segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Não há panaceias universais. É de desconfiar logo aí.

No site "Amigos da Cura" (1) podemos encontrar uma série de blogs (todos com o mesmo tema) com as mais incríveis promessas: Como por exemplo de que todas as doenças têm cura (2) e mesmo relatos de recuperações "fantasticas" de paralisia crónica (3). Claro que também ha um texto sobre como a Novartis pretende eliminar toda a população do mundo através da vacina na gripe, mas isso ja está batido (4). Tem muita coisa do género (5). A minha opinião é... Não!


Este tipo de promessas milagrosas, com trechos de testemunhos alegadametne escritos por pessoas que beneficiaram das terapias, cheios de emoçao, apelam sobretudo para pessoas desesperadas. Estão mais vulneraveis. Acreditam mais facilmente. E são abusadas.

Fazer este tipo de alegaçoes - e este "site" esta cheio delas - sem apresentar provas consistentes e completas e' em si um abuso. Abuso de pessoas que podem preterir melhores tratamentos a estas alegadas panaceias universais, tal qual a mitologica "banha da cobra".

E quem faz os diagnósticos? Quem é que se preocupa em saber realmente o que têm os doentes? Isso não devia ser feito por médicos qualificados?

Atrasos no tratamento e diagnostico são perigos palpáveis e com consequências potencialmente graves.  Felizmente que as doenças mais frequentes são também autolimitantes, isto é, passam sozinhas - com ou sem tretas.  Mas se passam sozinhas não precisam de tretas. E se não passam precisam de um tratamento especifico. e de acompanhamento médico a sério Não de uma coisa que dizem que dá para tudo mas que tem menos provas dadas que uma alface a competir nos 100 metros barreiras e menos plausibilidade científica que a música dos Beatles cure a lepra.

A juntar ao insulto a injuria ainda se faz menção de grandes conspiraçoes, como se as grandes farmaceuticas fossem o diabo. Claro que fazem umas asneiras, claro que fazem umas trafulhices. São regidas por homens.

Mas sao obrigadas a apresentar resultados que sustentem as afirmaçoes que fazem. Sao obrigadas a ser responsaveis por aquilo que colocam no mercado. Ou seja, fazem mais do que fazem as alternativas, que não são nem medicinas, nem alternativas a nada.


Para acabar deixo-vos com a nota final do texto de que "tudo tem cura":




" Como uma nota final: para aqueles de vocês que continuam a acreditar que a grande
mentira que a dura e ineficazes opções oferecidas pela medicina são superiores à
natureza, eu pergunto : Quando Deus se tornou um charlatão?"(2)

A questão não está nem aí. Ninguém está a sair daqui vivo e doenças não é preciso procurar por elas. Que  especie de lógica é esta? Estamos todos a viver para sempre e eu não dei por nada?


Quem quiser voltar para a idade média, tomar decisões baseadas em superstição, ter como conhecimento o "diz-que-disse", e viver a merce de  vendedores de poções da juventude - que o faça sozinho e por teimosia. Hoje há melhor. Há o conhecimento cientifico. Ignorar isso e apresentar outras verdades sem plausibilidade cientifica e sem provas tem outro nome.

Nao e' amigos da cura. E' amigos de outra coisa.



(1)http://amigosdacura.ning.com/
(2)http://amigosdacura.ning.com/profiles/blogs/toda-a-doença-tem-cura
(3)http://amigosdacura.ning.com/profiles/blogs/miastenia-gravis-diabetes
(4)http://amigosdacura.ning.com/profiles/blogs/a-vacina-ou-hemoterapia
(5)Por exemplo tratar com a mesma coisa - autohemoterapia - todo este leque de doenças:  "Cancro, diabetes, miastenia gravis, lupus, herpes"... no mesmo link de (3)

Como fazer o seu próprio placebo:

Para enfrentar a crise, o "Crónica da Ciência" vai mostrar-lhe como pode evitar gastar um dinheirão em pulseiras de equilibrio, acupunctura, auto-hemoterapia e outras medicinas alternativas que funcionam por efeito placebo.

Vou ensinar-lhe a fazer o seu próprio placebo. SIM - VOCÊ TAMBÉM PODE! Use este poder que lhe dou.

É muito simples.

Primeiro, arranje um frasco com tampa, até pode ser daqueles do café solúvel (depois de lavado).

Segundo, imprima a imagem deste post numa impressora de qualidade (mais embaixo). Use papel premium e todas as definições de impressão que gastem mais tinta.

Terceiro, recorte o rótulo. Este passo é muito importante. Se se enganar imprima outro rótulo e tente de novo. Tem de ficar perfeito. Depois, pegue no frasco e cole-lhe o rótulo da imagem que aqui deixo. Encha de agua.

Quarto: Repita alto - "Isto é para (problema em causa) e vai me tratar". Se se enganou repita outra vez. Ponha a tampa.

Quinto: siga as instruções do rótulo.


E AGORA A LISTA DE TESTEMUNHOS ANEDÓTICOS TÍPICOS DESTAS COISAS:

Maria Jaquina (Física de foguetes): "Desde que faço o meu próprio placebo deixei de ter queda de dentes. Desde que o comecei a tomar o mês passado ainda não me caiu nenhum."

Alberto Figuera (Neurocirurgião): "Gastei uma fortuna em pulseiras mágicas para não cair na cirurgia, e agora de graça resolvi o meu problema. Já não causo paralisia a nenhum paciente ha uma semana. O placebo caseiro é o melhor!".

Maria Topolina (cabeleireira): "Eu tinha uma mau olhado em cima e desde que faço o meu próprio placebo tudo me corre bem. Estou muito feliz e toda a minha familia também".


Milhares de pessoas em todo o mundo já conheciam este segredo milenar. Junte-se a eles.


PS: Isto é tudo a gozar, ok? É que se bem que o efeito placebo seja real e tudo tem efeito placebo conforme se acredite ou não, o que é importante é que faça mais que o placebo. Precisamente porque placebos há muitos. Príncipios activos eficazes é que não.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Autohemoterapia - fracas (muito fracas) evidências para tão grandes alegações.

A auto-hemoterapia é a prática supostamente médica de usar o próprio sangue de um paciente para o tratar, tirando 10 a 20ml de uma veia e depois administrando via intra-muscular.

Não só isto não faz sentido como não existem artigos rigorosos e metodologicamente correctos a sugerir que isto funcione mesmo que seja por algum mecanismo mal compreendido. Foi a conclusão a que cheguei (1) quando pesquisei para escrever a primeira vez sobre o assunto no blogue e foi a conclusão a que chegou o Dr Leandro (2) no seu blog.

Em defesa da auto-hemoterapia, o Joel Martini de Campos, que suponho já ter sido aqui comentador também, avança com 2 links. Só li aindacompletamente o primeiro, o que já justifica este post. 

É um artigo de 1940, que diz ter sido publicado na revista Brasil-cirurgico por Jésse Teixeira. É logo mau sinal ser um artigo tão antigo a aparecer numa pequena lista como suporte de uma pratica médica que alega servir para tanta coisa. Normalmente artigos de 1950 para trás so servem para dizer em que ano se descobriu determinada coisa, não para sustentar a sua pratica clínica nos dias de hoje. Mas pelos vistos os auto-hemoterapicos não têm muito melhor para apresentar.

E a leitura do artigo revela logo uma serie de problemas. Nos dias de hoje não seria aceite nem como trabalho de faculdade do primeiro ano.

 - Esta extremamente mal citado. Não há referencias para lá do nome próprio e apelido de quem diz o que.

 - As conclusões que tira estão fora do ambito do tema principal do artigo - o que mostra que não foi desenhado para esse fim.

 - Não é um estudo com controle com placebo.

 - Não é um estudo cego em que nem paciente nem médico sabe o que está a administrar no tratamento. É importante para afastar tentativas de fraude, contornar o efeito placebo além da tendencia natural humana para confirmação positiva (confirmation bias).

Isto seria na melhor das hipoteses um artigo se screening em que a conclusão seria que são precisos mais estudos. Mas estamos em 2011 e ainda é apresentado como prova. Prova de que é treta, só pode.

Faz afirmações como "foi muito mais rápido do que se não se tivesse usado auto-hemoterapia". Mais rápido comparado com que? Placebo? Não. Tratamento normal? Também não sabemos, não há qualquer espécie de controle. Como foi a evolução ao longo dos dias? Também não sabemos. 

O segundo link vai dar aqui (3). E para além da noticia linda de um apresentador de televisão que cura um paciente com cancro. Tem mais uns 10 artigos. Muito pouco. Segui o primeiro (4) porque era de veterinária.

É o artigo sobre um caso único, de uma época em que ainda não se sabia que o tumor venereo transmissivel ou Sarcoma de Sticker era causado por um virus - ou pelo menos o artigo não menciona isso - e em que diz que se fez auto-hemoterapia antes de se aplicar um tratamento que se sabe ser extremamente eficaz.

Diz que depois da auto-hemoterapia o tumor diminuiu de tamanho - não diz quanto - e deixou de sangrar. É possivel que tenha deixado de sangrar... Mas isto é quase a definição de "confirmation bias". Pequenas coisas que servem para confirmar algo como positivo. É uma tendencia natural humana. E chama-se a este tipo de estudos evidência anedótica. (um caso, sem controle, não cego, poucas alterações consideradas como sucesso).

Não li mais. Mas suponho que são todos assim. Não servem para provar uma area nova na medicina.

Grandes afirmações requerem grandes provas. É preciso explicar porque? 

PS: O autor original teve de fechar os comentários. Qualquer tentativa de SPAM, sob qualquer aspecto, será como outras vezes, apagada. Para deixar opinião não é preciso escrever 1000 vezes a mesma coisa. Isso não a torna verdade. Quem quiser um "blogue" para escrever sobre os mesmos assuntos que faça um, se quiserem eu até ajudo a começar (conheço o Blogger, não é?), mas na realidade é muito fácil.

(2)http://leonardof.med.br/2010/07/07/auto-hemoterapia-nao-tem-comprovacao-cientifica/
(3)http://www.rnsites.com.br/auto-hemoterapia.htm#TOPO
(4)http://www.rnsites.com.br/Auto-Hemoterapia-cadela.pdf

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Liberte o climatologista que há em si.

É muito facil. Basta ser-se decidido, escolher umas quantas tretas e falar como se ninguém mais tivesse a mínima ideia do que anda a fazer. E claro, negar o aquecimento global. Porque para defender a posição oposta tem de se fazer ciência e isso não é engraçado.

Quando alguém protesta basta responder: "A ciência não explica tudo".

E se ainda acrescentarem que isso é um apelo à ignorancia, (uma falácia conhecida), reponda que "é apelo à ignoracia sim, mas a ignorância é sua e não minha." - E esta provado.

Afinal porque não dar liberdade ao nosso climatologista interior? No fundo sabemos todos falar sobre o tempo melhor do que qualquer outra coisa. E se ja somos todos peritos em medicinas alternativas podemos também ser todos peritos no clima. E para mais, o aquecimento global só acontece uma vez por ano e meses depois volta a arrefecer. E é só em metade do planeta de cada vez.

PS: Falácia do espantalho? Era bom sinal que fosse...

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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Colículos e consciência.

A integração da informação proveniente do ambiente - através dos orgãos dos sentidos - é essencial para a sensação de se estar dentro do corpo(1). A incapacidade do cerebro poder fazer o cruzamento desta informação adequadamente dá origem a uma sensação de "fora do corpo" (out-of-body).

Parece razoavel aceitar que para a emergência da mente, (do sentimento do Eu), seja nesseçário para além disso, uma integração com as próprias percepções vindas do corpo (somáticas), que refletem o estado emocional em que estamos (2).

Os colículos são uma estrutura cerebral onde isso acontece:


"As camadas profundas do colículo superior contêm, além de um mapa do mundo visual, mapas topográficos de informação audiotiva e somática, sendo estes ultimos oriundos da espinal medula e do hipotálamo.

As três variedades de mapas - visual, auditivo e somático - mantêm um registo espacial. Isso significa que se encontram alinhados de uma forma tão precisa que a informação disponivel num dos mapas, por exemplo o da visão, corresponde à informação de outro mapa relacionado com a audição ou com o estado corporal."

Citado do "Livro da Consciencia" de António Damásio, Circulo de Leitores.

De notar que de modo algum isto significa que a consciencia é produzida nos colículos. Significa sim que é provavel que estes participem na formação dessa consciencia, provavelmente mais que muita outras areas.



(1) http://www.theness.com/neurologicablog/?p=749
(2) Ver "O erro de Descartes" também de António Damásio.

domingo, 2 de janeiro de 2011

A confusão dentária antropológica está na divulgação e percepção.

Os dentes encontrados recentemente nas escavações Israelitas têm ressonado nos média – e sobretudo nos comentários que originam (1) - como uma anomalia à teoria “out of africa” e mesmo à teoria da evolução. Bastou procurar o ”abstract” para perceber melhor que estes dentes não são exactamente iguais aos dentes que temos hoje, mas sim correspodendentes a uma forma mais antiga e provavelmente entre nós e os Neanderthais (com quem trocámos genes).

Para  simplificar apenas traduzo o “abstract”, que fala por si:

“Este estudo apresenta a descrição e análise comparativa de dentes deciduos e permanentes do Pleistoceno médio localizados em uma gruta em Qesem (Israel). Todos os fosseis humanos [conhecidos]foram identificados como pertencendo ao complexo cultural Acheulo-yabrudiano (AYCC) do Paleolítico inferior tardio. A idade (200 a 400 ka) dos dentes de Qesem do Pleistoceno médio, coloca-os cronologicamente antes que a maioria dos fosseis de de espécies de hominídeo previamente conhecidas do sudoeste da Ásia. Três dentes permanentes mandibulares(C1 – P4) foram encontrados em proximidade com a parte inferior da sequencia de estrados [geológicos]. As pequenas dimensões das coroas indicam um considerável grau de redução apesar das raízes serem longas e robustas. Em contraste, três dentes maxilares (I2,C1 e M3) e dois deciduos isolados que foram encontrados na parte de cima da sequencia [de estratos geológicos] são muito mais largos e mostram alguns traços de plesiomorfismo semelhantes aqueles de espécimes de  Skhul/Qafzeh. Apesar de nenhum dos dentes de Qesem mostrar uma conjunto de características de Neandertal, um pequenos conjunto de caracteres mostra afinidade com membros desta linhagem evolucionária. Contudo o balanço de evidencias sugere uma afinidade mais próxima com o material dentário de Skhul/Qafzeh, apesar de muitas destas semelhanças provavelmente representarem características de plesiomorfismo [partilha de características por via ancestral].”

A ligação para o abstract:
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ajpa.21446/abstract

(1) http://www.publico.pt/Ciências/dentes-humanos-encontrados-em-gruta-de-israel-sao-mais-antigos-do-que-homem-moderno_1473109

PS: Hoje (3-Jan-2011) a Nature traz um artigo sobre o assunto onde também critica os média e faz menção a dois bloggers que denunciam a falta de rigor das noticias: " The discrepancy between the media coverage and the paper was seized upon by science bloggers Carl Zimmer and Brian Switek, who objected to the hype around the research." aqui: http://www.nature.com/news/2010/101231/full/news.2010.700.html