quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Os limites da ciência - uma opinião.

Outra questão com que me deparo frequentemente é a dos limites da ciência. Essa questão aparece em qualquer contexto mas quase sempre para dizer. A ciência acaba aqui, a partir daqui são coisas que só podemos saber através de... Outra coisa qualquer.

De notar que a questão aqui não é o relacionada com o que é ou não ciência ou o que é ou não cientifico - porque há quem queira por tudo no mesmo saco. É mesmo sobre o que pode ou não ter base cientifica, sobre se a ciencia se pode ou não pronunciar numa determinada area.

Podem ter-se respostas cientificas em tudo? Acho que não. Há coisas que não têm uma resposta unica, são perguntas abertas com resposta livre, outras têm demasiados imponderaveis, outras não são perguntas que tenham sentido. Mas onde está esse limite para o conhecimento científico?

A minha resposta é que não sei quais são. Mas sei que postular um limite é enganador.

Dizer que a ciência não pode explicar isto ou aquilo, mesmo em relação a coisas que de facto ainda não têm explicação, é potencialmente um erro. Há coisas que podemos mostrar estarem fora do limite da ciência, nomeadamente aquelas que representam opções humanas, determinados aspectos dos padrões culturais, (aquilo que são questões normativas).

Estão fora do âmbito da ciência porque como conhecimento são indiferenciadas. Se eu quiser gelado de morando em vez de chocolate para a sobremesa, isso não é uma questão cientifica na medida em que é igual se eu quiser um ou outro. É uma escolha minha, aparentemente livre.

Outra questão que eu vejo, é que entre as escolhas puras, arbitrárias e normativas, podem haver algumas que não são escolhas. Que são realmente condicionadas, tão fortemente, que não podemos dizer que as várias soluções são equivalentes. Porque é que eu escolho comer? Não me parece que seja uma escolha muito livre... E por aí fora. A razão porque eu escolho comer é do ambito da ciência.

Que numero vai sair no totoloto? Aciencia diz qualquer coisa a este respeito. Que vai sair um numero possivel de entre aqueles que estão dentro do intervalo determinado pelo que está escrito nas bolas. E que se todos as bolas forem iguais e forem lançadas ao mesmo tempo e ainda se não houver mais nenhum mencanismo para tornar uma bola especial, o numero que sair é totalmente aleatorio. E cada numero tem a mesma probabilidade de sair que qualquer outro. Isto pode não parecer, mas já é dizer muito. O que não pode dizer é exxactamente qual é esse numero. Há demasiadas ponderaveis envolvidas. É uma qestão imponderável de facto.

Entre estas duas questões que dei de exemplo, e a massa do electrão (que sabemos cientificamente), onde está exactamente a linha que diz onde acaba o poder de examinar as coisas cientificamente?

Admitidamente, não vislumbro uma linha definida a dizer onde começa e onde acaba aquilo que nós podemos saber e prever através da pesquisa sistemática do universo.

Mas partir daí para aceitar uma afirmação de "a ciência não pode explicar isto" ainda é um passo largo. Porque muitas vezes, essas afirmações se referem a questões empíricas factuais para as quais não há obviamente um limite lógico para o que podemos ou não saber.

E estou a pensar na consciência humana, na origem da vida, na origem do universo, na evolução das espécies e até em alguns aspectos da moral, ética e da estética (que não são quase de certeza escolhas) .

A ciência entrou em áreas que clássicamente eram do domínio da filosofia, como por exemplo a análise da linguagem, ou da consciência. Negar isso é tolice. E negar que se possa saber mais do que aquilo que já se sabe é tolice ainda maior. Porque, apesar de não sabemos até onde podemos ir, podemos ver coisas que estão aqui mesmo à mão e antes estavam para lá de uma "cortina de aço". Podemos ver como a neurologia se aproxima a passos largos exclarecer vários "mistérios" da mente. Podemos ver como a bioquímica se aproxima a passos largos de explicar a origem da vida.

Não que um dia fiquem todos os pormenores por esclarecer, mas que a explicação cubra satisfatóriamente as questões mais importantes. E refute convincentemente hipóteses concorrentes que vão surgindo.

Isto não é um argumento pela "autoridade futura", tipo um dia a ciencia vai explicar isto. Isto é um argumento pelo que ela explica hoje e que sugere que nós não possamos fazer previsões sobre os seus limites com alguma margem de segurança.

Essas previsões, quando feitas por não cientistas assemelham-se mais uma uma espécie de "cientofobia", em que o slogan "a ciência não explica tudo" parece proporcionar algum conforto. Indiferentes ao facto que se a ciência não explica tudo, não é prova que não possa vir a explicar determinada questão, não posso deixar de tentar perceber as motivações que podem levar as pessoas a querer fazer afirmações vagas e falaciosas deste género. Ou pura e simplesmente postular a seu "bel prazer" o que a ciência pode ou não pode saber. Apesar de históricamente essas previsões e postulados dos seus limites sejam tão bons como a previsões sobre a data do fim do mundo.

Creio que para alguns, há uma espécie de proteção do mistério, de que existem determinadas explicações que são indesejadas, como se pudessem tirar o maravilhoso e o espanto do universo e da vida. Eu não vejo as coisas assim. Eu quero ver o universo tal como ele é. Não quero proteger a todo o custo a ideia que tenho dele, por muito que ela me pareça linda e maravilhosa. Não vejo maneira de que haja explicações que reduzam a sua complexidade a algo menos que incrível ou a consciência humana ou emoções humanas a algo menos que... Nem tenho palavras. Mas aquilo que se passa entre as nossas orelhas é provavelmente do mais complexo que há por todo o universo. Mesmo que a conciencia seja uma elaborada ilusão, ela é sem duvida maravilhosa. E eu não acredito que o seja. Ilusão é aquilo que não é real mas parece ser. E a consciência é o que nos permite dizer "eu penso logo existo". Eu não ia por aí. O livre arbítrio já é outra história.

Concluindo:

Onde está o limite da ciência? Até onde podemos ir?

Não sei, faço apenas uma pequena ideia que tentei esboçar neste post. Mas uma coisa é certa. Se se pode alguma estudar algo, produzir conhecimento sobre algo, então a ciência parece encontrar maneira de lhe lançar a mão. E sem escrúpulos para com outras formas de conhecimento, apropriando-se do que se pode comprovar ser verdade, determinando quase solitáriamente qual o caminho a seguir para ter novas respostas. Digo quase, porque a filosofia pode e deve colocar questões. Mas a história recente também mostra que são os próprios cientistas a colocar as próprias questões que vão testar no papel ou no laboratório.

Não sei o que podemos vir a saber ou não. Mas sei que determinar o que podemos saber ou não antes de investigar está errado. Os limites da ciência não precisam de ser profetizados mais que fim do mundo. Quando lá chegarmos, chegamos. Construir argumentos baseados nisso é falacioso. Até podermos demonstrar correctamente onde eles estão.

10 comentários:

Missé sj disse...

Caro João, o meu nome é Miguel. Li o seguinte num comentário seu:
"Se Deus existisse eu teria muito cuidado antes de dizer qual é a vontade D'Ele. Não vá enganar-me. Os crentes no entanto, mesmo que estejam em desacordo, parecem nunca ter duvidas."
Fiquei muito intrigado porque, embora eu seja cristão, muitas vezes sinto exactamente o mesmo, ou seja, que muitos cristãos corremos o risco de defender as nossas ideias sobre a capa de 'vontade de Deus'. Sim, como cristão acredito nessa comunicação de Deus (em nós, para nós.) Contudo, gostava mesmo muito, se lhe parecer bem, conversar um bocado consigo para perceber melhor, e não só por um mero contacto que me levará certamente a ter impressões erradas do que tentou ali dizer. Deixo-lhe aqui o meu mail. Se quiser responder-me esteja à vontade.

misse_misse@msn.com

Cumprimentos.

Anónimo disse...

O cúmulo da megalomania:

http://img193.imageshack.us/img193/4862/megalomania1.jpg

João disse...

Miguel:

Se quiser discutir esse assunto, prefiro faze-lo aqui na caixa de cometários.

A minha opinião é que não é possivel conhecer a opinião de Deus com um grau de certeza semelhante ao que temos quando dizemos que os eritrocitos servem para transportar oxigénio.

Só isso. Quanto à projecção dos nossos desejos em Deus... Bem isso é demasiado obvio. De qualquer modo pode ler o meu post sobre isso:

http://cronicadaciencia.blogspot.com/2009/12/criar-deus-nossa-imagem.html

Missé sj disse...

Caro João, muito obrigado pela sua resposta. Li-o com atenção e, confesso que não domino muitas áreas que o vejo versar no seu blogue. Contudo, acontece que quando o João fala do oxigénio, fala já no plano duma existência dizível, ou seja, já herdou uma série de nomes que imputou às coisas. Analogamente a compreensão de Deus está imensamente imputada de nomes herdados que podem ajudar e/ou distorcer a sua (possível) imagem. No comentário anterior, quando disse que concordava consigo, não foi para ver se arranjava maneira de o refutar ou convencer... acontece que aquilo que o João critica foi, durante muitos séculos, alvo de reflexão e de crítica da parte de muitos cristãos que o pensaram com muita seriedade. Desde Sto. Agostinho até Dietrich Bonhoeffer.
Não estou aqui para lhe dar lições. Acontece que não creio que Deus seja aquilo que está a pensar, nem aquilo que muita gente afirma ser, mais ainda, nem aquele que eu muitas vezes creio ser. Pergunta-me o João: Mas como é que é possível acreditar em algo que não se sabe o que é? É muito sábia a afirmação de Hume de que a causalidade só existe na lógica contingente por nós criada. E, como o João pode constatar, um cientista hábil, independentemente da sua seriedade, pode dispor dos dados que quiser para provar o que quiser. Bem sei que esta afirmação é exagerada, dado crivo das comissões científicas, contudo há um espaço enorme para o erro que possibilita, quase com o mesmo grau de certeza, dizer ou não dizer DEUS como causa do universo. Acontece que acreditar em Deus não é, nem pode ser o mesmo que acreditar que os eritrocitos servem para transportar oxigénio. A maneira como os homens começaram a acreditar em deus(es), foi sobretudo a partir de perguntas, perguntas de sentido. O discurso científico é construído a partir de afirmações. Não que não tenha perguntas de base, mas as perguntas de base da ciência têm afirmações de fundo; são como dizeres de uma tradição adquirida; por exemplo: “o sol está no centro do universo”, “o espaço é curso”, “Ptolomeu tinha uma teoria genial, mas estava errada”, …
Por outro lado, parece-me a pergunta religiosa não tem afirmações subscritas a não ser a pergunta nua: 'porquê isto?' 'para quê aquilo?' 'porquê?'... Ora, o que vem a desplotar o conhecimento científico é bem diferente do que inicia o conhecimento de Deus, logo, não pode por ambos no mesmo plano. Nem sequer porque um é melhor que outro. São absolutamente assimétricos, muito embora se possam implicar, não se devem comparar ou mesmizar, passo a expressão.

Cumprimentos.

João disse...

Missé:

Discutir a existencia seja do que for só faz sentido se tivermos uma ideia do que estamos a falar.

Se não ha maneira de saber como ele é para que me diz que eu se calhar tenho uma ideia errada acerca dele?

Todas as caracteristicas são atribuidas por nós. Agora não me proponha que Deus seja apenas uma civilização ou uma coisa sem intencionalidade.

Mostre-me objectivamente que podemos saber algo objectivo sobre deus para alem de presentimentos e sonhos e então acho que podemos discutir como ele é.

Assim, penso que estamos a discutir caprichos pessoais e ilusoes cognitivas.

Quanto ao lugar onde Deus se manifesta, peço-lhe que me esplique como podemos saber que existe e onde é.

João disse...

Missé:

"'porquê isto?' 'para quê aquilo?' 'porquê?'... "

Porquê a clorofila? Para fazer fotosintese. Para que hemoglobina? Para transportar oxigénio. Porque o ceu é azul? Porque é a cor da luz que vem para nós depois da difração na atmosfera (excepto quando o angulo nos der o vermelho). Porque a Terra é redoda? Por causa do peso da própria massa e do seu movimento de rotação, etc...

As perguntas que têm resposta, foi a ciencia que as encontrou.

Quer fazer perguntas que têm resposta aberta ou que variam de acordo com quem faz a pergunta? Quer fazer perguntas que não fazem sentido?

Quem criou isto? Se calhar ninguem criou. Se não aceita essa resposta e acha que TEM de ter sido alguem, então está enganado.

Tem de me mostrar que essas perguntas tem de facto uma resposta universal e real, que fazem sentido ser colocadas.

DEpois convem mostrar que as respostas não vêm por apelos à ignorancia.

DEpois convem arranjar maneira de mostrar que a resposta é verdadeira, em vez de procurar lacunas para mostrar que não se pode provar que é falsa.

DE outro modo não há ponta por onde se pegue no problema e cada um diz o que quer.

Tipo: Eu é que faço o Sol nascer e o Sol se por. Prove la que não. Faço-o de olhos fechados, acordado e a dormir, com a força interior do meu cosmos pessoal que herdei da chama eterna de onde vim. Essa chama não se vê, é uma chama de calor que não se sente. É vida pura do cosmos de que eu sou filho espiritual pois de carne sou filho de homem. e bla, bla, bla.

Missé sj disse...

Caro João, muito obrigado pela resposta e pela atenção. Parece-me que, ao falar dessa forma, postulando uma ciência que é capaz de atingir A VERDADE, então também entra num campo muito duvidoso e não tão aceite quanto transparece no seu discurso, a saber: que o conhecimento é uma crença, verdadeira e justificada. Independentemente da minha opinião face ao que o João critica quanto à crença em Deus, parece-me que, a nível epistemológico, o João tem erros no discurso pois critica a crença com argumentos que minam o seu próprio discurso. Mesmo que não aceite Popper ou Gettier, ou que eu não o tenha entendido bem, creio que eles servem de apelo a uma maior humildade no discurso científico. Sim, porque não é a ciência que descobre as grandes verdades, são homens que trabalham na ciência que as descobrem, vindo por vezes, algumas delas, a evidenciarem-se erradas. Por isso, devolvo-lhe a pergunta: pode a ciência afirmar-se certa e exacta, pelo facto de achar que conhece mais e melhor? A base científica é fortíssima e devemos respeito e consideração a muitos homens que por ela nos possibilitam hoje muita coisa... mas será a sua base epistemológica absoluta? Mas, eu nunca lhe disse que o universo TEM de ter um criador, muito embora acredite que o tenha, mas por puro dom e não por princípio obrigatória de causalidade. Aconselho o João a ler o livro 'cristianismo e evolucionismo' de John Haught. Está à venda na Fnac e fala dalguns tópicos que o João parece não conhecer. Não digo isto com qualquer petulância, mas acho que o poderá ajudar.

Cumprimentos.

João disse...

Miguel:

"Parece-me que, ao falar dessa forma, postulando uma ciência que é capaz de atingir A VERDADE,"

Não postulei isto. Apenas não digo que não possa acontecer. Pessoalmente não creio muito nisso.

"quanto à crença em Deus, parece-me que, a nível epistemológico, o João tem erros no discurso"

Certamente que terei erros no discurso, pois salto por cima de questões como o solipsismo e considero inutil divagar acerca delas.

O que me deve mostrar é que esses erros lhe permitem introduzir um lugar para Jesus CRisto ser Deus, ainda antes de me acontecelhar um livro.

Se me vem dizer que "o que é a verdade?" e "nos não somos ninguem comparados com Deus para dizer que ele existe" eu respondo-lhe:

Se não podemos criar conhecimeto e justifica-lo, então não vale a pena ter esta discução. Porque é indiferente quem tem razão. Mas também não é isso que pretende pois não?

cumprimentos, e se me achar um pouco brusco nao ligue, é apenas o gosto pelo debate. Às vezes assusta uns quantps.

Missé sj disse...

João, não se preocupe que não me soa a ofensivo. Eu julgo que entendo o seu ponto de vista, muito embora não o aceito totalmente. Creio que seria mais oportuno numa outra ocasião continuarmos a discussão já que ando com imensos trabalhos e, desta forma, não lhe consigo responder senão com sono e, portanto, sem muita concentração. Havemos de conversar outras vezes. Estarei atento ao seu blogue, e espero que continue a publicar com tanta assiduidade. Saudações blogosféricas.

João disse...

Miguel:

Quando quiser.

Se tiver tempo exponha o seu argumento.

Não tenho tempo para ler o livro que me disse. Não que não me sinta tentado, para depois até fazer um post, mas existem tantos livro que queria ler, que tenho de escolher bem. Tempo e dinheiro não sao ilimitados.

Em qualquer altura que me queira responder, esteja à vontade.