quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A apologia do debate público de ideias.

O Desidério Murcho, professor de lógica, nestes dias tem conseguido ser uma fonte de matéria inesgotavel para este blogue. Mas não pelas melhores razões. Para saber mais ver os posts anteriores. Eu não me preocuparia tanto com o que considero ser francamente errado nos seus comentários e posts se ele não fosse um autor conhecido com alguma visibilidade. Mas em alguns aspectos é. Não é uma E. L. James de vendas, mas também tem um bocadinho mais de creatividade.

Este meu post é sobre um dos seus últimos comentários e que pode ser abordado só por si.


Ele diz que é mau as pessoas discutirem pelos seus interesses ou mesmo discutirem de todo. Que o ideal era sermos todos uma carneirada sem lutar por ideias (nem verbalmente), e isso era a sociedade que ele queria (perdão que ele não quer, nem quer convencer que é o que quer, e muito menos discute nesse sentido.)

As suas palavras são estas:


"Eu não uso este blog e nunca usei as minhas intervenções públicas para empurrar a sociedade na direcção que me é mais favorável. Considero esse um dos problemas do mundo contemporâneo: há demasiadas pessoas a fazer activismo e a empurrar a sociedade para um lado ou para o outro em vez de tentarem contribuir para uma resolução imparcial e racional das nossas diferenças. A única coisa boa é que a generalidade das pessoas não quer saber dos activismos e limita-se a fazer a sua vidinha. Se não fosse isso, a guerra verbal e os truques de bastidores dos activistas rapidamente nos levariam à guerra, com homeopatas a matar médicos e vice-versa. É caso para dizer que o que nos salva é a indiferença."




Nossa senhora (nunca pensei dar-me a religiosidade). A discussão de ideias é o diabo em pessoa, o fim da humanidade!...  
Não importa que antes de isso poder acontecer a lei fosse a do mais forte no musculo, e que nessa altura em vez de palavras eram mesmos actos. Não importa o que ganhamos ao dar valor às palavras e em poder discutir ideias sem discutir caracteres. Não importa a liberdade que isso deu a tanta gente. Aquilo é o fim da picada.

E depois, todos podemos dizer que estamos a ser imparciais, e muitos acreditaremos que estamos mesmo. Ele assume que ele é que sabe quem está a ser imparcial ou não. Parece-me péssimo e discutivel. Todos podiamos fazer isso e o facto do Desidério acusar as pessoas que acusou, de estarem a pensar apenas nos seus interesses me sugere fortemente que ele próprio não compreende muito bem as pessoas. Mas passemos isso à frente, pensemos apenas na discussão de ideias pela defesa dos interesses de cada um. Vejamos o que isso nos trouxe, por exemplo:



Não há escravos, o regime feudal é muito mais permissivo, em muitos países ser-se ateu não é um crime, ser-se de outra raça idem, etc, etc, etc... Isto foi conseguido como? Deixando monarcas e teocratas fazerem o que achavam melhor?






Não, não estou a fazer um espantalho da acusação do Desidério. Ele diz que se as pessoas estivessem a fazer a sua vidinha e não discutissem é que era o que ele queria (perdão, não queria, apenas quer dizer, sem que tenha consequencias ou significado). Mas se as pessoas não disserem o que querem, ou alguém não o fizer por elas, as coisas não tinham saido da pré-história e da ausencia de direitos humanos que tem havido desde sempre, mas cada vez menos.





Não estou a ver melhor maneira de resolver conflitos de interesse que pela palavras. E mesmo assumindo que todos estão preocupados tanto com as vontades dos outros como com a sua prória, também não me parece que a informação e a resolução possa ser tão boa como pela discussão livre. Pelo menos até haver conexão interneuronal de individuo a individuo e sejamos uma massa compacta agindo sob a mesma consciencia em sincronia. Mas ainda não somos. E não sei se gostaria que fossemos, se bem que as formigas não se pareçam queixar. Mas eu estou satisfeito por não ser formiga.



Eu não me importo de ter amigos que acreditam na homeopatia, em Deus, ou até no fim do mundo. Reconheço o direito dos outros de defenderem as suas crenças como eu defendo as minhas. E reconheço que neste mundo  e para os outros, eu sou o outro. Por isso interessa me  também defender "o outro".



Sou contra a pena de morte mesmo dos piores criminosos, a crueldade contra pessoas ou animais, procuro não comer  carne de mamifero por lhes reconhecer emoções iguais às nossas. E defendo estas ideias activamente. Vou matar por elas? Claro que não. Com que sentido?



Entrar em guerra é assumir uma série de derrotas à partida. Inclusivé a perda provavel por aquilo porque se está a lutar. Mas por vezes, quando as pessoas gritarem a sua dor, justificarem os seus problemas e implorarem o seu alivio não funciona, não há outra alternativa. Felizmente hoje, não é bem assim em muitos sitios.

Pense-se só nisto que era frequente durante a idade média (e que devia ser bem melhor que a pré-história):



 - Uma pessoa era torturada perante uma acusação. O julgamento era feito após a confissão assim obtida. Poucos foram mortos, mas muitos acabaram por morrer em prisões sem a minima condição.

- Os nobres passavam a vida em disputas entre si. Um dos modos como o faziam era através de incursões pelas terras do outro, destruindo as colheitas e matando os trabalhadores das suas terras.
- Mesmo nos nobres, apenas o primogénito iria herdar tudo. Os irmãos mais jovens acabavam por ter de se alistar em exercitos, conventos, etc, para sobreviver, pois não lhes caberia nada, nickles, rien, após a morte do pai. 
- Não havia segurancia social. Não era estar mal feita, arruinada ou coisa do género. Era algo que nem passava pela cabeça daquela gente. O mais parecido era dar os restos aos pobres quando já não serviam para os próprios. 

- Os duelos e os homicidios por motivos de honra eram frequentes.





A idade moderna, a que se segue, acabou quando a população esfomeada derrubou a monarquia em França. Mais valia terem sido ouvidos com atençao. Muitos problemas se seguiram, mas no fim de contas as pessoas em todo o mundo ganharam um pouco mais de direitos (os outros monarcas acagassaram-se). O meu ponto é que apesar de ter sido por um péssimo meio - a violencia, ficar a morrer em silencio é que tinha sido pior. Além disso as mortes foram desnecessárias. Ninguém precisava de ter ido para a guilhotina. Não adiantou nada. Mas se calhar nesta altura já havia outra vez apenas uns poucos desregulados a lutar pelo poder, sem possibilidade de discussão publica e aberta de ideias. Pois era.

Os negros passaram a ser cidadões nos estados unidos, na decada de 50, quando uma senhora que era tão escura como um portugues se recusou a dar o lugar de autocarro a um homem branco (WASP).




Isto é só para ilustrar como a manifestação ordeira e o discurso verbais são importantes para a nossa sociedade, não para provar. Para isso basta notar que precisamos de gestão e de alguem a organisar seja o que for. E se essa pessoa ou grupo seguir apenas os seus interesses e nem tiver um bom conhecimento dos dos outros, os outros vão ficar de fora em muita coisa. 



E isto sem contar com a natureza humana, de haver sempre alguem que quer mais para si que o que quer dar. E mais uma vez que a melhor maneira de lutar contra isso não é ficando quieto, lançando bombas, mas sim divulgando, alertando, justificando. E isto é activismo. 



É uma das coisas melhores que temos em algumas sociedades actuais, a participação de todos para um bem comum, cada um a lutar pelo que mais significado tem. Ontem saiu uma lei que proibe ter peixes em aquário de balão. Eu não me lembraria de andar a lutar por essa causa publicamente, com tanto mais importante que há para aí. Mas estou contente que alguem o tenha feito. É bom que haja gente diferente com motivos diferentes. Tem dado bons resultados no longo prazo. Ás vezes as coisas não são ao meu gosto. Nessas alturas tento justificar porque e apresentar as minhas razões. E espero ser ouvido.



Dizerem-me que estou enganado pelo simples facto de estar a participar numa discussão? A lógica não segue. É preciso mostrar em que é que estou enganado. Dizer que estou apenas a servir os meus interesses sem pensar no bem comum, por estar a participar numa discussão? Idem. É perverso assumir isso à partida, e carece de prova. 





E é disto que é feita a democracia, é disto que vive a evolução das ideias.  
E todos queremos uma sociedade que valorize as coisas que gostamos e precisamos. E com que possamos contar. Temos de negociar isso e se estamos à espera que os outros adivinhem o que nós queremos e hajam de acordo, isso pode não funcionar. Eles podem ter pouco geito para adivinhar, e mesmo se passassem a vida a fazer inqueritos, duvido que conseguissem ver claramente todas as implicações sem uma discussão de ideias.



E não, não vamos acabar todos à guerra por causa de discutir ideias uns com os outros e de nos manifestarmos. Mas vamos ter menos guerras por causa disso.



E eu pergunto-me afinal: Porque se rala o Desidério com guerras? Quererá afinal que elas não existam? Será que vai defender essa posição?

Esta exposição é suficiente para mostrar porque discutir ou manifestar aquilo que consideramos correcto, mesmo que seja no nosso próprio interesse, tem tido sucesso ao longo do tempo. Pode não servir para provar que é a melhor maneira. Mas para já é o melhor que temos.

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