O panorama da investigação cientifica atual é caracterizado pela
pressão para publicar. O famoso "publish or perish".
Eu penso que os aspectos negativos dessa
filosofia se começam a notar. E não me refiro às fraudes (para publicar e sobreviver).
Por exemplo, um dos mais relevantes físicos
da atualidade, o Prof, Peter Higgs, notou que, se fosse hoje não teria
conseguido chegar à descoberta teórica do bosão com o seu nome. Segundo
o que ele diz, podemos inferir que foi um trabalho lento e persistente, sem
importantes descobertas intermédias (que lhe permitissem manter uma posição de
investigador). Algumas coisas demoram o seu tempo.
De facto, neste contexto, será de esperar
que descobertas extraordinárias, sobretudo as que sejam disruptivas com o
conhecimento anterior, sejam implacavelmente prevenidas. Porque é provável que
exijam muito tempo de investigação sem dar resultados notáveis. Vou tentar
explicar melhor.
De acordo com o filósofo da ciência Thomas
Khun, a evolução científica processa-se de duas maneiras. De forma normal ou de
forma revolucionária.
A ciência normal é aquela que é construída
incrementalmente sobre o conhecimento anterior. Passo a passo, sem mudar as
regras.
A revolucionária é a que dá origem a novos
paradigmas. Os paradigmas são, na pratica, novas plataformas conceptuais para
se produzir ciência normal. São caracterizados por descobertas que lançam uma
nova luz sobre a realidade e que podem não fazer grande sentido dentro do enquadramento
teórico anterior. Ou seja, podem ser de valor questionável até se perceber se
chegam a algum lado. Ou podem mesmo ser inconsistentes dentro dos paradigmas
vigentes e por isso dificilmente compreensíveis para o resto da
comunidade (se forem totalmente incompreensíveis, como Khun propunha, não creio
que pudessem chegar a ser formados, e aqui discordo ligeiramente de Khun - de
facto algumas descobertas revolucionárias foram em pouco tempo adotadas e
elogiadas, desde a teoria da evolução à da relatividade).
Então, é de prever que se houver pressão
para publicar, os esforços dos cientistas sejam sobretudo de ciência normal, ou
seja, incremental, sem arriscar caminhos potencialmente revolucionários mas que
podem não levar a lado nenhum. É mais seguro explorar caminhos que dêem
resultados imediatos e convincentes. De facto, afirmações extraordinárias
requerem justificações extraordinárias, e isso é o trabalho de quem quer
revolucionar a ciência.
Assim, dado a pressão para publicar, este domínio
previsto da ciência normal é o que se verifica na prática. Apesar de haver uma
quantidade de publicações crescentes e de o conhecimento
duplicar a cada 9 anos, os
artigos que formam a base do nosso conhecimento cientifico e são mais citados, estão cada vez mais velhos. Os artigos recentes são sobretudo citados durante
um curto periodo de tempo após a sua publicação e vão perdendo pertinência rapidamente.
Os nossos paradigmas em uso estão a envelhecer. Não há revoluções.
Isso quer dizer que não há novos
paradigmas para descobrir? Talvez, mas parece-me pouco provável. Parece-me que
a explicação mais plausível, dado que há muita coisa que sabemos que não
conseguimos explicar, é a de que não se descobrem novos paradigmas porque não
os estamos a procurar como devíamos.
Isto quer dizer que a ciência nega as
ideias loucas da pseudociência porque não está a funcionar de um modo que
permita revoluções? Também não me parece, já que infelizmente a popularidade de
muitas alegações pseudocientíficas levou a que se gastassem preciosos recursos
a ver se havia ali alguma coisa de interessante. E uma coisa que não se pode
dizer das revoluções científicas é que elas não provêm de investigação
rigorosa. O método é fundamentalmente o mesmo. A intensidade do trabalho e a
demora a chegar a resultados é que varia. Não é o mesmo que dizer algo do
género: "não sabemos logo é verdade que... (colocar aqui pseudociência preferida)"
como se propõe por aí.
Isto quer dizer que devia haver menor
pressão para publicar? Provavelmente. Pelo menos na macro escala do
empreendimento cientifico.. Assim vamos continuar a usar paradigmas
centenários.
Notar no entanto que de ponto de vista
tecnológico isto tem sido muito eficaz, quero dizer, custo-eficiente ( o que
não é de todo negligenciável). As nossas vidas têm melhorado muito com a
aplicação incremental do conhecimento e provavelmente procurar novas teorias
não é uma tarefa lucrativa. Resta dizer que se a tecnologia é a ciência
orientada para produtos então que guardarão ainda os próximos paradigmas para
nos trazer?