terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Experiencia de quase-morte (NDE - Near Death Experience)

Através do blogue do Miguel Panão, que é uma colecção de textos que tentam misturar ciência e religião (como eu pensei que não se produzia em Portugal, onde a superstição e o misticismo normalmente são de cariz tradicional), cheguei a esta página sobre a experiência quase-morte:
http://www.towardthelight.org/neardeathstudies/pimvanlommelarticles.html
O autor, passando por cima de uma data de explicações plausíveis, incluindo boas referencias de factos que podem explicar o fenómeno, sumariamente diz que "não estão provados" e avança para uma explicação mirabolante que assenta numa teoria da consciência baseada na mecânica quântica que, se fosse verdadeira, poderia explicar parte do fenómeno quase morte. Diz ele. Da não localidade quantica para "todos os fenómenos estão ligados" é um salto que dá sem pestanejar. E outras coisas assim.
Que o cérebro está a funcionar mal, que experiências extracorporais possam ser induzidas com drogas, por exemplo, parece que não é importante. Parece que explicações plausiveis e baseadas em coisas que sabemos, não quer ele aceitar.
Porque diz que existem relatos de pessoas que estavam com "linhas do E.E.G. planas" (ou seja virtualmente sem actividade cerebral) quando tiveram a experiência de quase-morte. E sustem esta afirmação extraordinária em duas narrativas (haverá mais talvez, mas ali só refere duas), uma de um médico e outra de uma enfermeira que dizem que tiveram pacientes capazes de descrever factos ocorridos durante o coma profundo. Num dos casos havia um EEG (electroencefalograma) ligado a mostrar inactividade cerebral.
Mas aqui, tirar conclusões tão evolucionarias com uma amostra tão pequena, tão impossível de reproduzir e tão baseada em testemunho individual, tão díficil de confirmar que levanta as minhas dúvidas (eufemismo) é insensato. Não é o mesmo testemunhar que se viu o sol nascer e que não chovia nesse momento, por exemplo, do que contar sobre um doente que foi capaz de narrar um episódio que não podia ter presenciado, nem que ninguém lhe tinha contado enquanto o E.E.G. fazia uma linha recta perfeitinha.
Assumindo que o E.E.G. estava bem colocado, é certo. E que não há actividade cerebral que escape ao E.E.G, e que foi nessa precisa altura e não antes, sem margem de dúvida, que a experiência se deu...
Realmente, uma série de questões poderiam ser colocadas, mas sendo tão poucos os casos, acho que não têm mais valor que os relatos de raptos por extraterrestres. Mesmo que sejam médicos a contar.
Estes episódios de experiência extracorporal que acontecem em alguns casos de NDE parecem absolutamente incríveis mas o sentido da investigação neurológica aponta para outra direcção. De facto a sensação de estarmos dentro do nosso corpo é que é algo que o cérebro têm activamente e especificamente de conseguir. Se algo falhar, essa noção pode-se perder.
Aparentemente é conseguida quando o cerebro "cruza" a informação proveniente de vários orgãos sensoriais. É a integração do que vêmos, ouvimos, sentimos no interior do corpo e no exterior (tacto, etc) que dá essa sensação (2). Em alguns casos podemos induzir experiencias extracorporais através de truques aplicados nos orgãos dos sentidos (3). Sem ter de recorrer à ketamina. Ou aos alucinogénicos que as tribos usavam nas suas experiencias misticas para por o cerebro a funcionar mal.
Porque a funcionar bem é que ele não está. E existe de facto investigação que sugere que o sangue que flui para o cerebro durante a ressuscitação cardio-pulmonar seja suficiente para permitir um pequeno funcionamento (4). Mas mau. Com pouco oxigénio não se pode pedir muito, e todo o tipo de memórias desse momento serão desculpáveis.
Só falta alguém tentar impingir que os sonhos são a nossa consciência a viver noutra dimensão e que a nossa memória deles tem de ser suficiente para suportar ser real.
(1)Sabom MB. Light and Death: One Doctor’s Fascinating Account of Near-Death Experiences: “The Case of Pam Reynolds.” In chapter 3: Death: The Final Frontier. Michigan: Zondervan Publishing House, 1998:37-52.
(2)http://www.theness.com/neurologicablog/?p=749
(3)http://www.newscientist.com/article/dn12531-outofbody-experiences-are-all-in-the-mind.html
(4)http://www.theness.com/neurologicablog/?s=neaR+DEATH

PS: Substitui "pseudoreligião" por "tretas resultantes de misturar ciencia e religião", logo nas primeiras linhas, por protesto do Miguel Panão.

2 comentários:

alfredo dinis disse...

Caro João,

Subscrevo o que dizes sobre as experiências de 'quase morte'.

Saudações,

Alfredo Dinis

João disse...

Alfredo Dinis:

Obrigado pelo comentário e gosto de vê-lo por aqui ainda raramente estejamos de acordo.