quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Nem tudo o que acontece depois de espetar agulhas prova a existência de Qis, meridianos e essas coisas. Nem passa uma borracha sobre estudos de eficácia anteriores.

Ao fim de cerca de 3000 anos, a acupunctura continua a não ser capaz de fornecer evidencias convincentes da sua eficácia, para tudo, excepto eventualmente para ligeira dor cervical. A panaceia universal prometida regularmente é uma ilusão.

Sempre foi. Felizmente que já ninguém tenta sequer iniciar uma discussão séria acerca da eficácia da acupuncura que não esteja relacionada com dor ou nausea. Em termos cientificos, tudo o resto esta já fora de questão há algum tempo. Em questões que envolvem percepçao subjectiva a coisa tem sido mais dificil. Mas está numa rota semelhante desde que se descobriu uma maneira de imitar um tratamento de acupunctura.

Quando se inicia uma discussão séria sobre acupuntura a coisa descamba logo para a eficacia como analgésico para tentar provar e dar credibilidade ao resto da teoria. A dor é o ultimo reduto. Mas é fraco e não chega. Como se diz em Inglês: "Too little (dor cervical), too late (mais de 3000 anos)"

É caso para dizer que tanto se procurou que lá se encontrou qualquer coisa onde espetar agulhas tivesse algum efeito. Suponho que se se investir uma fortuna a testar como é que colar autocolantes vermelhos resolvem sintomas, algum resultado positivo há de aparecer algures. Mas seja.

Mesmo admitindo que é eficaz para dor cervical, moderada claro, isso não quer dizer que todo o resto da teoria da acupunctura funcione. E isto pode parecer óbvio mas é importante salientar, porque é de facto por aí que pegam sempre os proponentes destas coisas. Não é por após milénios encontrarmos uma pequena utilidade para uma coisa, que isso passa por cima de todos os estudos que mostram que não existe eficácia em mais nada. E que temos de passar a considerar que o mecanismo em que a acupunctura se diz assentar é real. Não existem Qis. Não estão onde deviam estar, não fazem falta para explicar nenhum aspecto da fisiologia ou da patologia e não existe de resto qualquer vestigio de evidência que permita distinguir a mera crença nos Qis da sua existência real.

Espetar agulhas faz coisas. Lesa tecidos, causa dor e naturalmente serão libertados modeladores da dor e inflamação. Mas a acupunctura não é apenas espetar agulhas. Ou seja, nem tudo o que envolve espetar agulhas faz sentido que seja chamado acupunctura. Senão dar uma injecção subcutânea, uma vacina que seja é acupunctura. Ou para outro exemplo se picar um nódulo para fazer uma citologia, estaria a fazer acupunctura. E certamente que a electroestimulação não é acupuncura.

Repetindo, porque não é demais, os Qis não existem. Os pontos de acupunctura não existem histológicamente e anatómicamente e sabemos que onde quer que espetemos as agulhas o resultado é o mesmo. Os efeitos que possamos verificar e medir após espetar agulhas, dentro deste contexto é a consequência inespecifica de espetar qualquer coisa. E nem parece ser preciso espetar para dar origem a esse efeito. Picar com palitos chega. Não tem nada a ver com o resto da lenga lenga teórica milenar que tentam impingir depois.

E mesmo essa historia de ser milenar me faz confusão... Já que só foi possível fazer agulhas de metal fino lá para o século 2 ac, e antes de haver assépcia (e vacina do tétano) espetar agulhas metálicas ou pior (ossos e pedras) devia ser uma brincadeira perigosíssima. Não que hoje não haja riscos, de facto no ultimo estudo de revisão do Prof Edzar Ernst foram identificados mais de noventa casos de complicações graves e uns poucos de mortos. Na minha opinião a acupunctura inicial poderá ter começado por ser apenas a punção para drenagem de abcessos, que me parece ser uma coisa bastante intuitiva. A generalização apressada e o efeito placebo fizeram o mito. Isto é a minha opinião, já que não posso andar para trás no tempo e verificar empiricamente. Mas encaixa perfeitamente naquilo que hoje o empirismo metódico nos trouxe.


Este novo “post” sobre acupunctura vem a propósito de um estudo que já tem um ano mas que continua a ser discutido por aí (teve e ainda tem um enorme impacto) de uns investigadores que descobriram uma nova forma de aliviar a dor. Descobriram que picar as pernas de ratos com agulhas no ponto gásrico-36, Sunali, fazia libertar adenosina que depois se mostrou, recorrendo a um agonista, ou seja, um amplificador da sua acçao, que funciona também como agente analgésico. Boa. O estudo é bom e a descoberta pode abrir um campo de investigação proveitoso para o uso do agonista da adenosina nos receptores em causa (tenho menos fé em relação a usar a adenosina propriamente dita já que ela é usada para muitas, muitas outras coisas). A parte errada e falsa é concluir que isto prova a acupunctura em algum aspecto. Isto não prova Qis, meridianos, desiquilibrios energéticos e essas coisas todas. Nem prova que se espetarmos uma agulha numa enorme perna humana no ponto gastrico-36 que vamos produzir adenosina suficiente para servir de analgesia para seja o que for. As tentativas que houve, que não ficam menos válidas por não termos em mente a existência deste novo mecanismo, mostram que isso só funcionaria no pescoço (caso seja o que lá se está a passar). Não o suficiente sequer para chamar a tal procedimento uma terapia complementar.

A explicação mais plausível que eu tenho para isto, e é baseada no que diz o Steven Novella, é que qualquer agressão mecânica deva levar a produzir adenosina. Mas tal como as endorfinas que são libertadas em situaçôes de dor, causar mais dor para libertar mais endorfinas e assim minimizar teoricamente baixar a dor é uma asneira. Senão as mulheres em trabalho de parto que têm doses de endorfinas enormes em circulaçao não precisavam de outro analgésico qualquer. E no entanto o parto é considerado das coisas mais dolorosas que há (e provavelmente sem paralelo no parto de qualquer outra espécie). E isto faz-me é lembrar um investigador espanhol que concluiu que o touro de lide devia sentir menos dor porque as análises mostraram que eles ficam também carregados de endorfinas durante a lide. Pois ficam, é porque doi.

Tal como a endorfina, a adenosina está lá após espetar a agulha, provavelmente porque faz parte do processo bioquímico de modelação da dor. Podemos tirar partido disso, mas sabemos já à partida que a acupunctura não é essa via (excepto para o pescoço, como já referido).

Se tivermos de espetar agulhas para depois conseguir um efeito analgésico enorme mediado pela adenosina ( e penso que recorrendo a agonistas) e se tiver menos efeitos secundários que os que já conhecemos, então que seja. Mas isso tem tanto a ver com acupuncura como tem a ver com Qis e merdianos.

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