terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Então, até à verdade...

A SIC está a dar uma nova comédia chamada: “Até à verdade.”

Deve ter este nome, porque, até à hora da verdade vamos ouvir uma data de disparates. Penso que será no último episódio em que nos dirão a todos que era uma brincadeira.

De qualquer modo não vale a pena perder tempo. Tem pouca graça já que parece que estão a fazer as coisas a sério. Só vi a apresentação e chega.

Vejamos. Logo na apresentação começa com o mito de que só usamos 10% do nosso cérebro e por conseguinte temos 90% que pode ser usado para outra coisa qualquer que lhes passe pela cabeça. Neste caso, a outra coisa qualquer que lhes passa pela cabeça são os testados e descredibilizados poderes mediúnicos para descobrir crimes.  

Se não houvesse muita gente a acreditar nesta mentira, até tinha graça por isto num canal publico para uma audiência geral. Mas muita gente não tem bases para saber um pouco do que se passa no cérebro e se bem que seja verdade que não usamos mais que 30 a 40% para tarefas corriqueiras e pontualmente, ao longo do tempo usamos o cérebro todo. 

Não faz sentido de qualquer modo, mesmo que fosse verdade a coisa dos 10%,  propor que há uns que só usam 10% do cérebro mas que outros, eleitos e especiais, conseguem usar os outros 90% para fazer coisas que só eles dominam. E que desaparecem quando submetidas a análise rigorosa e metódica. Teríamos de admitir uma de duas coisas, ou os 90% extra estão lá apenas para chatear, ou ainda não saberíamos para que  serviria. Partir para o apelo à ignorância é, bem... Uma falácia.

Também os apelos à autoridade logo no principio do programa são falaciosos. Ninguém conseguiu demonstrar o que eles alegam, não existem dados que suportem aquelas alegações, e não foi por ausência de testes. Logo não há campo de especialidade para se afirmarem como autoridade. 

A tentativa de passar algo como verdade só por que alguém pode acreditar que é verdade não tem graça. Qualquer um pode inventar qualquer treta e há sempre alguém disposto a acreditar. Mesmo se forem muitos - relembrando a falácia do apelo à  popularidade.  Coisas que possam ser justificadas por evidencias recorrendo a um mínimo de pressupostos é que é difícil. Mas talvez para mostrar o atraso na epistemologia básica da nação temos esta comédia...

Se os mediums fossem obrigados a pagar as despesas das coisas que mandam fazer sem resultados... Se calhar já não andavam por aí mandar postas na televisão. Acho que era começar a pedir justiça por aí. Ou provam de modo cientifico que são úteis, ou então... Isto de abusar da credibilidade, da tendência para a confirmação e de relembrar os resultados positivos tem de ter um preço.

Fazer as coisas encaixar à posteriori no que disseram, com re-interpretações das supostas imagens que têm  (e das afirmações vagas que produzem) não chega para justificar dinheiro e tempo perdido gastos em pistas erradas. 


Aqui estão alguns artigos para saber mais sobre este assunto:

http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/8369369.stm (artigo de divulgação que refere custos)

http://www.cicap.org/new/articolo.php?id=101006 (explicação do aparente sucesso)

https://www.ncjrs.gov/App/Publications/abstract.aspx?ID=56166 (científico, muito bom)

http://www.csicop.org/si/show/psychic_defective_sylvia_brownes_history_of_failure/(avaliação sistemática retrospectiva da medium Sylvia Brown)

http://peicurmudgeon.wordpress.com/2011/06/09/the-cost-of-psychics/ ("post" de blog, muito bom no conteúdo)

http://www.dailymail.co.uk/news/article-1225417/Police-spend-thousands-investigating-suicide-murder-psychics-claim-spoken-dead-mans-ghost.html

http://www.nytimes.com/1999/12/20/nyregion/dorothy-allison-74-psychic-detective-consulted-by-police.html (medium famosa em que o chefe que a usava diz que ela resolveu muitos casos - mas nenhum do que tentou publicamente, vá-se lá perceber...)

http://www.merseysideskeptics.org.uk/2009/11/the-real-cost-of-psychic-tipsters/(nota acertadamente que atrasam a investigação para além dos custos económicos).

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