sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O problema da indução de Hume.

A indução.

Para Hume a falta de racionalidade na aquisição de conhecimento era algo demonstrável e grave.

Ele dizia que, por oposição à dedução, em que se retiram conclusões de permissas iniciais, algo completamete lógico, a indução não tinha nada de racional.

A indução é a generalização da informação pela persistencia dos dados. Por exemplo:

Eu vejo um cisne e é branco,
vejo outro e também é branco,
quando continuo por aí fora até ao 9000º cisne e eram todos brancos se concluo que os cisnes são todos brancos estou a tirar uma conclusão por indução.

Mas nada me garante que não possa aparecer um cisne preto. E por conseguinte a generalização era apressada. (de facto os viajantes europeus encontraram cisnes pretos na Australia, quando se pensava que eram todos brancos).

Quantos objectos tenho de analizar até fazer uma generalização justificada? Para Hume, infinitos. Segundo ele, nunca há nada que nos garanta que as coisas vão continuar a ser como sempre foram. Para lá da plausibilidade, porque Hume adianta que o que nos dá a segurança de dizer que o que aprendemos por indução funciona é também indução. E que isso torna  a génese do conhecimento um circulo vicioso sustentado nele próprio. No qual não podemos confiar racionalmente.

O universo pode deixar de ser como é a qualquer momento. Defacto não temos maneira de provar definitivamente isso. Mas não é plausivel que vá acontecer nos próximos 5 minutos.

Naturalmente que há razões para acreditar que Hume não acreditava realmente nesta conversa, pois continuou a fazer uma série de coisas tal e qual como faria se elas se continuassem a comportar como sempre comportaram. Continoou a usar facas com cuidado, a não saltar de cabeça para o chão duro, e a evitar regar a mão com alcool e passar sobre a vela.

O falsificacionismo.

Uma resolução racional deste problema veio de Popper com o já aqui descrito falsificacionismo. Popper dizia que para lá de explicar todos os dados existentes, uma teoria tem também de prever acontecimentos futuros. E acontecimentos que possam ser testados com vista a validar a hipotese.

Embora isto talvez não resolva por completo o problema de Hume, permite eliminar com sucesso uma série de falsos positivos e à partida eliminar afirmações que digam pouco sobre o objecto em estudo. Sugere ainda que testes devam ser feitos que sustentem a teoria (são aqueles que poêm o nucleo das suas ideias em causa, ja que se admirmos que qualquer teste poê a teoria em causa não estariamos sempre em condições de avaliar as anomalias ou fazer acertos à teoria).

O critério da falsificabilidade é largamente aceite como sendo importante na caracterização da cientificidade de uma teoria.

A hipótese nula.

Mas eu creio que convem compreender que o sarilho que Hume arranjou pode não ter resposta completa. Será sempre uma resposta que se valoriza por oposição à hipotese derivada da afirmação de Hume (de que as coisas vão mudar sem aviso). Se é um facto que nada nos garante totalmente que as coisas continuam a ser como sempre foram, pode existir um contexto tal em que aceitar como mais provavel que as coisas vão deixar de ser como sempre foram, sem razão, é no mínimo ridiculo. E isso esta implicito na afirmação de que não podemos confiar que tudo se mantenha como é.

Esse contexto a que me refiro é um contexto em que nós temos muita informação não só sobre as propriedades em causa, mas também sobre a explicação de porque as coisas estão e são como são.

De facto não podemos explicar tudo até à causa ultima, mas ao explicar um facto actual com muitos outros pequenos factos subjacentes e por aí fora, trazemos para cima da mesa muitos factores que teriam de deixar de ser como são para que o produto final também deixasse de ser como é. E isso diz algo acerca da estabilidade do mundo observavel.

Penso que é correcto dizer que mesmo que não possamos ter certezas, ao termos considerado a hipotese  da inversão da indução como menos provavel então a conclusão é que então há coisas que podemos saber - por oposição a ter certezas e poder saber tudo. E eu penso que essa é a conclusão razoavel do problema de Hume. É que nunca poderemos ter certezas absolutas. Algo que defendo desde que iniciei este blogue.

Mas que se tivermos de escolher entre duas afirmações " H0 não há alteraçao" e "H1 há alteração " devemos escolher a que é apoiada por mais evidencias e teoria.

A consistencia como plausibilidade à priori.

E aqui entra outra propriedade do conhecimento cientifico em jogo. É a consistencia da informação colhida. Os factos têm de formar uma rede coerente de conhecimento, sem ser preciso colar tudo com cuspo. Isto permite racionalmente ter alguma confiança nas explicações e por conseguinte na confirmação da indução.

Voltando aos cisnes, podiamos agora dizer que são todos brancos ou pretos. Mas não é possivel aparecer um cisne verde? Não há aves verdes e não são os cisnes aves? Porque é que por indução não podemos integrar o conhecimento? Podemos e devemos.

Mas a verdade é que algures tivemos de sustentar uma afirmação dizendo "é isto e sabemos porque acontece sempre assim e temos dados que dizem que aconteceu sempre assim." Certo. O pensamento humano será sempre pensamento humano. E o mapa que a ciência quer fazer do cosmos será sempre mapa e nunca território. E segundo Godel nunca conseguiremos fechar o conhecimento de um modo que ele se sustente realmente a ele próprio.

Por isso tanto cientistas, como filósofos quando fazem afirmações sobre este mundo, antes de mais nada tentam explicar como ele é agora e porque ele é como é. Não como poderia ser se vivessemos numa coincidencia incrivel a cada segundo que passa, isso é secundário.

Acreditar que as coisas podem mudar de um momento para o outro com a mesma probabilidade com que se matém na mesma, que é a implicação do problema de Hume, é acreditar que vivemos num universo em que só tem acontecido o mais improvavel a maior parte do tempo. Porque ja passamos para a investigaçao do passado multimilenar à muito.

E se as coisas poderem ser de outra maneira?

Para lá disto, ainda estamos a tentar perceber se as coisas poderiam ser de outra maneira. Como poderia ser o universo? Será que ele se comporta como aqui em todo o lado (parece que não, que algumas constantes flutuam)?  Etc... São perguntas que a ciencia procura de facto também  responder, e que ajudariam a compreeder melhor o problema da indução.

Mas para já parece que ele não pode ser de qualquer maneira. Parece que há de facto coisas que são da mesma maneira desde os primeiros instantes da criação e que se não fossem assim o universo não seria como é. O que impede isso de mudar e levar tudo à frente? Talvez possa acontecer. Mas na escala de tempo que mede a existencia do universo isso não se alterou e não se descubriu nada que possa vir a por isso em causa. Supor que isso vai acontecer em breve é implausivel.

Pelo que podemos não estar a estudar todos os universos possiveis, mas fazemos um esforço para estudar pelo menos um. Este. E especular se haverá ou não outros.

Provar pela negativa.

Às vezes pode-se chegar ( e chega) a conclusões pela negativa. Isto é provar racionalmente que não pode haver determinada coisa ou ser de determinada maneira.

Por exemplo, eu sei que não há neste momento cisnes verdes (com um elevado grau de segurança) porque o univo planeta onde é concebivel haver cisnes é este e já não sóbra muito espaço para um bicho tão grande se esconder em numeros que permitam uma população sustentavel.

Se conseguirmos levar a hipotese contrária à exaustão a prova pela negativa resolve o problema da indução. Há quem diga que a ciencia não pode provar pela negativa. Mas quem compreender bem o que significa refutar a hipotese oposta sabe que é treta. E refutar até é mais simples que provar.

Conclusão

Certezas, não há. Mas num mundo probabilistico e se existe aproximação racional há coisas mais provaveis e mais plausiveis. O problema de Hume é um problema de falsos positivos e completude. A ciencia oferece consistência e especificidade para compensar.  A não ser que isto seja a matrix.

4 comentários:

Unknown disse...

Caro João,

Apreciei seu texto, mas não creio estar muito acertado em alguns pontos e gostaria de salientar algumas coisas:

Uma das maiores problemáticas lavantadas por David Hume, não está simplesmente ligada com uma suposta alteração do universo, de forma forma abrupta. Mas, de verdade, o grande legado de Hume é questionar as garantias epistemológicas que possam assegurar que possuímos um conhecimento indutivo sólido; em outras palavras, Hume aborda o que nos dá a sensação de atingir uma determinada asserção sobre o mundo, como se de fato ele possuísse tal causalidade.
Assim, Hume está questionando as bases da >>>causalidade<<<, e afirma que esta causalidade é gerado por um hábito, justamente pela força que a sucessão de acontecimentos nos dá.
O questionamento da causalidade, e por conseguinte (ou seja, derivado disso)o questionamento deste tipo de indução pode até ter problemas, mas julgo ser um tipo de ceticismo muito útil (se pensar as bases do funcionamento indutivo)e sinceramente julgo muito elegante.
Isto não significa que iremos deixar de ter o hábito. Criticar Hume por essa via é uma crítica externalista ao núcleo da teoria do mesmo. Hume pode indicar uma problemática na causalidade, mas continuar a ter a sensação de que o sol nascerá amanhã (afinal delinear o suposto hábito não é deixar de tê-lo).

Foi justamente este ponto (sobre a causalidade) que fez Kant acordar de seu sono dogmático (em suas próprias palavras) e escrever a Crítica da Razão Pura, onde ele responde Hume sobre essa questão, por exemplo.

Acima mencionei que acho a afirmação de Hume elegante, pois por mais que eu esteja certo que exista a causalidade, ou que eu esteja inclinado à acreditar nela e postular todo tipo de teoria com base na mesma; essa abordagem humeana é capaz de deixar sempre a dúvida (que não é ruim) que a existência da causalidade, por mais que seja extensível a todos os momentos de nossa vida, é possível que exista uma linha muito frágil que assugura sua existência.

Isso de fato é papel do epistemólogo e não oferece risco para o cientista que produz; pois o mesmo pode continuar a produzir, devido a tênue possibilidade de que seja assim.
Assume-se o risco apontado pelo epistemólogo, mas as perdas de deixar de lado sua produção poderiam, a meu julgo, ser maiores.

Tenho um pequenino artigo no meu blog que falou a respeito disso. Está no seguinte endereço http://arnaldo.networkcore.eti.br/276-a-fragilidade-da-causalidade.html

Abraços,

Arnaldo Vasconcellos.

João disse...

Arnaldo:

Obrigado por sua critica. Muito tenho aprendido consigo por isso permita-me responder:

A questão é que eu acho que esse problema da causalidade implica (em casos em que conhecemos o mecanismo nos niveis abaixo), que as regras do mundo fisico possam mudar a qualquer momento.

Há uma consistencia enorme nos achados cientificos que sugere que as coisas se estejam a comportar segundo as mesmas regras à milenios.

Quando podemos explicar o caminho causa efeito de uma coisa usando regras que sabemos estarem em uso desde o principio dos tempos é plausivel assumir que há uma boa probabilidade de que as regras não vão mudar "agora" ou "daqui a bocadinho", pois são instantes indiferenciados na historia do cosmos.

Quanto a fazer regras da cor dos cisnes sem conhecer o mundo todo e sem que haja nada que impossibilite que sejam de outra cor, de facto foi errado - e é o exemplo mais frequente que eu encontro para explicar a indução.

A causalidade só é gerada por um hábito, se esse hábito for um erro.

Se a causalidade é o mapa de relações e fenomenos reais, então ela é verdadeira. Mesmo que ainda estejamos a aprender.

O problema da indução a meu ver é insoluvel de um modo absoluto. Mas é resolvido parcialmente com a consistencia de como todas as causas e efeitos tem entre si, e de como até podemos prever o futuro com elas.

Não é plausivel que não haja causa efeito no universo em que vivemos e no momento actual.

Tinha de tudo ser uma enorme coincidencia desde o principio. E caso tenha sido, continuavamos a viver no incrivel universo condicionado por fenomenos simples capazes de originar outros. Até hoje.

O problema de fundo que é saber quando uma afirmação indutiva é verdadeira tem de ser resolvido no mesmo modo.

Tem de ser consistente com o que já se sabe, explicar o passado, prever o futuro e ser abrangente sobre o tema que descreve.

João disse...

Arnaldo (cont):

Vamos la ver se eu me consigo explicar melhor e em menos palavras.

A indução só por si é de facto um problema para casos pontuais. Por exemplo "não há formigas azuis". É verdade neste momento, mas acho que não ficaria espantado se amanha se descobrisse uma especie assim.

Mas por toda a causalidade em duvida não é plausivel. Para que tal seja plausivel é preciso esquecer todo o conhecimento anterior em que uma nova observação encaixa. Se não encaixa é outra história.

É minha crença (justificavel) que a ciencia esta a entrar numa auto-alimentação. Isto é, o conhecimento "à priori" está a condicionar a aceitação de uma nova afirmação. Porque ja criamos um quadro de trabalho muito abrangente. A indução tem aí o seu problema parcialmente resolvido.

Ou tudo o que vemos e sabesmo não faz sentido ou se algumas coisas fazem sentido não precisamos de experiencias infinitas para saber que há afirmações mais plausiveis que outras.

João disse...

Irei ler esse artigo logo à tarde.