Tracey Lincoln e Gerald Joyce publicaram esta semana na revista Science um artigo (1) muito interessante sobre a replicação auto-sustentada de enzimas de RNA.
Embora não esclareça directamente sobre a origem da vida, a experiencia não deixa de ser fascinante, sobretudo tendo sido admitida a hipótese das primeiras moléculas "vivas" (ou que deram origem à vida) serem precursoras ancestrais do actual RNA, um acido nucleico capaz de conter informação genética.
Teoriza-se que a vida tenha surgido a partir de moléculas que tenham adquirido a capacidade de se replicarem e evoluírem, e já aqui tinha referido a noticia de um modelo matemático recente que sustentava essa possibilidade (2).
O que estes cientistas Norte Americanos fizeram foi criar enzimas RNA em que duas enzimas catalisam a síntese uma da outra a partir de um substrato com apenas 4 nucleotideos. Não são necessárias mais enzimas ou quaisquer proteínas no substrato. Estas enzimas duplicavam o seu número a cada hora passada.
Adicionalmente, quando varias populações destas enzimas foram misturadas, surgiram por recombinação novas variantes mais eficazes na competição pelo substrato (o meio em que elas evoluem) com o resultado de ficarem em maior número. Isto é, verifica-se selecção natural e evolução. Já sei que os criacionistas vão fingir que esta experiencia não significa nada, mas o facto é estamos a ver evolução a acontecer numa escala de tempo observável.
Claro que está (ainda) longe de esclarecer exactamente como se deu a origem da vida ou de provar que foi assim que as coisas aconteceram, mas é um passo formidável na compreensão de que fenómenos pré-bioticos são plausíveis de considerar.
(1) http://www.sciencemag.org/cgi/content/abstract/1167856
(2) mesmo no fim do "post" sobre a evolução - cito o mais relevante do que escrevi em: http://cronicadaciencia.blogspot.com/search/label/Teoria%20da%20Evolu%C3%A7%C3%A3o ; "De facto uma notícia publicada hoje na New Scientist fala justamente disso. Dois biólogos matemáticos de Harvard, Novak e Ohtsuki, desenharam um modelo onde a variedade de moléculas no chamado “caldo primordial” era tanta que deveria haver reacções químicas permanentemente a acontecer. Terão surgido entre as moléculas pré-bióticas algumas que participavam em reacções que davam origem a elas próprias: a replicação. As que se conseguiam replicar mais eficazmente e rapidamente acabariam por substituir todas as outras. São os conceitos Evolutivos aplicados na explicação do surgimento de moléculas complexas e complexos moleculares. Segundo este modelo o aparecimento finalmente de vida terá também levado ao desaparecimento das moléculas pré-vida que não tinham utilidade. "
4 comentários:
Viva
John Maynard Smith e Eors Szathmáry, no livro "As origens da Vida" da Gradiva defendem uma tese semelhante.
Segundo ele as principais transições foram:
1) moléculas replicadoras - englobadas em protocélulas.
2) replicadores independentes - cromossomas
3) ARN como gene e enzima - ADN_genes/ Proteínas_enzimas
4) Célula procariota - célula eucariota
5) reprodução assexuada - meiose - reprodução sexuada
6) unicelularidade - multicelularidade
7) primatas - humanos
Relativamente ao ponto 1), os autores defendem que os replicadores mais eficazes terão ganho a corrida (a evolução...) e originado as protocélulas...
Lourenço:
Sim, a probabilidade desta hipotese aumenta de dia para dia. Era preciso suporte experimental para o que racionalmente fazia sentido. Lentamente, é o que está a acontecer.
Adicionalemente, parece que afinal, a teoria da evolução tambem explica a origem da vida ao aplicar-se a moleculas pré-bioticas.
João,
por várias vezes fiz "publicidade" a Stuart Kaufmann. Esse biólogo teórico tem vindo a propor, há quase vinte anos, mecanismos teóricos que suportam a auto-organização. Essa experiência que referes é a confirmação em larga medida das idéias que ele defende. A ed. Bizancio tem uma obra dele: O universo, a nossa casa. É um livro obrigatório para quem se interessa por estas coisas.
Paulo,
Seja-lhe feita justiça. Obrigado pela referencia.
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