quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

O problema da origem.

Porque existe "algo em vez de nada" é talvez a pergunta final para a pesquisa científica. No post anterior expliquei, ou pelo menos tentei, (sem recorrer a dizer que é um "apelo à ignorância"), porque é que umas respostas são mais plausíveis do que outras e dizer que é porque Deus quer, não explica nada. A não ser que possamos constatar isso como um facto.

Mas a questão que me foi posta, pelo professor Alfredo Dinis (1) desta vez, mas que me tem sido repetida várias vezes é a seguinte:

"Estes [ateus] rejeitam um Deus que tenha origem em si mesmo, mas aceitam um universo que se originou a si mesmo." Sim. Porquê?

Porque, se precisamos de um Deus para criar o universo, é porque considerámos que o universo TEM de ter um criador. E esta assunpção ou está errada ou não leva a lado nenhum.

Se considerarmos que nada existe sem criador, estamos a cair numa regressão infinita em que cada Deus tem de ter o seu próprio criador. Se Deus não precisa de criador então estamos a aceitar que nem tudo precisa de criador.

A partir do momento em que temos de aceitar que existe alguma coisa no universo que não precisa de criador, temos de pensar muito bem se a melhor explicação para isso é postular mais uma entidade ou continuar a procurar explicação no seio daquelas coisas que já sabemos existirem.

Nomeadamente, sabemos que o universo existe como matéria de facto. Mas não sabemos que Deus existe como matéria de facto. Por isso, não faz sentido criar uma entidade com as características que nos convém - não precisar de criador - para ter a solução para um problema.

A solução que requer mais entidades desnecessárias é a menos elegante. Porque, repito, se temos de aceitar que existe algo que surge sem criador, isso pode muito bem ser o Universo.

Ainda que seja a menos comfortável e aparentemente menos satisfatória. Mas é muito mais simples e trás menos problemas. E pelo contrário, fornece uma questão para a qual podemos encontrar resposta. É até uma abordagem mais fecunda que considerar que "foi Deus" - embora não seja esta a razão.

De facto a física e a cosmologia trabalham com soluções que apontam para que o Tempo tenha começado com o próprio universo. Logo antes do universo aparecer, pura e simplesmente não havia "antes".

É como questionar o que havia a norte do pólo norte. É uma pergunta sem sentido. Talvez como seja uma pergunta sem sentido perguntar se Deus podia existir antes do próprio Tempo... Não por incapacidade de Deus, mas porque não havia "antes." Não havia passado, presente ou futuro, não havia tempo.

Há perguntas que se podem pôr e que parecem que têm sentido, mas que na realidade não têm sentido nenhum. Porque invariavelmente se considerarmos a questão pertinente, precisamos encontrar algo que não precise de origem. Que exista porque tem de existir.

E porque é que Deus tem de existir? Bem, parece que é porque alguém tem de criar o universo. Voltamos ao mesmo. Já para não falar que se torna curioso o facto de termos sido nós a dizer que existe algo que não precisa de ser criado, que entidade é essa e como ela é em alguns aspetos como bondade e justiça (!?). Avançamos na compreenção da origem do universo? Não, mas temos umas novas questões para resolver muito curiosas:

"Pode Deus criar uma pedra tão pesada que Ele próprio não consiga levantar?"

Todos os sistemas têm a sua afirmação godeliana - ou seja, uma afirmação sem resposta possível dentro do próprio sistema - talvez tenhamos de aceitar isso. Ou talvez dêvamos pura e simplesmente acreditar que há uma resposta e continuar à procura. Ou melhor, que se não procurarmos, não vamos encontrar nenhuma resposta.

Porque postular uma entidade criadora especificamente para o efeito é obviamente um paliativo. Não resolve nada, não explica nada. É como dizer para outra coisa qualquer: "é milagre". Não acrescenta uma gota de compreensão.

E agora sim, faz sentido acrescentar:

Já para não falar de que defende-la, na ausência de uma estrutura racional de forte base factual e lógica é uma falácia de "apelo à ignorância" - isto é: não podemos justificar algo com aquilo que não sabemos. Apenas com o que sabemos.

Não sabemos responder à questão se o universo tem de ter um criador ou não. Não sabemos se é preciso postular uma entidade que não precisa de ter criador para solucionar isso. Pode até ser que essa questão esteja a ser mal abordada. Mas não é "não aceitar que Deus possa existir sem criador e que o universo pode."

É dizer que se algo não precisa de criador então é mais simples pensar que pode ser o próprio universo. Esse existe de certeza.

(1) em companhia dos filósofos:

https://www.blogger.com/comment.g?blogID=36488527&postID=4830720744416011234

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