segunda-feira, 8 de março de 2010

Porque é que os liberais e ateus são tendencialmente mais inteligêntes?


A Hipotese QI-Savana, uma possivel teoria sobre a inteligência geral
"Porque os liberais e ateus são mais inteligentes" é o nome de um extenso artigo de Satoshi Kanazawa da London School of Economics and Political Science e publicado na revista da Associação Americana de Sociologia, a Social Psychology Quaterly.
O artigo é sobre o teste experimental de uma hipótese abrangente sobre a origem da inteligência, gostos e valores. Diz a hipótese que a inteligência geral é o produto evolutivo da exposição a novas situações. Novas, mas não do ponto de vista da experiencia particular pessoal mas sim relativa à experiencia evolutiva total como espécie.
Ou seja, será a capacidade adaptativa a condições tão novas que não poderá ser procurada a solução entre as coisas que como espécie já não são novidade.
Esta hipótese, denominada "Hipótese da Interacção QI-Savana" é uma implicação do Principio da Savana.
Que diz o seguinte: "O cérebro humano tem dificuldade em compreender e lidar com situações e entidades que não existiram no seu ambiente ancestral."
Então ele propõe o seguinte: "Se a inteligência geral evoluiu para lidar com problemas evolucionariamente novos, então a dificuldade do cérebro humano de lidar com entidades e situações que não existiram no seu ambiente ancestral [a savana] deve interactuar com a inteligência geral de modo que o principio da savana aparece mais forte entre indivíduos menos inteligentes que entre indivíduos mais inteligentes."
Ou seja: "Indivíduos mais inteligentes devem ser capazes de compreender e lidar com entidades e situações de novidade evolutiva (mas não evolutivamente familiar) do que os menos inteligentes."
O que já explica:
Como todas as boas hipóteses cientificas deve explicar o que já se sabe e o autor nomeia entre os factos conhecidos que suportam a sua hipótese quatro constatações estatísticas conhecidas:
1 - A tendência para responder a personagens de televisão fictícias como se fossem realmente amigos conhecidos está correlacionada mais fortemente com inteligências mais baixas. Que ver na televisão um mundo parecido com o real mas que não é real é novidade para a espécie humana não precisa justificações.
2- Pessoas menos inteligentes têm mais crianças que pessoas mais inteligentes, mesmo quando não o querem, explicado pela hipótese com a novidade que é a capacidade de planeamento familiar do ponto de vista evolutivo.
3 - Indivíduos mais inteligentes mantém-se mais saudáveis e vivem mais tempo. Provavelmente porque são capazes de reconhecer os novos perigos da sociedade moderna para a saúde e de lidar com eles. Consistente com esta hipótese é o facto de esta correlação não ser verdadeira em África onde a maioria das ameaças são evolutivamente familiares.
4 - Criminosos têm um QI abaixo da média, pois a intervenção de terceiros para impor justiça é algo relativamente novo para a humanidade. Antes a justiça era feita pelo próprio ou pelos aliados e familiares. Na melhor das hipóteses a interferência de terceiros seria uma punição informal como ostracismo, nada como os mecanismos complexos e mais eficazes dos dias de hoje como policia, detectives, tribunais, etc. Diz o autor que "muito do que chamamos crime interpessoal nos dias de hoje, como violação, assassinato, assalto e roubo foram provavelmente rotina no ambiente ancestral". (Pelo que sei nem é preciso ir até aos dias da Savana...)
As condições testáveis que suportam a hipótese. Capacidade de fazer previsões:
O autor estabeleceu então uma base e uma hipótese a partir da qual deve fazer previsões. Conclui neste aspecto que deve procurar mais variáveis que sejam novas do ponto de vista evolutivo e não pessoal para criar condições em que a teoria é posta à prova. Depois de uma investigação antropológica encontrou 3 parâmetros que serviam para o caso: O grau de liberalismo, ateísmo e monogamia. Porque são experiencias novas do ponto de vista da espécie humana, e é de prever que estejam fortemente correlacionadas com a inteligência. Se a hipótese QI-savana for verdadeira.
1 - Houve algum problema com a questão do liberalismo, pois este parece querer dizer várias coisas para várias pessoas e em vários contextos, mas o autor notou que as pessoas que se identificavam como mais liberais eram também aquelas que mais se preocupavam com o bem estar daqueles que estavam muito afastados da sua esfera de actividade, para lá dos laços de família amigos, aliados e conhecidos. O altruísmo geneticamente herdado é aquele que é relativo aos seres humanos mais próximos. A vida interactiva de grandes cidades numa comunidade global é algo de muito novo.
2 - O ateísmo. É aceite que a atribuição de intencionalidade a fenómenos naturais terá levado a uma crença no sobrenatural. Muito resumidamente, o autor explica que mais vale acreditar que o barulho do vento nos vem comer que ignorar o dito barulho e acabar na boca de um predador porque afinal não era o vento. Ou seja, identificar positivamente intenção salvou mais vidas que considerar como devido ao acaso determinado fenómeno. O medo do escuro aposto que salvou milhares de vidas, digo eu.
3 - Monogamia. A monogamia como existe hoje também é algo de novo na espécie humana, apesar de haver espécies onde a monogamia existe evolutivamente falando há muito tempo. E é a ultima das caracteristicas testadas com sucesso para suportar a hipotese da interação QI-Savana. E curiosamente a única cujo resultado apareceu em varias revistas de divulgação geral. Os homens mais inteligentes, mas não as mulheres, tendem a ser mais monogamicos.
Conclusão:
Todas estas três características mostraram uma correlação forte com a inteligência, como era previsto na hipótese. A análise estatística foi feita em dois estudos de grandes amostras e durante vários anos. Apesar de ser também extremamente interessante, inclusive a discussão sobre o método de medir a inteligência, penso que a grande importância deste artigo não é a metodologia particular.
Ou sequer a constatação do facto de que os ateus e/ou liberais e/ou monogâmicos tendem a ser mais inteligentes.
O interesse do artigo é mesmo, como diz o titulo, propor uma explicação para o facto de os ateus, liberais e monogâmicos serem relativamente mais inteligentes que os crentes, conservadores e religiosos. E uma explicação que é abrangente e que abre terreno a mais investigação.
A minha modesta opinião é que se trata de um trabalho de extrema importância na sociologia e psicologia humana. E um profundamente cientifico. Prevejo um grande debate acerca destas questões - e um que interessaria a toda a sociedade - se formos seres humanos capazes de discutir isto abertos à novidade e longe de preconceitos. Com inteligência.

3 comentários:

Nath disse...

Oi João! Encontrei seu blog pelo de Fernanda Poletto e assim como o dela, me encantei com seus posts. Com tanta idiotice postada em blogs ditos de 'sucesso', quando vejo algo de análise e de questionamentos, eu realmente paro e leio, com toda a certeza que não é perda de (meu precioso) tempo. Já adicionei-o aos meus favoritos! um abraço!

João disse...

Obrigado Nath.

E sim, eu também sou admirador da Fernanda. Ela merece.

André Luiz disse...

Muito interessante esse artigo! Parabéns pelo teu blog, gostei muito dos posts que li! Quanto aos resultados do artigo, convergem com resultados obtidos em outro estudo que avaliou a desativação de determinadas regiões cerebrais relacionadas ao "ceticismo" em participantes seculares e cristãos diante de pessoas carismáticas, vale a pena dar uma conferida http://scan.oxfordjournals.org/content/early/2010/03/12/scan.nsq023

um abraço,
André