. 

Adicionalmente e já que não é um efeito directo e intrínseco da religião, fora dos E.U.A., se os estudos feitos eliminarem factores sócio económicos (normalmente procuram-se isolar as variáveis em estudo), podem bem estar a tirar aos ateus e agnósticos todos os factores que lhes dão a eles maior longevidade (e os podem levar inclusivamente a ser menos religiosos) - estamos a propor que haja outro modo de ter um paralelo dos benefícios trazidos pela religião ou ir além deles.

Esta questão é provavelmente completamente diferente em países onde a longevidade e o bem estar são em média altos, e onde as pessoas não precisem tanto da religião por pressão ou desamparo social. Ou por terem um estado social e sistema de saúde mais eficaz.

Bibliografia e notas:





"The studies on organic religion overwhelmingly indicate that greater involvement in religious practices is associated with reduced hypertension, longevity, reduced depression, lower levels of alcohol and drug consumption, less engagement in risky sexual behavior, reduced risk of suicide, reduced delinquency, and reduced criminal activity. In the next section, 669 studies are reviewed concerning the relationship between religion and well-being. Taken together, the findings indicate that higher levels of religious involvement provide protective factors that generally reduce deleterious social outcomes. Greater involvement in religious practices conveys the sense of well-being, purpose, meaning, and educational attainment.":
https://www.ncjrs.gov/App/abstractdb/AbstractDBDetails.aspx?id=202135 



Mecanismos do efeito do casamento semelhante ao da religiosidade:http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1728-4457.2003.00255.x/abstract

É explicado por um efeito da personalidade, hábitos, etc.:

http://psycnet.apa.org/journals/psp/97/5/866/

Prevê a longevidade de idosos pobres:
http://aje.oxfordjournals.org/content/119/3/410.short

Redes sociais são importantes para ambos mas a participação em organisações formais (como a religião) só tem valor preditivo para os americanos, comparando com os Suecos para quem o contacto com crianças era o factor relevante.
http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167494398001356

Os efeitos são apenas resultado da participação em actividades sociais, sem que a religião seja uma actividade social melhor para o efeito:
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/jssr.12006/full

Aumento da longevidade diminui a participação religiosa:
http://www.emeraldinsight.com/journals.htm?articleid=1917339

Correlação de governos seculares e saúde, ou seja, países mais religiosos têm sociedades com mais problemas de saúde. A grande excepção são os EUA:
http://moses.creighton.edu/jrs/2005/2005-11.pdf

Correlação entre longevidade, bem estar e ateísmo, por países: http://epiphenom.fieldofscience.com/2009/11/live-long-and-be-atheist.html

Correlação entre felicidade e religiosidade apenas nos estados unidos. Na Hollanda e na Dinamarca não era significativa:
http://cms.springerprofessional.de/journals/JOU=10902/VOL=2008.9/ISU=2/ART=9045/BodyRef/PDF/10902_2007_Article_9045.pdf


segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Acertem no mensageiro.

O que uma coisa é ou o que deve ser não é a mesma coisa.

Eu posso dizer que a incidência duma doença numa determinada faixa etária de uma população é de mais de 50% sem que isso queira dizer que eu quero que esse valor seja tão alto. Ou que quero que seja de todo verdade. Apenas que é o que se encontra.

Isso também quer dizer que nem toda a gente tem essa doença nessa população e nomear essas excepções não refuta a afirmação nem resolve nada.

Não mencionar estes factos ou não os procurar, também não me parece que ajude as pessoas. A informação sobre populações é importante para ajudar as pessoas, sobretudo quando revela coisas que não gostamos.

Isto vem a propósito de uma correlação negativa, que é um resultado estatístico, que foi encontrado entre a religiosidade e a inteligência. Uma correlação não diz se há uma relação de causa efeito, não diz se é assim que deve ser e muito menos que alguém quer que assim seja. Isto se a matemática por trás for bem usada.

Mas o artigo onde isto é publicado, um metaestudo (do qual esta é uma boa apresentação com ligação para o original), não foi criticado pela qualidade cientifica ou rigor matemático. Foi criticado porque não devia ter sido feito, porque era generalizador (era uma correlação), porque havia ateus burros, etc, etc, etc.

Não poder estudar um assunto ou publicar um resultado só porque ele diz respeito à religião e pode trazer-lhe uma imagem menos bonita é uma asneira. Pelo menos se queremos compreender o mundo, a sociedade e assim procurar o melhor para nós. Uma correlação nem sequer implica uma relação de causa e efeito, coisa que ainda é mal compreendida - quer dizer só que há uma associação mensurável entre valores de parâmetros diferentes -  mas pede que se procure o porquê de se encontrar essa correlação. Isso é feito comummente em ciência e tornar a coisa politicamente incorrecta por ser com a religião é um disparate. E um retrocesso civilizacional.

E claro. Não diz quase nada acerca de pessoas individuais ou amostras pequenas. Sosseguem.

Claro que os autores foram vilipendiados como se fossem os causadores intencionais de tais dados estatísticos.

Idem para o Dawkins que teve o "mau gosto" de responder factualmente às alegações de que o Islão produzia muita ciência. Disse que todo o Islão junto não tinha mais prémios nobel que o Trinity Colege (mas que tinham sido produtivos na idade média). Isto é relevante porque o Islão representa 23% da população da terra. É muita gente para tão pouco Nobel, mesmo se existir um "bias"  para judeus e americanos (não estou a dizer que há) . De facto, a mensagem é facilmente verificável na sua autenticidade, vem em contexto, e refere-se a uma religião. Não a um povo ou a uma pessoa. No entanto o rótulo de racista (o Islão não é uma raça) é lhe atirado para cima por várias publicações deste mundo, para lá dos comentários nas redes sociais. Além disso é acusado de irracionalidade (!?).

Mais uma vez, por preocupação com as pessoas, o importante será tentar perceber o que está a correr mal e corrigir. Fingir que não passa nada é uma asneira. É até o que diz este artigo interessante escrito por um membro do Islão. Ou este.

Parece que das melhores avaliações da situação vêm de membros do mundo Islamico. E isto só por si devia fazer-nos pensar um pouco no assunto.

E se queremos mesmo andar aos tiros aos mensageiros, como era hábito noutros tempos.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Earth Overshoot Day - 20 Agosto

Feitas as contas ao ano, o planta terra só tem capacidade de nos sustentar nos primeiros 8 meses. Depois disso estamos a consumir mais recursos que aqueles que o planeta pode renovar.

A nível global, ultrapassamos a capacidade de "regeneração" do planeta nos anos 70. A nível local a variação ainda é grande mesmo nos dias de hoje. Há países que não têm ainda saldo negativo.

Há quem pense que vivemos num mundo de recursos infinitos e que o homem não tem a capacidade de alterar o planeta. Mas tudo o que sabemos aponta noutra direcção.

Ver mais aqui.