quarta-feira, 30 de maio de 2012

Divulgação ciêntifica - mostrar a controvérsia - como o fazer.

Algumas coisas são matéria de especialistas. Mesmo o publico inteligente e bem informado pode ter dificuldade em julgar por si quem tem razão. Tenho notado isto em vários posts deste blogue.

E esta é uma razão pela qual documentários ou noticias que mostram as várias faces da investigação cientifica mas dão igual importancia a todas as abordagens não contribuiem para o enriquecimento da cultura cientifica.

A ciência é feita de paradigmas(1)  e campos de investigação(2) que só acontecem porque existem consensos alargados. Afinal a confirmação independente é um dos pilares da ciencia e começa logo ao nivel dos dados. Mas como não há dados sem teorias (3) em que estes façam sentido a ciência precisa de consensos para progredir. No peer-review, na confirmação independente, na discussão envolvida na pós-publicação (e que se não se der nos canais adequados pode não receber a critica devida), etc, a cada passo até ao quadro geral em que se tem um plano de investigação em que se trabalha, o consenso é importante. Em resumo, sabemos que estamos a chegar a algum lado e que não estamos todos loucos, porque conseguimos consensos sobre o que os dados significam e sobre as teorias que lhes dão significado.

Algumas vezes apenas o consenso cientifico não era a melhor explicação, no seu tempo, em cima da mesa. De um modo geral, após a discussão cientifica habitual, as melhores explicações em disputa acabaram por ser aceites. Casos embaraçosos existem como por exemplo se deu com a questão da deriva dos continentes que foi consensualmente emxovalhada para lá do habitual. Mas são uma minoria.  De um modo geral o consenso cientifico refletiu o melhor que se podia saber a cada altura.

As grandes teorias que geraram muita polémica noutros niveis e que são muitas vezes apresentadas como exemplo de ideias contra-corrente na ciencia que eram melhores, na maioria dos casos foram aceites pelo consenso com bastante rapidez. Galileu encontrou oposição da Igreja, sobretudo de alguns membros influentes, mas foi aceite pelos astronomos. Darwin foi gozado por crentes em outras teorias mas à data da sua morte já era visto como um grande cientista e a sua teoria da evolução aceite pelos pares, etc.

Nestes casos, a polémica foi entre leigos.  Não quer dizer que não tenha havido um ou outro especialista a fazer fica pé a estas teorias. Quer dizer que a maioria deles viu a razão na altura devida. Entre o público em geral... Bem, nesses a controvérsia dura até aos dias de hoje (4)(5). E há muitos outros exemplos, desde na medicina (6) até a quem acredite que a Terra é plana(7).

Por isso, apresentar versões minoritárias em documentários não reflete aquilo que se faz em ciência. Não reflete na prática, porque os cientistas andam em regra a fazer outras coisas, e não reflete na teoria porque na ciência os consensos importam e assim dá a entender que é um regabofe em que ninguém se entende.

Por isso, documentários ou noticias que apresentem versões contraditórias devem ter o trabalho de dar mais enfase ao que diz o consenso e apresentá-lo como sendo o paradigma actual. Por um expecialista a dar uma versão consensual e outro a dar outra contraditória não mostra o que se está a fazer na ciência se não se disser o peso relativo que cada coisa tem. É um mau trabalho e não ensina.

Pior ainda é propor que o próprio documentário ou artigo está a fazer ciência ao avançar a discussão. Não é o local nem o modo como deve ser feito. A ciência faz-se com método. E funciona.

Ver outro "take" do mesmo assunto:

http://arstechnica.com/science/2012/05/climate-models-ignored-by-media-except-for-their-critics/ (depois não se estranhe que não basta ter mais literacia cientifica. É mal ensinada em primeiro lugar).

Referências:

(1) Thomas Khun, em a "Estrutura das Revoluções Cientificas".
(2) Imre Lakatos em "Criticism and the Methodology of Scientific Research Programmes"
(3) refutação de Hilary Putnam ao positivismo logico (do qual eu concordo com muita coisa, e ao contrário do que se diz não está morto, mas este aspecto é bastante consensual que está morto): http://en.wikipedia.org/wiki/Logical_positivism#Hilary_Putnam.27s_objection
(4)http://en.wikipedia.org/wiki/Intelligent_design
(5)http://en.wikipedia.org/wiki/Modern_geocentrism
(6)http://www.cronicadaciencia.blogspot.pt/search/label/medicinas%20alternativas%20e%20complementares
(7)http://cronicadaciencia.blogspot.pt/2009/06/no-coments.html

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