quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O Papa e a sida.

A Igreja Católica é uma instituição que discrimina as mulheres, não lhes dando as mesmas oportunidades de subir na hierarquia que aos homens, encobre crimes perpetrados contra crianças de uma maneira sistemática e organizada e... Boicota medidas preventivas para o tratamento da sida.

Sem qualquer preocupação com a verdade o Papa disse: "[que a sida é um problema que] não pode ser ultrapassado através da distribuição de preservativos, o que até agrava o problema.".

Em relação à primeira parte da afirmação, estou de acordo. Distribuir preservativos não chega. É um problema complexo em que a solução terá de passar por um antivirico eficaz e vacinação pelo menos com tão bons resultados como a da rubéola. A segunda parte da afirmação é falsa.

Segundo os estudos retrospectivos em casais em que um dos elementos era portador do vírus e o outro não, há menos 80% de infecção entre os que usam preservativo do que entre os que não usam. Claramente, o uso de preservativo é um factor que diminui a transmissão da doença. Mesmo se como disse antes, há outros factores que poderão vir a ser mais importantes.

Por outro lado, o preservativo não aumenta a libido. Não se argumenta que a abstinência seja pior que usar preservativo. Argumenta-se que o preservativo por si diminui em 80% (1) a probabilidade de transmissão. Quando todos os outros factores se mantém iguais, o preservativo é uma arma muito eficaz contra a sida.

E quando temos países com taxas de infecção acima dos 20% da população, temos de usar tudo o que está à nossa mão. Além disso, e sem que interfira com isto, penso que é uma ilusão contar com a abstinência para resolver o problema. A vida toda? A quantas pessoas? Nem a Igreja acredita nisso. A libido é algo extremamente poderoso. Evoluiu de modo a não ser ignorada mesmo que seja perigosa e um descalabro de gastos energéticos (cortejo, lutas, gravidez, aleitamento,etc).

Em relação ao sexo devemos exigir que não seja tido com quem não tem idade para consentir e que não seja tido com quem não consentiu. Isso é importante. E com isso é que a Igreja devia ter sido intransigente. Não é com algo que pode salvar 80% de vidas se for usado.

Sem dúvida que alguma contenção sexual deve ser propagandeada nestes países, mas toda a gente tem direito de formar pares mais ou menos estáveis.

Os mais libertários podem acusar-me de estar também  a defender medidas retrogradas, mas a verdade é que com um problema como a sida é em alguns países e uma vez que o preservativo não é 100%  eficaz, todas as armas são importantes. Uma redução da promiscuidade é uma medida exequível. A abstinência total não.

A medicina baseada na ciência recomenda o uso de preservativo. A Igreja não. É este o apregoado diálogo ente a ciência e a religião de que a Igreja Católica se vangloria?

Em Portugal existem 37.000 casos notificados, fora os que não foram notificados. Na Europa temos a maior taxa de infecção para novos casos. A primeira causa de infecção é a partilha de seringas embora a segunda causa siga muito perto (mais de 41% para ambas). A segunda causa se infecção é a relação HETEROsexual. (2)

Somos também um dos países mais católicos da Europa. Terá relação? Tenha ou não tenha, acho pertinente aconselhar a leitura do estudo referido em (1).

Ratzinger proclamou que a "presença mais efectiva na frente de batalha contra a sida foi de facto a Igreja Católica e as suas instituições."

Em que aspecto? Negando o uso do preservativo? Mascarando os inúmeros casos de pedofilia no seu seio? Apregoando a abstinência até a um casamento para a vida? (quando se tem 20% de taxa de infecção isso é obviamente uma treta, mesmo se fosse algo exequível em grandes números).

Pelo contrário, eu acho que isto torna o Papa um problema de saúde pública.

São estas as tais coisas que ultrapassam os direitos da crença. Afirmações e conselhos deste género têm de ser discutidos como a anormalidade que são independentemente de  quem os disse.

Devemos respeitar o crente. Mas não toda a crença. Nos aspectos em que a crença é inofensiva, ela deve ser respeitada. Mas julgada em relação a isso como qualquer outra coisa e não como algo intocável.

O Papa vai agora ao Reino Unido. Eles não são Católicos na sua maioria. Parece-me que se prepara uma grande manifestação contra estes disparates. É merecida.





 Via "Bad Science" de Ben Goldrache: http://www.badscience.net/2010/09/the-pope-and-aids/

(1) http://onlinelibrary.wiley.com/o/cochrane/clsysrev/articles/CD003255/frame.html
(2) http://www.aidsportugal.com/epidemiologia@70.aspx

1 comentário:

Skynet disse...

Quem diria que o Papa era um especialista em sexualidade humana, preservativos e em doenças infecciosas como a SIDA. É porque eu tenho uma vaga ideia de a Igreja ter dito que a ciência e a religião nunca entram em conflito porque são departamentos diferentes. Mas de vez em quando, quando lhes dá jeito, esquecem-se dessa apologética. Especialmente quando pretendem ir a África para estragar em segundos o trabalho de associações humanitárias que demoram anos a conquistar a confiança da população local. Quantas terá ele condenado à morte com estas afirmações?