A intensidade com que a comunicação social nos despeja com a interpretação mais sensacionalista possível, de estudos de qualidade heterogénea, descontextualizada e contraditória, é de tirar a qualquer um do sério. E fora do sério mas com toda a razão, o John Oliver toca na maioria das feridas. Não vou repetir as que ele foca. Vejam o video abaixo. Vou acrescentar apenas umas picuinhices que não parecendo, ainda são importantes.
A replicação, a plausibilidade do estudo, a qualidade do desenho, etc, são tudo coisas importantes. Mas para além disso existe outra coisa que só o tempo traz. A importância de um estudo cientifico está muito ligada ao tipo de evolução que ele permite trazer à ciência ou como dela faz parte. Estudos que integram um plano de investigação progressivo, ou seja, um plano de investigação que vai abrindo portas a novas previsões para testar, e que permite interpretar e passado de um modo mais consistente e completo, são o tipo de estudos que consideramos ciência. São como peças de um puzzle a encaixar e a dizer como deverá ser a seguinte.
Se são estudos, que apesar ou não de integrarem um tema, não levantam novas questões que possam ser testadas (e falsificadas), requerem explicações ad-hoc, são incompletos e inconsistentes nas explicações que trazem, e as anomalias só se acumulam, isso é pseudociência. Como um todo, esses estudos são planos de investigação degenerativos.
Esta critica à apreciação de um estudo e do seu valor, é um passo acima da que vem da máxima implícita no discurso do John Oliver de que "não é ciência até ter sido replicado". E isto é uma boa máxima, já que em média um estudo é refutado em cerca de 6 meses (a replicação normalmente não vem nos média e nem na comunidade cientifica tem muita divulgação e de facto não é sempre tentada, já que "vale pouco mérito"). Mas um estudo tem de facto de ser replicado para ser levado a sério e normalmente se é algo muito importante, alguém tenta replicar ou esmiuçar o estudo até ao mais pequeno pormenor. A comunidade cientifica compete por recursos e não perdoa o disparate por aí além. Mesmo assim, a não replicação de estudos ( ou a sua não divulgação) por falta de mérito e recursos é de facto um problema por resolver. É preciso mais.
Mas acima de tudo, para que as suas conclusões - de um determinado estudo - sejam aceites para além dos factos (que até podem ser replicados embora a conclusão esteja errada), tem de pertencer a um plano de investigação progressivo e não degenerativo.
Isto é o que dizem os filósofos da ciência, originalmente por Lakatos, que tem a proeza de resolver os problemas não resolvidos por Popper de uma maneira muito satisfatória e que permite sustentar que ciência é o conhecimento que é feito das melhores explicações possíveis. Quando deixa de ser a melhor explicação possível é porque é preciso encontrar outra. Isto é o que os cientistas têm andado a fazer. Ou a tentar fazer. Com um sucesso bastante porreiro.
Outra coisa que o John Oliver não toca, é a estupidez dos documentários apresentarem todas as ideias dispares acerca de um tema com a mesma "neutralidade".
Dão o mesmo tempo de antena aos vários intervenientes, o mesmo ênfase (e aqui já é quando temos sorte), e depois o pessoal que tire as suas conclusões. Está errado. Leigos, por definição, não estão preparados para comparar determinados argumentos intuitivamente. E está a ajudar a ter uma sociedade com dois pesos e duas medidas - um para a ciência (mais exigente) e outro para a treta (nada exigente). Existem coisas que são matéria de especialista, cuja argumentação completa ultrapassa qualquer documentário de poucas horas e não pode ser apresentada como se a opinião de cada um pudesse ser apresentada ao lado de um trabalho metódico e auto-correctivo. Ao menos que promovam debates sérios onde as tretas possam ser confrontadas ponto a ponto por quem tem a capacidade de o fazer.
E agora o John Oliver. É do melhor que anda por aí. E sim as TED talks são "hit or miss".
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