Um tema recorrente neste blogue tem sido a aceitação pelo público em geral dos resultados científicos. Tenho exposto várias vezes a minha posição acerca da importância dos consensos científicos na divulgação e na pedagogia e defendido a sua importância real - representam provavelmente a melhor teoria para a informação que há disponível.
Os consensos científicos têm importância dentro da progressão do conhecimento científico pois permitem a formação de paradigmas de pesquisa, mas o facto de um cientista argumentar fora do consenso não é um argumento contra ele próprio. Na realidade é isso que permite avançar a ciência, é a abertura à refutação de toda e qualquer teoria. Mas essa refutação tem de ser bem feita. Não é apenas negar e "dizer mal".
Quando uma pessoa vulgar (no sentido de ser leigo em determinada matéria), permite que a sua opinião ou intuição se sobreponha àquilo que os especialistas de uma área dizem, algo está errado. E normalmente não o fazem por saber argumentar a nível científico a sua posição. Preferem para isso escolher um cientista que defenda aquilo em que acreditam (e há muitas vezes um cientista algures a defender aquilo que acreditam, é só fazer um "cherry-picking") e acusar os outros cientistas (neste caso a maioria) de coisas que a ciência se mostrou a melhor forma de combater. Como fraude, dogmatismo, perspectiva cultural, interesses económicos e pessoais, etc. Não que não existam; fazem parte da natureza humana e a ciência é feita por homens e mulheres. Apenas que a metodologia sistemática da ciência tem uma série de mecanismos que minimizam precisamente estes problemas, tendo dado resultados muito além de qualquer outra abordagem conhecida.
Outra acusação é o apelo à ignorância de que "a ciência não explica tudo", algo que até já vi professores universitários escreverem para arranjar um buraco onde enfiar as suas crenças.
É importante reparar na uniformidade que apesar de tudo existe na ciência. Enquanto que a opinião pública é extremamente heterogénea nas suas crenças, em ciência, por comparação, emergem verdadeiros consensos entre os especialistas. Num meio onde a evidência experimental e a matemática são a autoridade, isto acontece. Alguma coisa deve querer dizer, não?
No entanto o público continua a deixar as suas ideias anteriores ou perspectivas culturais afectarem de modo definitivo a opinião que fazem do que significa um consenso científico, achando que o que pensam pode ultrapassar o que o conhecimento acumulado de especialistas diz.
Um estudo recente estuda a hipótese da relação dessa parcialidade estar ligada ao risco que as ideias cientificas representam para as ideias da sua visão cultural. (luta de memes?) Os resultados são em linha com o esperado e deram origem a este post. É em função da dissonância com os seus valores e conceitos anteriores que uma teoria cientifica é julgada por um leigo. Isto está francamente errado.
Argumentar contra uma teoria científica não pode ser feito porque não gostamos dela. Isso dá de facto origens a "teorias da conspiração", falácias variadas e acusações de fraude implausíveis e não a argumentos científicos que requerem muitas vezes ser-se um verdadeiro especialista da matéria. Se não sabemos argumentar consistentemente se calhar é porque não sabemos o suficiente para ter uma opinião tão forte... Digo eu.
Não penso que as pessoas devam ser levadas a aceitar acriticamente seja o que for, mesmo se tiver o rótulo de ciência. Mas penso que se deve afirmar que a verdadeira abertura de espírito é aceitar a realidade como ela é. Aceitar as evidências pela sua importância real e não pelo que elas representam para determinadas culturas. E discutir abertamente os problemas tentando não deixar as nossas convicções pessoais toldarem- nos o raciocínio.
Pode ser tentador acreditar num mundo em que temos poderes curativos tipo Reiki, ou que podemos por vértebras no sitio carregando com os dedos ou espetando agulhas. Ou até, que se pode largar CO2 à vontade - que isso do aquecimento antropogénico é mania dos ambientalistas. Mas estas coisas têm evidência científica forte de que estão erradas. E a discussão não pode ser reduzida a chavões típicos de quem não tem melhores argumentos, como "a ciência não explica tudo logo tal e tal deve ser verdade" ou "isso é verdade porque a minha intuição mo diz" ou até "isso não pode ser verdade, já viste o problema que era?". Tudo raciocínios falaciosos. A discussão deve ser guiada para saber qual é a melhor explicação possível. E essa é em regra a da ciência. Diria mesmo que quando a explicação científica não é a melhor é porque não há maneira de saber mais, e apesar de poder estar errada não há razão para escolher à sorte outra. Porque na maioria das vezes isso é a aposta errada.
Ter verdadeiramente a mente aberta é ser capaz de aceitar as evidências. Não é aceitar toda a casta de tretas excepto aquelas que não dizem o que nós queremos.
Via Neurologica, do Steven Novella,
o artigo referido é este:
http://www.informaworld.com/smpp/content~db=all?content=10.1080/13669877.2010.511246
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