quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Falsificacionismo

Definir ciência é tão difícil como definir o que é o tempo. Karl Popper argumentou que o verificacionismo, para validar uma teoria cientifica não era suficiente. Era preciso que a teoria fizesse previsões e que estas fossem falsificáveis.

Ou seja, por mais cisnes brancos que eu veja, não posso concluir que todos os cisnes são brancos. Aliás pensava-se que isto era verdade até se encontrarem cisnes pretos na Australia. Verificar caso a caso uma afirmação não é suficiente para a validar.

Como Einstein disse: "mil experiências podem não provar que eu estou certo, mas apenas uma pode provar que eu estou errado". Aliás, Popper foi muito influenciado por Einstein e pela sua Teoria da Relatividade.

O que Popper propôs, e com muito sucesso, foi que uma teoria seria cientifica se e só se fizesse previsões que a pudessem refutar. Embora na altura Popper tenha sido aclamado como uma estrela no meio cientifico, que ansiava por uma demarcação clara entre a sua ciência e a pseudociencia, o Popperismo acabou por receber criticas severas que o obrigaram a tomar uma forma mais fraca (1).

Fazer previsões refutáveis não é o suficiente para definir uma ciência, pelo menos não mais do que o verificacionismo. Além do mais, anomalias existem, e por vezes não são suficientes para derrubar uma teoria que esteja muito bem cimentada. Nesses casos pode-se procurar primeiro se haverá outra causa para a anomalia, como um erro técnico de observação. Segundo Lakatos o falsificacionimo enfraquece perante esta abordagem (1).

O que parece ser consensual na comunidade cientifica e entre muitos filósofos de ciência, é que embora o Falsificacionismo não seja uma condição necessária e suficiente para concluir que uma teoria é cientifica, ele é não obstante um critério a observar. Mas numa forma mais moderada. (2)

Isto é, sozinho não chega, mas se uma teoria faz observações que são testáveis, em confronto com uma que não faz e tentam explicar o mesmo fenómeno, a primeira está neste ponto em vantagem. Porque isso, é um indicio forte da sua especificidade e rigor. Não é tão fácil fazer previsões especificas e que possam ser verificadas com teorias demasiado vagas ou fracas no poder explicativo (ou pura e simplesmente falsas).

Por exemplo eu posso explicar tudo como sendo um milagre. Um milagre é a obra de um Deus omnipotente e tudo acontece porque ele quer e faz. A chuva é milagre, o Sol é milagre, o tempo é milagre a gravidade é milagre, etc. É uma teoria muito completa. E consistente também. Mas tente-se fazer previsões acerca do mundo baseada nela. Como actua a gravidade, como se formam as gotas de chuva, o que é o Sol, e qual a natureza do tempo? Que previsões é possível fazer sobre estas questões usando a teoria do milagre? Nenhuma. Só dizer, "Seja o que Deus quiser". Isso não é ciência. Mas, muito importante, não é só por isso…

Quanto à dificuldade de testar certas previsões como argumento contra a falsiabilidade. Bem, eu estou com Popper nesse aspecto. É uma questão de esperar. Tem sido argumentado que muitas teorias que pareciam intestaveis foram-se demonstrando falsificaveis com o tempo. Só por ser dificil não conta.

Digamos que o Verificacionismo e o Falsificacionismo estão provavelmente em pé de igualdade nos dias que correm, mas uma outra coisa é igualmente tão importante ou mais como estas duas na definição de ciência:

Isso será o Peer-review. O debate, a discussão. O que se traduzirá em dizer que é cientifico aquilo que os especialistas de cada area consideram que são as afirmações cientificas nessa área. Como dizia Richard Feynman "ciencia é acreditar na ignorância de especialistas". Isto, utilizar o termo ignorância, porque outra característica intrínseca à ciência, e que eu não me canso de repetir é a incerteza e a capacidade de evoluir. As pseudociências são em regra estáticas(3). Ou de evolução ultra-lenta e erratica. Igualemente e já muitas vezes aqui por mim referido (meu critério preferido) , é a capacidade da ciencia se comportar como um puzzle em construção em que vai havendo progresso com interacção das peças entre si como de uma teoria com o resto da ciencia (3.1).

Mas este post era sobre o falsificacionismo e já estou a divagar. Mas o falsificacionismo surgiu precisamente na tentativa de distinguir ciência da pseudociencia. De onde até é normal que a conversa siga para aí.

Popper, no fim da sua carreira, e de acordo com as criticas de Lakatos, ficou mais interessado em encontrar as condições auxiliares de cada teoria que participariam na elaboração de previsões e análise da refutabilidade:

"he recognizes that scientific theories are predictive, and consequently prohibitive, only when taken in conjunction with auxiliary hypotheses, and he also recognizes that readjustment or modification of the latter is an integral part of scientific practice. Hence his final concern is to outline conditions which indicate when such modification is genuinely scientific, and when it is merely ad hoc"(1)

Notas:

(1)http://plato.stanford.edu/entries/popper/
(2) Por exemplo ler aqui, um cientista que faz um bom apanhado do estado da filosofica da ciencia e que acaba por concluir que o falsificacionismo deve ser identificado como um critério de ciência apesar de não ser unico: http://www.its.caltech.edu/~dg/HowScien.pdf
(3) "According to Paul Thagard, a theory or discipline is pseudoscientific if it satisfies two criteria. One of these is that the theory fails to progress, and the other that "the community of practitioners makes little attempt to develop the theory towards solutions of the problems, shows no concern for attempts to evaluate the theory in relation to others, and is selective in considering confirmations and disconfirmations" (Thagard 1978, 228)" em: http://plato.stanford.edu/entries/pseudo-science/
(3.1) "The various scientific disciplines have strong interconnections that are based on methodology, theory, similarity of models etc. Creationism, for instance, is not scientific because its basic principles and beliefs are incompatible with those that connect and unify the sciences ", George Rish; "Progress in science is only possible if a research program satisfies the minimum requirement that each new theory that is developed in the program has a larger empirical content than its predecessor. If a research program does not satisfy this requirement, then it is pseudoscientific.", Lakatos, fonte: http://plato.stanford.edu/entries/pseudo-science/

13 comentários:

Barba Rija disse...

Muito bom o texto, e concordo plenamente. Existe um grande problema na ciência, sobretudo quando se tenta compreender fenómenos que se encontram a uma escala que não se podem reduzir a poucas variáveis facilmente determináveis.

O tempo ou o clima são exemplos excelentes. Exigir, por exemplo, que a teoria do aquecimento global deve ser refutada perante algumas evidências em contrário é exageradíssimo e contra-produtivo. O falsificacionismo apenas funciona perfeitamente aquando de teorias muito precisas e específicas, como por exemplo, a teoria da relatividade, ou a mecânica quântica. Pouco ajuda em temas históricos, paleontológicos, ou tudo aquilo que usa evidências estatísticas.

Sobre o verificacionismo, pouco tenho a dizer. Acho que é válido prima facie, óbvio, mas facilmente enganável. É uma condição importante, mas muito fraca. O falsificacionismo é, por outro lado, demasiado forte como filtro.

A parte forte da ideia de Popper é a visão da ciência como algo muito semelhante à selecção natural e ao mercado: as melhores ideias vencem, as piores morrem. Escolhem-se as melhores através de sobreviverem ou não à "porrada" que levam.

Falas então da discussão científica, "peer-review". Sim, claro. Mas o peer-review não é mais do que uma primeira revisão de colegas para ver se não há erros flagrantes. Pelo que tenho visto, escapam mesmo assim erros nos cálculos, para não falar de erros de interpretação de dados graves. Não é coisa má em si, porque uma ideia mesmo que não inteiramente correcta, ao ser publicada, pode ajudar colegas a apreender a intenção da ideia, que pode ser original, e desenvolver outros caminhos. Mais do que peer-review, aquilo que é ultra importante (e que não existe hoje) é uma atitude "open-source" e totalmente aberta sobre os procedimentos feitos em determinado estudo, abrindo as portas à crítica alheia científica. O contrário pode encaminhar uma pequena comunidade científica para um groupthink inesperado e PC.

Existem alguns textos interessantes sobre esta temática. Um céptico do AG expõe a razão pela qual os cépticos da AG não podem invocar Popper contra a teoria da AG, o que traz conclusões muito interessantes sobre Popper e a ciência em geral, em Just what are falling temperatures evidence of?.

João disse...

Peer-review: "Pelo que tenho visto, escapam mesmo assim erros nos cálculos, para não falar de erros de interpretação de dados graves."

É verdade também, (caso Bogdanoff!!! e não só), mas sem ele a coisa era uma desgraça.

Estou de acordo em relação à atitude open source. Mas discordo de ti ao achar que existe.

O que se segue ao peer-review, a discução, tentativa de reprodução, verificar os dados é igualmente importante.

O clima é a area que eu compreendo pior de toda a ciencia. Por isso defendo que se acredite nos especialistas como dizia Feynman.

Vou ler o teu Link amanha que hoje estou a ja a fechar a loja.

Obrigado pelo comentário.

Barba Rija disse...

Por isso defendo que se acredite nos especialistas como dizia Feynman.

Onde é que Feynman disse isto?!?! Acho que disse exactamente o contrário! Mas não dei o link para converter ninguém, é até um texto que explica aos senhores cépticos porque é que não devem invocar Popper contra o AGW e o texto é excelente e completo. Podes é não concordar com as suas conclusões, mas isso é o menos. O importante é o que diz sobre Popper.

Olha, mas se gostas de Feynman, vai ao site
http://research.microsoft.com/apps/tools/tuva/
onde tens 7 vídeos do Feynman com legendas em inglês. É um tratado!

João disse...

Onde é que Feynman disse isto?!?!

Palestra "what is cience"

dou-te o link assim que puder.

O que ele diz é:

"cience is believing in the ignorance of specialists"

faz cada vez mais sentido para mim

Barba Rija disse...

Estas a retirar a frase do contexto. Ve o paragrafo inteiro e ves o que quero eu dizer:

Science alone of all the subjects contains within itself the lesson of the danger of belief in the infallibility of the greatest teachers in the preceding generation ... Learn from science that you must doubt the experts. As a matter of fact, I can also define science another way: Science is the belief in the ignorance of experts.

João disse...

Ok, estava a citar de cor.

Sim, ele chama a atenção para a incerteza na ciencia. Mas o que ele quer dizer é que apesar da incerteza ainda é a melhor aposta. Ele não diz: "BS is the belief in the ignorance of specialists" ele diz "ciencice is the belief in the ignorance of experts".

Porque as duvidas dos especialistas sao melhores que as crenças dos leigos.

João disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João disse...

Ok, se calhar tens razão. O que ele quer dizer mesmo é que ciencia é acreditar que os experts são ignorantes. Mas a frase no contexto total da palestra, em que muita imporancia é dada à capacidade da ciencia de explicar as coisas, acho que pode ser transcrita como " ciencia á acumular explicações e depois po-las em causa."

O que eu não me lembrava e contraria a minha interpretação é que ele parece indicar que qualquer pessoa deve por a ciencia em causa, desde que com um minimo de espirito critico.

Hum. A minha opinião é que a probabilidade de tu, não te dedicando com todas as tuas energias, anos a fiu, não vais conseguir contribuir decentemente para a ciencia.

O que ele ate está de acordo. Noutro momento do texto. Tal como ele não quer dizer que realmente os experts são ignorantes.

Mas cedo que a interpretação que estava a usar é abusiva. TInha a frase na memoria e usei a interpretação que me pareceu mais correta, até por culpa da razão porque fui buscar a frase originalemente em que estaca so preocupado a ilustrar a incerteza na ciencia.

Bem, os erros são para aprender. Acho que não é o suficiente para alterar o post.

Possa! interpretar como ciencia é acreditar que as duvidas dos especialistas são melhores que as duvidas dos outros era tão lindo. Bolas!

João disse...

De qualquer modo Barba, tenho a sensação que ele esta o tempo todo a pensar:

"ciencia é aquilo que os cientistas fazem enquanto os filosofos tentam perceber como se faz".

Dai ter escrito aquele paragrafo que a ciencia é aquilo que os especilistas acreditam que é ciencia a cada momento. E que é refutavel.

Uma posição controversa mas que quero lembrar que se destina a ser vita de fora, por não cientistas. Eles devem debater-se uns com ous outros com unhas e dentes, para a gente ter a certeza que só as melhores ideias sobrevivem.

Barba Rija disse...

Claro, a ciencia e' sempre aquilo que os especialistas praticam. Sobre isso nada tenho a acrescentar. E sobre a opiniao de que provavelmente o especialista percebe o que eu nao posso sequer compreender, digo que tem bastante cre'dito, e o Feynman estava em posiçao para dizer essas coisas.

Daqui nao resulta que eu aredite piamente naquilo que um especialista diga. Isto e' que e' ingenuidade a mais. Existem especialidades e especialidades. Confiarei mais num cientista de fisica de particulas a falar sobre bosoes e supercordas do que um cientista social a falar sobre tradiçoes e culturas.

Existe um livro excelente que trata sobre este tipo de questoes que acho um tratado, que e' o resultado de uma pesquisa historica e social sobre o que se faz quando se faz "ciencia". Chama-se "Leviathan and the Air Pump", tem ja' alguns anos e foi super controverso aquando foi editado. Hoje e' a visao sobre a ciencia mais consensual. Aconselho a cem por cento, e desfaz um pouco o Popper e, paradoxalmente, a frase do Feynamn que falamos aqui.

Por outro lado, ja' leste o artigo que falei? Que achas dele, para mim foi uma bomba a desmistificaçao de Popper, quando o li.

João disse...

Barba:

Não creio que seja uma refutação do falsificacionismo, não do modo como é usado hoje em dia por cepticos e até filosofos da ciencia.

Não me parece verdade que todas as teorias que envolvem estatistica não possam ser falsificadas. Pelo menos eu conheço muitas que são, como as que regem os fenomenos fisiologicos e farmacologico. A matematica fornece ferramentas, equivalentes às que utilizarias para saber se um dado esta viciado.

Acho no entanto, interessante a implicação direta na teoria AGW - o autor tem razão- não é falsificavel no momento presente. E da maneira que ele propoe, por comparação do output da teoria com a relidade, pode não ser possivel em menos de 1 ou 2 seculos.

É preciso seguir Lakatos, e procurar que outros aspectos da teoria são falsificaveis, ou como ele diz, as condições acessórias. Mais atenção é preciso agora para que novos pressupostos estamos a aceitar que não pertençam à teoria, claro, é assim que termino o meu post. Mas ainda assim, não é o fim da importancia que tem para uma teoria o verificacionismo das previsões - que é o falsificacionismo.

Mas as teorias não são caixas pretas, em que so podemos ver o que entra e o que sai. Um modelo deve ser comparado com todo o conhecimento cientifico e ver relamente é corente ou consistente com ele. Qual a plausibilidade? Qual usa mais variaveis? A discussão sobre o clima entrou num nivel em que é dificil para quem está de fora aconpanhar o desenvolvimeto.

Ele diz que a teoria do BUA equivale à AGW em termos de verificacionismo. E que a bate no Falsificacionismo. Eu não vejo como isso é possivel, uma vez que o forte de uma será o ponto fraco da outra, dada a oscilação a que assistimos.

Muito interessante e valida é tambem a questão em relação ao principio precaucio´nário. Se o regeitas em Pascal porque não o regeitas na AGW.

A resposta é que au não estou de acordo que a probabilidade de Deus existir seja de 50%. É como apostar de que cor é o proximo cisne que aparecer à frente ou o proximo caniche. É branco para 80% dos casos, eu aposto branco. Tu tens sempre 50% de hipotese de acertar, mas vais-te aproximando de 100% quanto mais sabes sobre a resposta.

Valeu a leitura. Ainda vou pensar mais sobre o assunto.

Luana B.Goulart disse...

Gostei do texto :3.. obrigadoooo... me ajudou em uma apresentação da escolar!!

"A parte forte da ideia de Popper é a visão da ciência como algo muito semelhante à selecção natural e ao mercado: as melhores ideias vencem, as piores morrem. Escolhem-se as melhores através de sobreviverem ou não à "porrada" que levam."

Obg especial pra quem escreveu isso... o-o)/Eu estava estudando para dois trabalhos de Filosofia e consegui compreender mais.. e ligar meus temas de apresentação...e me fez refletir mais sobre ciência! OBRIGADAAAA quem escreveu comentários!!! :b me ajudou também a me guiar em pesquisas..u.u)

Luana B.Goulart disse...

Escola**