quarta-feira, 3 de junho de 2009

Desígnio Inteligente e o cunho pessoal.

O criacionismo e o movimento do DI são a mesma coisa. Vestem roupas diferentes mas por baixo é igual. A negação do materialismo que tantos resultados trouxe à humanidade - a ciência é materialista , azar, não há nada a fazer, é assim que funciona(1) - e a insistência no fixismo absoluto de criação instântanea são as características mais marcantes desta pseudociência.

Um dos argumentos centrais, sobretudo no DI, e que lhe dá o nome é de que se tem aspecto de que serve para alguma coisa, é porque tem um criador inteligente. Mais dizem, que se pode perceber logo ao olhar, que como é muito funcional, tem de ter um criador esperto.

Dão como exemplos, repetidas vezes, artefactos que se possam encontrar - de arqueologia - em que se topa logo que tem um criador inteligente e que não se confundem com uma pedra (ou outra coisa que pode ter um criador mais burro). Que espanto. Mas embora as pedras até sirvam para alguma coisa, estamos a falar de coisas mais complexas, como por exemplo um vaso. Mas também ninguém vai começar logo a dizer que foi Deus que terá feito estes artefactos, (se bem que sempre me impressionou a perfeição daquelas laminas de sílex lascado) ou confundir um pergaminho de Nag Hammadi com fosseis de vegetais.

A questão aqui, é que à semelhança de uma ilusão de óptica, estes pseudocientistas procuram abusar de um ilusão cognitiva, a primeira de uma série delas. Passo a explicar:

O cérebro humano, para aumentar a velocidade como reconhece coisas, funciona à base de identificação de padrões e compartimentalização de conhecimento. Desde um nível muito baixo, como por exemplo, na reconstrução dentro do cérebro de uma imagem captada pelo olho (Googlem ilusões de óptica para ver consequências disto) até um nível mais elevado do processamento cognitivo e intelectual. Identificar e reconhecer uma rã leva apenas instantes para a maioria de nós, porque a encaixamos imediatamente no local certo. Não precisamos de estar de cada vez a seguir um algoritmo exaustivo como se fossemos taxonomistas virtuosos. O padrão é reconhecido e depois, até mais facilmente podemos buscar o resto da informação (tipo é vertebrado, sofre metamorfoses, etc).

É claro que por um conjunto de razões temos facilidade em reconhecer artefactos humanos ou obras de arte mal olhamos para elas. Mas não é por terem um criador inteligente. O que nós reconhecemos mesmo são os padrões que utilizamos para construir coisas. Podemos muitas vezes, instantaneamente, dizer imediatamente do que se trata e até onde foi feito (ex: calculadora digital, relógio, feito na china).

Agora, chegando a esta fase, os criacionistas pedem que o único critério e padrão que nós usemos seja o da complexidade e utilidade, para juntar uma série de outras coisas àquelas que têm origem humana. Por tudo na mesma gaveta sobre o rotulo "Criação Inteligente".

Depois, como não vão dizer, "estão a ver, os dentes servem para trincar, logo foram feitos pelo homem", tem de dizer que foram feitos por outro criador inteligente e que mais esse criador tem de ter tido intencionalidade - é essa a característica que eles querem confundir com a percepção de complexidade e utilidade. Mas, se prestarmos atenção, a ilusão é desfeita ao debruçarmo-nos sobre a questão:

Mas não há outra maneira pela qual estas estruturas, (seres vivos) se possam ter surgido?

Eles querem que isto, o argumento DI, seja um pressuposto, para depois terem de concluir que foram aliens que criaram os animais, perdão que foi Deus. Mas é ao contrário. Só podemos concluir que é obrigatório ter origem inteligente e intencional senão houver uma explicação melhor. Porque pelas caracteristicas sabemos que não foi o homem e precisamos de colocar uma entidade extraordinária no processo, que sendo intestável (sim, a hipótese Deus é intestável) tem de ser postulada, não só a sua existência, mas também o seu papel de criador. Violando o principio de Occam.

Adicionalmente, existe uma muito boa explicação para o surgimento de formas de vida tão bonitas e incríveis. Chama-se modelo evolutivo, ou síntese evolutiva moderna.

Por mais que lutem os fixistas de várias religiões, as confirmações da evolução vêm por várias linhas de confirmação diferentes e são consistentes e convergentes. Como eles têm vindo a demonstrar, é preciso andar a escolher a dedo entre o que é ciência e o que não é para dizerem que são amigos da ciência (se calhar só para poderem continuar a jogar computador) e que a evolução não é ciencia. Que é mito materialista. Treta.

Agora a parte mais curiosa.:
A selecção natural poderá ser em si considerada um processo inteligente (mas não consciente, característica que lhe falta para que a comecemos a venerar). Matematicamente a ideia tem sido explorada na informática em programação de algoritmos genéticos.

Mas mais interessante ainda é existirem suspeitas de que o funcionamento do nosso cérebro, mais concretamente a inteligência seja muito semelhante à evolução. Perante um desafio, novas sinapses se formam em grande numero e depois só ficam as que servem para um circuito neuronal funcional. Conseguem ver a analogia com mutação (criação de diversidade) e selecção natural (synapses inadequadas ou não utilizadas perdem-se)?

Também aqui a natureza se repete. A evolução deu origem à inteligencia que não é mais que um processo evolutivo mais sofisticado (um pouco de antropocentrismo faz bem ao ego). Sim, porque em toda a sua diversidade, a Natureza repete-se. E o mundo vivo ainda mais. Essas semelhanças permitiram construir uma árvore da vida que sugeriu a evolução a Darwin. Os fixistas dizem que isso é antes prova de que existe um Criador comum.

No outro post de anteontem chamei a isto o argumento da falta de imaginação do criador". Eu não estou de acordo, volto a dizer que eles é que argumentam nesse sentido. Mas estive a pensar no assunto. Sendo a evolução um processo criativo e não me parecendo que tenha pouca imaginação, apesar de se repetir, (e uma vez que já vimos é análogo ao processo de inteligência), acho que era mais sensato, e depois de tudo o que sabemos apontar para algo como uma marca de artista ou cunho pessoal do artista. Se a evolução tivesse consciência, o que não tem.

Mas tem definitivamente um padrão que podemos identificar num instante. Os artistas chamam orgânico a esse aspecto, e vêm-no na arquitectura, escultura, etc... A evolução explica o aspecto orgânico e repetitivo através da ascendência comum a viver num mundo comum a adaptar-se progressivamente. Eles explicam-no através do Criador comum.

Porque os fixistas insistem que o criador, omnisciente e omnipresente tinha um cunho artístico pessoal, ultrapassa-me.

A não ser que ele tenha criado o mundo biológico... Evolutivamente!

Mas depois desta conversa toda, e para ser sério, tenho de sublinhar o que interessa. O argumento de designio inteligente tem de ser provado e não servir como prova. É tudo.


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(1) materialismo já não é obviamente dizer que a matéria é tudo o que existe, mas antes que o universo pode ser estudado através de efeitos mensurados na matéria. Se não acontece, não existe. Se existe, é preciso procurar onde causa efeitos. Para saber mais perguntem a um filosofo.

5 comentários:

José Lourenço disse...

Gostei do post.

Aconselho uma espreitadela ao link:

http://dererummundi.blogspot.com/2009/01/humor-cientfico-stupid-design.html

Saudações

João disse...

Lourenço:

Obrigado pelo comentário e pelo link

Estou com medo que tenha sido longo demais, mas parec que não consigo evitar...

saudações

Rui leprechaun disse...

A selecção natural poderá ser em si considerada um processo inteligente (mas não consciente...)

Eureka! admitir a inteligência... mais do que óbvia!... na evolução já é um progresso considerável, we're getting there! Sim, a parte da consciência é um osso mais duro de roer, sobretudo pela implícita noção de intencionalidade, que corresponde à tal parte do "design", se bem que não haja nenhuma dificuldade em atribuí-lo a uma "mítica" natureza.

O presente nível da inteligência humana estará numa escala evolutiva superior, claro, mas a proto-inteligência é obrigatoriamente uma característica intrínseca desde os primórdios do Universo... Big Bang ou não Big Bang, a inteligência É a razão!

Este tipo de realização, que se deve considerar básica para a compreensão do universo, deverá ter necessariamente tradução prática e matemática nos modelos físicos através dos quais representamos a realidade. É por isso que o actual edifício teórico da Física das partículas permanece incompleto, no mínimo, ou mesmo profundamente errado.

Aliás, a frase de Einstein aplica-se como uma luva ao actual estado de extrema confusão e, de certa forma, desencanto, em que a ciência de ponta - Física e Cosmologia em particular - se encontra actualmente, sem um saber unificado e integrado. Míticos bosões e n teorias das cordas que prometem ilusões não poderão salvar este novelo emaranhado, enquanto essa "mindlike quality" - nas palavras de Bohm - das mais ínfimas partículas elementares não for reconhecida como real e imanente à matéria-energia!

Afinal, a pergunta eternamente irrespondida é, simplesmente: Qual a natureza do Nada ou Vazio primordial de cuja "flutuação quântica" terá surgido este Universo ordenado e caótico, complexo e entrópico, maravilhoso e aterrador?

What is really Real... beyond what we know still?

Esta mui simples e primordial questão metafísica justifica não só a noção religiosa/espiritual de um Criador - imaterial no ou fora da Universo - mas também uma filosofia idealista que sustenta que nem tudo pode ser estudado através de efeitos mensurados na matéria.

Apenas porque há algo que a transcende e não é coagido por ela, claro. E é só a esse Vazio pleno que pode ser atribuída intenção e consciência, a matéria já fica bem servida com a perene inteligência.

Oh sim, por certo avançamos...

Rui leprechaun

(...quando o evidente não negamos! :))

Miguel disse...

leprechaun,

a nossa inteligência não pode sequer questionar o "porquê", pois à partida esse "porquê" implica um criador, um desígnio e um antropocentrismo fatal. O nível de consciência na nossa espécie ainda deriva muito do senso comum e como tal, apontar-nos-á sempre uma referência circular interminável que bloqueia o processo mental (por estarmos aind no tal nível "básico" evolutivo). Isso apenas abre a porta a religiões e outras justificações atrozes. Suspeito que, derradeiramente, apenas possamos questionar o "Como?" de todos os processos universais que existem e que abandonaremos a actual derradeira questão metafísica - "Porquê?".

A linguagem, que tanto nos distingue, condiciona o pensamento abstracto. É limitada e impregnada de senso comum e de realismos biológicos. Em termos de comunicação são ainda elementares e não se comparam com a matemática, ainda que assentem numa estrutura lógica.

espero não ter sido críptico.

abraço

Miguel disse...

leprechaun,

a nossa inteligência não pode sequer questionar o "porquê", pois à partida esse "porquê" implica um criador, um desígnio e um antropocentrismo fatal. O nível de consciência na nossa espécie ainda deriva muito do senso comum e como tal, apontar-nos-á sempre uma referência circular interminável que bloqueia o processo mental (por estarmos aind no tal nível "básico" evolutivo). Isso apenas abre a porta a religiões e outras justificações atrozes. Suspeito que, derradeiramente, apenas possamos questionar o "Como?" de todos os processos universais que existem e que abandonaremos a actual derradeira questão metafísica - "Porquê?".

A linguagem, que tanto nos distingue, condiciona o pensamento abstracto. É limitada e impregnada de senso comum e de realismos biológicos. Em termos de comunicação são ainda elementares e não se comparam com a matemática, ainda que assentem numa estrutura lógica.

espero não ter sido críptico.

abraço