quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Seta do tempo e entropia.

Para além da nossa memória, não parece haver mais nenhuma razão para que se possa afirmar que o tempo flui num sentido ou noutro. Excepto se falarmos de entropia.

A descrição física do universo é simétrica em relação ao tempo. Isto quer dizer que quando pomos um filme a andar para trás, e se formos minunciosos e cuidadosos nas nossas observações, não vamos ver nenhuma violação das leis da física. Parece não haver nada que indique em que sentido o tempo flui se não fosse a entropia.

Este conceito surgiu da observação de que em qualquer processo há sempre calor perdido, porque não se consegue 100% de eficiência. É descrito na segunda lei da termodinâmica que afirma que diferenças de temperatura entre dois sistemas em contacto tendem a igualar-se, com trabalho a poder ser obtido a partir dessas diferenças, mas que também se perderá calor, sob a forma de entropia.

A entropia foi considerada como sendo uma medida da desordem, mas é mais aceite actualmente ser uma medida da homogeneidade da dispersão de energia. Isto é, a energia tende a espalhar-se uniformemente, sendo o cenário mais provável para um sistema o da maior dispersão geral da energia. De facto o conceito evoluiu matematicamente para uma abordagem estatística que pode ser aplicada a outras áreas do conhecimento, como por exemplo à teoria da informação de Claude Shanon.

Para saber mais proponho começar por aqui:

http://en.wikipedia.org/wiki/Entropy

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Porque discutir com criacionistas II

Para completar o post anterior, e porque achei que devia destacar esta questão, venho só acrescentar que há limites para o tolerável em discussões que se pretende terem alguma finalidade.

Alguns bloguers de ciência decidiram instalar medidas contra determinados indivíduos que promovem a sua ideologia através de Spam. Na realidade só me lembro de um... Mas adiante, esses indivíduos publicam comentários longos, repetidos e fora de contexto, sistematicamente dificultando tanto a discussão com eles próprios como de qualquer assunto a que se dedique o post.

Qualquer outro site tipo "youtube" ou jornal on-line já teria tomado medidas do género há muito tempo.

Como uso e abuso são coisas diferentes, deixo aqui a minha aprovação pelas medidas que estes blogueres tomaram - que não se destinam, a eliminar o dialogo, nem a critica (a).

Quero só salientar que esse tipo de atitudes também não serão toleradas aqui neste blogue e que esse individuo não terá aqui duas oportunidades. Uma será eventualmente demais.


(a) update: No caso do De Rerum Natura tenho de admitir que a coisa ficou mais complicada em termos de interação entre comentadores. Não tinha pensado nisso. Espero que encontrem uma solução em breve.

Porque discutir com criacionistas.

O Mats, no seu blogue "Genesis contra Darwin" diz assim:

"Sob o título de "Estudo Sugere que os Primeiros Animais Evoluiram em Lagos e não nos Oceanos"os evolucionistas da National Geographic News contradizem uma das crenças fundamentais da teoria da evolução. "(1)

Esta frase é aquilo que podemos chamar de intelectualemte desonesta. Antes de mais, a origem da vida não é um pilar de suporte da Teoria da Evolução. Quanto muito o modelo evolutivo poderá sugerir o tipo de processo que iniciou a evolução. Mas não é nada em que a teoria se baseie. A teoria, ou mais correctamente o modelo é sobre a evolução e não sobre a origem da vida. Que se estejam a descobrir evidências que suportem uma origem evolutiva da vida é absolutamente desnecessário para provar que há evolução. Mas estão-se a fazer essas descobertas. escrevi sobre isso diversas vezes. Esses posts estão sobre a etiqueta origem da vida (2).

A desonestidade ainda vai mais longe, se o que está em causa é o local onde a vida apareceu. E ainda por cima se se considera que estudos que sugerem que a vida surgiu num lago salgado em vez de no mar fragilizam ou contradizem a teoria da evolução. Porque é isso que o artigo diz (lago salgado em vez de no mar). Sigam o link! Como é que isso contraria a teoria da evolução? É mais um disparate criacionista pouco ralado com a lógica. Esse não é um aspecto fundamental da teoria - ser num lago salgado ou no mar.

Porque então perder tempo a responder a estas coisas tão óbvias? Sobretudo porque os criacionistas são tão poucos em Portugal?

Porque a Teoria da Evolução é uma teoria cientifica formidável, tão sofisticada como a mecânica quântica ou a teoria da relatividade e igualmente difícil de compreender. É preciso saber lidar com números grandes e probabilidades, entre outras coisas, para a perceber a fundo.

É fácil, para quem não se debruça frequentemente sobre o tema, pensar encontrar entraves. E os criacionistas abusam disso. Acho que é importante haver divulgação em nome da verdade. E estes debates ajudam a divulgar. Porque se não o fizermos, podemos ter que a aturar nas escolas em uns poucos de anos como acontece nos estados unidos. Em vez de estar à espera que os investimentos económicos dos criacionistas (3) não tenham impacto na população, mais vale apontar sistematicamente a sua lógica perversa.

Nem que seja porque a verdade é importante (4) e a ciência pode não ser a explicação perfeita, mas é o melhor que se consegue. E nós precisamos dela. A única hipótese de manter a humanidade com os números actuais e a viver em condições é usarmos toda a nossa tecnologia para nos dar essas condições. E os criacionistas querem redefinir o que é ciência para explicar determinadas coisas como tendo origem em entidades sobrenaturais. Querem usar a tecnologia mas destruir o método que lhe deu origem sem pensar em consequências. Em rigor, dizem que determinadas coisas que os contrariam não são ciência. A perversão é enorme.

Adicionalmente, a discussão faz parte do método cientifico, não exactamente com leigos que nem sequer sabem distinguir ciência de pseudociência, mas discutir com criacionistas parece-me um modo de mostrar porque a ciência explica as coisas da maneira que explica - e porque aceita como teoria uma coisa e não outra. Neste casos aceitou a teoria da evolução e rejeitou o criacionismo que foi um modelo aceite até Darwin e até por muitos cientistas importantes (se bem que muitos também não eram realmente biólogos, onde a dúvida fermentava...).

Já tenho falado sobre o principio da falsiabilidade várias vezes, e a Internet está cheia de explicações e justificações da sua importância, por isso hoje já chega.

Mas ao discutir com criacionistas acho que também nos apercebemos melhor do porquê de a ciência funcionar como funciona, com discussão honesta e aberta e exigência acerca das teorias que aceita.

E ao denunciar argumentos tão escandalosamente inadequados como este, chamar a atenção para o que sugere o seu uso.

Os criacionistas não são sequer capazes de explicar o mecanismo que impede um organismo de evoluir. A não ser a explicação do pecado original que diz que só nos podemos degradar e que as mutações TÊM de ser más. Porque Deus quer. E porque Deus criou. Mas isso não explica como funciona nada.

E só por curiosidade, porque não passa disso: Darwin achava que a vida tinha surgido num lago quentinho.

(1)http://genesiscontradarwin.blogspot.com/2009/08/afinal-vida-nao-comecou-nos-oceanos.html
(2)http://cronicadaciencia.blogspot.com/search/label/Origem%20da%20Vida
(3) Parque Discovery: http://discovery.pt/PDiscovery.swf
(4)http://cronicadaciencia.blogspot.com/search/label/verdade

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Evidências Anedóticas

Em passeio pelo site da Associação dos Divulgadores de Espíritismo de Portugal, uma associação que tem como objectivo o oposto daquilo que eu pretendo com este blogue, chamou-me a atenção o simbolo da N.A.S.A.

Por baixo dizia assim:

"Sabia que...
Em experiências realizadas pela NASA, em Uberaba, Minas Gerais, Brasil, em 1978, o Engenheiro Paul Hild constatou que a aura de Francisco Cândido Xavier era sentida num raio de dez metros, enquanto a de outros médiuns pesquisados se ficou por alguns centímetros?"

Não tinha links para lado nenhum, por isso fui pesquisar. Em lado nenhum há mais informação que a que está neste texto. Não há referencias em Inglês nos resultados do Google. Este senhor, Paul Hild não aparece também na Wikipédia em Inglês.

Fico sem saber os materiais e os métodos usados, onde foi realizada a experiencia, quais os fundamentos teoricos suportados pela ciência em que se baseia e muito sériamente, se este senhor existe sequer.

Mas o que se passa é que quem quiser repetir a experiencia para confirmar os resultados e conclusões não o pode fazer. Tem de aceitar crédulamente que foi assim que as coisas se passaram.

E depois dizem que são uma ciência:

"O espiritismo é uma ciência filosófica de consequências morais. Como ciência, investiga os factos espíritas. Como filosofia explica-os".

Ha...

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Estruturas dissipativas II - Sistemas cognitivos que evoluiem e os outros.

A teoria dos memes, vem da analogia que há entre como as ideias se propagam e evoluem e a forma como o fazem as nossas características fenotípicas. O gene e o meme são as unidades básicas e funcionais de cada um dos processos.

Acerca do "post" de ontem (1) , sobre auto-organização, não pude deixar de reparar o seguinte:

As estruturas dissipativas só surgem em sistemas abertos, com uma fonte de energia externa, em sistemas longe do ponto de equilíbrio

E agora vou especular um bocadinho:

E se a entrada de energia é a questão crítica para um sistema físico evoluir contra a entropia, tendo portanto de ser aberto, então a entrada de informação será o factor crítico para um sistema cognitivo evoluir também. Sistemas cognitivos só evoluem se forem abertos. Se entrar constantemente informação. Sistemas cognitivos fechados onde a informação não entra não evoluem. Tornam-se dogmáticos e mantém-se estáveis e imutáveis ao longo do tempo. Como por exemplo o criacionismo.

A ciência não. A sua natureza empírica e o seu naturalismo metódico obrigam a procurar extrair toda a  informação que se conseguir do mundo físico. Foi isso um dos factores mais importantes que a terá permitido  evoluir. Isso, e a abertura à critica. 

Por isso refutações, sugestões e ideias são bem vindas. Há espaço embaixo para isso.

(1) http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/08/estruturas-dissipativas.html

domingo, 2 de agosto de 2009

Estruturas dissipativas.

Ilya Prigogine, prémio Nobel da quimica em 1977, dedicou-se ao estudo do aparecimento de estruturas mais organisadas, em contradição aparente com as leis da termodinamica que dizem que tudo caminha no sentido da desordem.

O que Prigogine descobriu é que em determinadas condições - sistemas abertos longe do ponto de equilibrio - se podem formar estas estruturas dissipativas (de entropia) e enquadrar focos de auto-organização. Uma estrutura dissipativa captura energia e exibe ordem.

Ele notou que apenas sistemas abertos evoluiem, os fechados não. Apontou como exemplos os fenomenos de cristalização, e da formação de furacões. Pode parecer estranho mas aquela coisa a andar à roda e a mover-se pela superficie do planeta é uma estrutura mais organisada que as moléculas de ar a baterem uma contra as outras desordenadamente.

Sistemas abertos são aqueles que trocam energia ou matéria com o meio exterior. Como na Terra, a entrada constante de energia solar. A entropia no Sol aumenta brutalmente, mas na Terra, não. No entanto se se considerar o Sol e a Terra como o mesmo sistema, já temos um sistema em que a entropia aumenta. Conclusão obvia é que não vai durar para sempre.

Prigogine conciliou deste modo a Teoria da Evolução com as Leis da Termodinâmica.

sábado, 1 de agosto de 2009

Machos e fêmeas como exemplo de aumento de informação.


Os criacionistas têm um problema com as mutações. Uma vez que admitem a sua existência vêm-se forçados a autenticas manobras ilusionistas para demonstrar que elas não podem aumentar a informação existente no ADN. O que, quando admitem que existem mutações prejudiciais, fazem.


Porque, a informação em si, é cega ao critério de bondade. Quem não é cego somos nós, seres conscientes, e sobre uma perspectiva realmente implacável, a selecção natural. Mas a informação já lá está.


De facto, quando surge uma mutação que origina uma doença genética, temos de aceitar em termos literais que a informação total disponível no genoma aumentou. Antes, não havia informação capaz de codificar(1) essa doença. Até porque, nem o ADN, nem a célula que o usa, têm maneira de saber, até a selecção actuar, se a mutação é boa ou má.


Mas vejamos em termos abstractos o seguinte:

Temos uma população de indivíduos, que para uma dada caracteristica X têm alelos A e B. Imaginemos que esse gene B que codificava para a mesma caracteristica X, por isso se diz alelo, sofre uma mutação num particular individuo. Esse individuo passou a transportar em vez do alelo B, o alelo novo que agora vamos chamar C. Mas na população em que ele vive, existe muita gente com o alelo B ainda . Por isso, se considerarmos esta população a enfrentar a selecção natural vemos claramente que há mais por onde escolher. No património genetico total existem agora os alelos A, B e C. A quantidade de informação aumentou.


Os criacionistas dizem então que as mutações são sempre más, e por isso é que a informação não aumenta. Mas infelizmente, as más noticias também são informação. Respondem então que não é possível uma mutação trazer uma caracteristica nova benéfica. Eu já aqui disse que quando elas surgem não são boas nem más e até dei o exemplo da anemia falsiforme que é boa em países onde há malária, porque protege do parasita e é má dos países onde não há, porque resulta numa anemia, ainda que se consiga viver com isso (senão não se tinha propagado tanto, certo? É frequente até aqui ao Mediterraneo e conheço pelo menos uma pessoa que a tem).


Mas existem mais exemplos, que também aqui já falei, como a capacidade de metabolizar citrato que foi adquirida por bactérias E. coli numa experiência exaustiva realizada ao longo de milhares de gerações de bactérias. Ou a capacidade de digerir Nylon, uma substancia que não existia na natureza até a começar-mos a deitar fora.


Mas um criacionista conhecido da blogosfera pela sua hiperactividade no "festival do copy-paste" acrescentou um argumento novo ao seu estafado material que me lembrou que era de facto um bom argumento para demonstrar o que acabo de escrever.


Ele diz assim:
“"os genomas estão a perder informação genética. Isso foi recentemente observado em estudos sobre o Cromossoma Y (que está a perder genes) e foi novamente confirmado no estudo de muitos mamíferos. "


Isto era para argumentar que o ADN se esta a deteorar. Mas vamos pensar sobre os factos.
Os cromossomas X e Y têm a mesma origem.  São virtualmente iguais excepto que ao Y faltam partes, porque é muito mais pequeno. Sabemos que deleções existem, o caro Prespectiva até confirma isso, e temos que o cromossoma Y é igual a um X a que faltam bocados (há inversões e outras mutações também mas para o caso, isso não é realmente importante, são mutações na mesma).  Por isso doenças como a hemofilia que estão ligadas ao cromossoma X são mais, mas muito mais frequentes nos machos, porque esse cromossoma X, herdado da mãe, portador do gene deficiente, não tem o seu alelo homologo no cromossoma y para interagir e determinar o fénotipo. Isto é, todas as características são determinadas por dois genes, em principio, um que vem do pai e outro que vem da mãe, excepto nas partes do cromossoma X que corresponde ao braço do cromossoma Y que falta. Esses genes determinam tudo aquilo para que servem sozinhos. Nas mulheres, para aparecer a hemofilia, já de si rara, precisamos que o individuo seja homozigótico, (tenha dois genes iguais) uma vez que o gene é recessivo. Ver figura.


Voltando ao essencial, temos então que por mutações passou a ser possível haver uma diferença fundamental entre dois grupos de individuos. Os machos e as femeas. Os homens e as mulheres. Sabe-se hoje que esse não é o único factor que determina o sexo, mas é muito importante, talvez o mais importante e o único que se conhecia durante muito tempo.
Resumidamente, onde antes só se conseguia ter XX ( o que representa quase sempre femeas nas espécies actuais), é possivel ter XY. E também XYY, ou só X e variantes com varias linhagens de celulas diferentes (quimeras), mas isso fica para outro post.
Quero ver agora como os criacionistas vão argumentar que haver machos e femeas representa uma redução na informação contida no DNA e que isso é uma coisa má. Porque segundo eles, até foi Deus que criou os dois sexos.

(1) Como já aqui discuti no CdC, existe uma diferença fundamental entre o tipo de armazenamento, processamento e tradução do ADN e outros códigos para que ele seja considerado literalmente um código. Todos os códigos requerem convenções, tal como o código de um programa de computador requer o código fonte. A convenção é algo combinado e requer de facto inteligencia e intencionalidade. Isso não existe na “codificação do ADN”, e de facto o próprio Watson Crick que descobriu o ADN e cunhou o termo no sentido biológico admite que a palavra mais correcta para usar seria “cifra” mas que código era mais sonante.
A imagem saquei da wikipédia.