sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Provar uma negativa.

Acontece com alguma frequência alguém vir dizer que não se pode provar que algo não existe. Que só se pode provar que existe.
Antes de mais nada covém fazer o reparo que "prova" num sentido muito estrito só existe em matemática. Se estamos a falar do tipo de prova que aceitamos quando fazemos uma comprovação empirica de uma preposição, então podemos provar que há coisas que não existem.
O que quero dizer é que em ciência se pode provar uma negativa. Como?
Mostrando que as coisas não estão onde deviam estar.
Por exemplo: Cavalos alados. Como provamos que não existem?
Temos de pensar. Se existirem cavalos alados, em que lugar do universo é que era suposto existirem? Acerca de que planetas sabemos que sequer têm seres vivos à sua superfície? E onde há pelo menos um da familia - o cavalo?
Na terra.
Cabe agora demonstrar que não existem cavalos alados na Terra. Como? Recolhendo relatos sistemáticos sobre o que se passa sobre a superfície do planeta (e da atmosfera não precisamos relatos do subterranêo - são alados) e verificando se qualquer relato positivo se é consistente e se se pode confirmar. Se passado um tempo razoavel em que isto é feito, ainda não tivermos relatos positivos de cavalos alados para além de um ou outro relato anedótico, podemos dizer que na Terra, não existem cavalos alados.
E que se não há na Terra, ainda mais improvavel é que haja algures no universo longe daqui. Tal como não espero que haja noutros planetas sequer cavalos como os nossos.
Claro que podem estar todos escondidos dentro de roupeiros, mas isso não é plausível. 
Seria mais plausível argumentar que podiam ser pequeninos (apesar de ter a forma de cavalos), noturnos e ainda estarem por encontrar numa floresta densa. Mas isso continua a ser improvável. Porque tinham de ser mesmo muito pequenos dado o trabalho que tem havido para palmilhar todas as florestas e deixar estratégicamente posicionadas câmaras de infravermelhos ligadas a detetores de movimento para fotografar tudo o que mexe à noite. E então, se achassemos que apesar de tudo ainda era possivel, tinhamos de perguntar: E como surgiram esses cavalos alados? Dos quais não existem sequer fosseis que se lhes assemelhem, ou parentes vivos mais próximos que um cavalo? Se foi por magia, isso também não é plausível. Porque por mais que se tenha procurado, nunca se encontrou nada que acontecesse por magia.
E depois, é tudo acerca da plausíbilidade. Certezas absolutas não há. Em nada. E por isso fez sentido começar este texto com a nota que há quem considere que prova apenas existe em matemática. Se bem que em português se use "prova" como tradução de "evidência".
O que importa é que podemos ter como facto que algo não existe - com o mesmo tipo de certeza com que podemos ter com o facto que algo existe. Em ciência e em filosofia.
Por vezes basta mostrar que há algo no lugar daquilo que dizemos que existe e que não corresponde à descrição. Por exemplo os miasmas da homeopatia. Aparte nunca terem sido demosntrados, existe uma explicação da patologia e das doenças  hoje tão completa e consistente que requer um desajeitado "apelo à ignorância" (1)para insistir que eles existem.
Tenho escrito sobre a particula de Higgs e da sua investigação.
Se ela não aparecer nas condições que se espera que apareça, mesmo após repetição exaustiva (isto é importante, a procura tem de ser sistemática) vão surgir duas consequencias. Uma é a análise da anomalia, ou seja, alguns cientistas vão tentar perceber porque é que se a particula existe não foi detectada. É sempre bom haver teimosos, é para isto que servem. Às vezes lá se mostra que não era uma anomalia e não foi detectado isto ou aquilo porque havia uma explicação obvia. Outra coisa é que outro grupo de cientistas vai abandonar a ideia e deixar cair uma parte variavel da teoria de onde emerge o campo de Higgs. E este é o caso que vai ser mais perseguido certamente. Vai mudar o sentido da investigação.
Ninguém está a pensar que não se pode provar que a particula não existe. Se não aparecer, essa vai ser uma das conclusões. Diria mesmo que daqui a uma geração, se continuar sem aparecer, a ideia vai cair no descrédito total e completo.
A minha abordagem foi brincalhona. Aqui deixo o link para o que o Desidério Murcho escreveu no "De Rerum Natura" quando alguém lhe disse numa discussão que não se podia provar uma negativa, (o que não o deixou nada brincalhão):
http://dererummundi.blogspot.com/2008/10/provar-uma-negativa.html
(1) apelo à ignorancia: Se não sabemos P não podemos concluir P. Isto é, a ignorancia acerca de um assunto não é justificação para uma afirmação qualquer que se faça sobre esse assunto. Tipo "se vi um ovni, é porque existem extraterrestres" ou "Se não sabemos como teve origem o universo então Deus deve existir".

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